Lula do Lava Jato, futuro mandato
Todos notamos que o Dicionário dos Sonhos registra o óbvio mágico, misturado a crença popular. Talvez por isso no domingo de 2012, na despedida, Lula do Lava Jato tenha me abraçado chorando. Eu fiquei sem ação, comovido e imóvel. Imaginei, interpretei depois a cena sentida como lágrimas de esperança no poder das palavras
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Nesta eleição, lembro do candidato Luiz Fernandes, um homem do povo que um dia quis ser vereador, mas sem a experiência de uma escola política. Sobre ele escrevi duas vezes: na primeira, para a revista Carta Capital em 2008; na segunda, para o Direto da Redação e Vermelho em 2012. Assim foi:
“Lula do Lava Jato, esse homem de olhos inquietos que se apresentou a mim num domingo de 2012, eu o conheci na eleição passada. Há quatro anos, quando escrevi sobre ele para a Carta Capital, ele possuía o nome eleitoral de Lula. Ou Lula de Ibura, na versão que a revista publicou em agosto de 2008. Naquela vez da revista, pude ver:
‘Ele seria o vereador do Ibura, se a eleição fosse por subúrbio. Quando lhe pergunto se é nascido e criado ali, ele responde: ‘Corretamente. Na mesma rua em que eu moro, eu nasci e sou criado na mesma comunidade’. Segundo os cálculos de Lula, em sua comunidade ele terá 70% dos 3.500 votos de que precisará. Mas o Ibura é um bairro cujos números não são exatos. Pelos dados do Censo IBGE, em 2000 a sua população era de 43.681 habitantes. No entanto há quem fale em mais 115 mil. A sua área, pelo IBGE de 2000, era de 1.005,7 hectares. Mas houve anexações, outras favelas lhe cresceram em torno, que também se dizem Ibura.
Lula, o futuro vereador, mora com a mulher, dois filhos e a sogra em uma casinha de dois quartos. Trabalha em quê?, pergunto. ‘Hoje, atual, eu estou numa fábrica de polpa e de suco, na função de auxiliar de produção’. Frase grande e importante. Por isso lhe pergunto se tal emprego lhe dá 4 ou 5 salários mínimos. ‘Não, é um salário mínimo. Por incrível que pareça, é um salário mínimo’. Então compreendo por que ao lhe pedir que fôssemos a um bar, tomar uma cerveja durante o papo, ele fez uma careta e avisou que o melhor seria conversar andando. Não, o convite é meu, vamos, e entramos em um bar nada ideal’.
Em 2008, ele estava com 39 anos de idade. De lá para cá, em 2012, ele e o bairro mudaram para melhor. O Ibura hoje tem ruas calçadas, serviço de microônibus, coleta de lixo, casas com carro na garagem. Não riam, porque não estou sendo irônico. O mundo dos bairros periféricos era muito, muito quase sem nada, havia quatro anos. Lula também, por sua vez, hoje tem um filho que possui computador, câmera digital, com a qual fotografou para este artigo, e filha que vai casar com um rapaz da nova classe média. E não menos importante, ele que foi do emprego de operário para o desemprego naquelas eleições de 2008, hoje é dono de um Lava a Jato, com pequena piscina ao fundo. Na margem da piscina, mesa com guarda-sol de praia. ‘O Lava a Jato foi a minha luz’, Lula me fala.
Daquela distante – pelas mudanças em sua vida – eleição de 2008, ele conta que ‘tive 321 votos, fechados’, querendo dizer, número inteiro e completo. Desta vez, em 2012, a sua esperança é maior:
‘Espero uma votação acima de 4.500 votos. Mas na Frente Popular, com mais de 3.000 a gente se elege. Espero conseguir votos no Ibura, Jordão, Dancing Days, Roda de Fogo, Ipsep, Casa Amarela. Tenho apoio de Geraldo Júlio, da comunidade e da família. Olhe como está hoje a quantidade de carros e de motos. Quem participa tem o prêmio de lavar o carro de graça em meu lava a jato. Da outra vez fui a pé’. É verdade, eu o acompanhei no domingo, com ele a estender à frente as páginas ampliadas da revista aberta na seção Brasiliana.
Inegável que Lula do Lava Jato era uma liderança popular, se com isso queremos dizer um homem nascido, criado na periferia e com a gente periférica comprometido. Era natural que ele fosse visto como instrumento por políticos centrais, que entram nos subúrbios de alta voltagem utilizando os isolantes líderes do lugar. Era natural, portanto, que tentassem comprá-lo, como é rotina de candidatos à direita em tantos bairros. ‘Já tentaram me comprar, mais de uma vez, não vou dizer o nome ao jornalista agora. Me ofereceram dinheiro em espécie pra mudar de lado. Eu não podia fazer isso, é uma questão de honra’. Da vez passada, em 2008, quando muitos jovens não estavam a seu lado, tão diferente de hoje, me surpreenderam as suas ideias para um mandato. Anotei e publiquei na revista Carta Capital, como uma perturbadora revelação:
‘As suas bandeiras de luta, quais são?
‘Bandeiras, como assim?’, ele pergunta, e vocês vão ver: são as necessidades pobres dos pobres. Por isso espero que os leitores não riam nem sorriam do que destacamos do seu projeto em 2008, dividido em 8 itens:
‘3º. Item: Vamos fundar uma sede, ou mais de uma sede, para o time ou os times do nosso bairro. E nessa vai ganhar uma mobília de uma geladeira ou freezer, um fogão a gás, mesas com cadeiras, uma sinuca, uma tábua de dominó com dominó, uma televisão de 20” com antena Sky. Para jogo marcado fora do bairro fornecerei o transporte, uniforme completo, água com gelo, em todos os jogos, laranjas, cartões vermelho e verde, bola. E para cada jogo em participação em torneios um presente para cada gol marcado por cada jogador, tipo um incentivo.
4º. Item: Aos peladeiros também ter totalmente apoio. Uniformes, bola, apito, cartões vermelho e verde, água e gelo, laranjas’.
Seria fácil achar risível, ou ridículo, porque são ridículas assim as coisas essenciais. O bife de sapatos de Chaplin, na Corrida do Ouro, também poderia ser ridículo, mas ficou no limite. Como sempre acontece com as pessoas do povo, que não têm a experiência da expressão escrita, este candidato é melhor e mais eloquente quando fala.
– Você é candidato pra fazer o quê?
- Uma ambulância, pra minha comunidade, ou então um carro pra transporte emergencial. Isso está faltando muito. A comunidade está carente muito disso aí. Tanto a ambulância quanto melhorar os postos médicos, está certo? Na minha comunidade, e no Jordão Baