Lula e a retomada do horizonte progressista

Assim como já ocorreu antes, uma experiência social e econômica virtuosa pode ajudar na retomada de um projeto popular

Luiz Inácio Lula da Silva
Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Reprodução)


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Desde o final do segundo turno das eleições presidenciais, venho pensando na hipótese de que é possível que o fascismo brasileiro tenha batido no seu teto de expansão, no período de média duração. Este recorte histórico contempla a ditadura militar de 1964, o golpe de estado de 2016 e o bolsonarismo. Complementando o ponto de vista, a geração atual está diante de um momento ímpar para impulsionar transformações que não estavam dadas em décadas passadas. 

Faz-se necessário frisar que tomo como base analítica às décadas posteriores a constituição de 1946, quando houve ampliação mais efetiva da participação popular na vida política. O Brasil ainda testemunhou o legado autoritário do Estado Novo (1937-1945), que se deu dentro de um contexto pouco inclusivo. Além disto, àquela geração já não está mais ativa na política brasileira.  

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Vários países viveram momentos fascistas ou ditaduras, de diferentes formas. Nem sempre há uma coincidência exata entre uma experiência fascista e um regime ditatorial, na mesma época. No caso brasileiro, a derrocada de Bolsonaro pode encerrar um ciclo de média duração (de mais de cinquenta anos), contando que este processo não é linear. Apesar de todos os tropeços e reviravoltas, a democracia amadurece e a sociedade civil (principalmente) passa a entender melhor as engrenagens sócio-políticas, viabilizando condições de construção de horizontes e expectativas.    

Autores como Braudel e Poulantzas ajudam na interpretação de tais fatos. O primeiro, por sistematizar processos sociais e a duração das experiências, já o segundo por demonstrar que as crises capitalistas são corriqueiras e envolvem momentos de expansão democrática ou classistas, mas constantemente são sucedidas por crises de hegemonia e instauração de diferentes formas de autoritarismos.    

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Diante deste panorama, a pauta civilizatória e as reinvindicações da esquerda triunfaram significativamente, nesta última eleição, mesmo frente a forte polarização. Bolsonaro foi derrotado não somente no âmbito econômico, mas fracassou na tentativa de dominação pela força e o elemento que merece mais atenção é que um dos seus pontos fortes, a dominação ideológica, não deu conta de barrar o seu oponente, Lula.    

Poderemos então mobilizar o avanço de um novo ciclo de expansão de políticas sociais, do protagonismo do povo preto, pobre, dos povos originários, dos movimentos sociais e das mulheres.  Lula saiu fortalecido nestes segmentos, no nordeste, que novamente mostrou a grande adesão ao petismo, assim como na maior e mais complexa cidade do país, São Paulo. Com Bolsonaro fora do poder e, ao que indica, terá sérios problemas com a justiça, há espaço para disputar o segmento social que foi atraído pela pauta dos costumes. 

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Por um lado, a direita ganhou espaço no aparelho de Estado, dentro do congresso, em importantes estados e no aparelho repressivo. Eles seguem fortes nas mobilizações de rua também, porém nem mesmo a enxurrada de verbas, o uso da máquina pública, as fake news, a pressão empresarial e demais atrocidades que o bolsonarismo mobilizou (algo sem precedentes na nossa história) foram suficientes para galgar o cargo mais importante da república, a presidência.

Entendo que a vitória de Lula, ainda deve ser melhor compreendida qualitativamente, mas sem dúvidas, ele apresentou à sociedade a memória da experiência vivida nos seus governos, cuja tônica da campanha foi a sinalização da retomada das políticas sociais. Convenceu. Arrancou assim os votos necessários. Bolsonaro pouco cresceu eleitoralmente de 2018 a 2022.  

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Tenho o discernimento que o debate da Globo, no segundo turno, expressou um Lula fortemente conectado com o eleitorado contra-hegemônico. Ele foi mais adiante, dialogou (na campanha) e aglutinou o centro e o campo democrático da direita.  

Exatamente por este debate praticamente fechar o pleito, a postura de Lula, de não fugir da reflexão sobre o golpe de 2016, em cima de Dilma, ao defender o PT, ao mobilizar argumentos a respeito da questão fundiária brasileira, situar o papel do MST etc,  me parece simbolizar que a tônica progressista teve um triunfo imenso. Enfatizo que do outro lado, havia um candidato fascista que representa a posição mais cruel da nossa burguesia e do conservadorismo. Se chama atenção à adesão a este polo nefasto, esta eleição mostrou também as suas dificuldades na conquista de hegemonia.   

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Localizando à atual conjuntura do país no processo civilizador, tenho a sensação de que é como se o fascismo fosse um carro de fricção e que chegou ao limite do tensionamento. Ao soltar esta energia, o percurso transcorrido não foi o suficiente para consolidar espaço pleno e chegar mais longe. Em contrapartida, temos um campo democrático-popular que sofreu inúmeras derrotas, desde 2013, porém foi capaz de alavancar o personagem que pode se tornar a maior liderança internacional, deste primeiro quarto do século XXI. Isto tudo ocorreu em uma posição ainda defensiva. 

Mesmo após Lula ser preso, o PT sofrer o lawfare, após a tentativa de aniquilar o partido, de desmoralizar e criminalizar as lideranças, diante de uma ascensão fascista, com base popular, empresarial, apoiada em parte da burocracia estatal, com preocupante capilaridade no campo religioso, a esquerda levou este pleito.   

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Ao pensar a duração das experiências é necessário reconhecer a força deste setor, que em um período de curta duração testemunhou o que parecia ser um desfecho trágico, mas logo construiu o seu renascimento.   

Atualmente convivem mutuamente, no Brasil, quadros que ajudaram na queda da ditadura e a militância, mais jovem, que passou pela experiência de derrotar um líder autoritário e vencer (parcialmente) a dimensão social do fascismo. Esta última vitória foi no voto o que mobilizou uma altíssima participação e interesse pela política. Os aprendizados deste conjunto de coisas, no tempo de média duração, são poderosos e podem colaborar para um governo bem sucedido imediatamente e no futuro, na disputa do Estado como um todo, assim como na capacidade orgânica de mobilização política. 

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Durante momentos esporádicos testemunhamos ciclos de avanços de direitos sociais, no Brasil, seguidos de uma resposta reacionária. Mais recentemente, sofremos com a reação conservadora, que se deu após a ainda insuficiente (porém importante) inclusão viabilizada pelos governos petistas, que deixou frutos que serão colhidos já.   

O Brasil vem de um duradouro processo (de longa duração – secular) de privações dos direitos dos povos originários, pretos e mulheres e pobres; passando pelo colonialismo, império, Velha República, ditadura militar, golpe de Estado de 2016 e agora o fascismo bolsonarista.

Podemos concluir que houve uma diminuição no tempo de duração da retomada da capacidade de rearticulação do poder popular. Acrescento a percepção de que pela primeira vez na história, a população se auto-declara preta, de forma majoritária. As lutas feministas estão cada dia mais fortalecidas, a juventude segue pulsante e os povos originários terão direito finalmente a um ministério para pensar suas questões mais do que urgentes.  

Situando o papel de Bolsonaro de agora em diante, ainda não é claro se ele conseguirá uma anistia, por consequência trânsito político, assim como seus pares tiveram sucesso, na redemocratização. Isto pode levar a uma pronta desarticulação das forças extremistas, nos moldes do que passou o MBL e o movimento Vem pra Rua, sem falar no enfraquecimento do autoritarismo da Lava Jato.  

Pensando em uma conjuntura mais ampla, os EUA que já apoiaram uma ditadura aqui no Brasil anteriormente, não têm o mesmo poder desestabilizador de outrora, embora permaneçam influentes na América Latina. Lula já demonstrou que alianças Sul-Sul nos fortalece e podem reativar o caminho dos Brics. Tal movimentação deve ser fundamental, juntamente com o reaquecimento da economia interna. 

No plano ambiental, há uma atmosfera internacional que joga a favor do Brasil, logo, parece que estamos diante da chance histórica concretíssima de avançar num novo ciclo progressista. O entendimento desta tarefa é latente.   

Há uma contingente, interno, enorme de pessoas que viveram uma mobilidade social, que já ganharam destaque na produção cultural, que ocupam espaço nas universidades, na imprensa, que reivindicam protagonismo no mundo do trabalho e que acabou de saber o que é derrotar o reacionarismo.  Essas pessoas precisam e certamente irão disputar as políticas públicas e o bloco no poder no Estado lulista.  

É possível angariar forças e argumentos para dialogar com a população que está desiludida com a política. Assim como já ocorreu antes, uma experiência social e econômica virtuosa pode ajudar na retomada de um projeto popular e reaproximar quem aderiu ao conservadorismo. É prioridade urgente conquistar esses corações e mentes. O caminho para alçar um grande voo está traçado.   

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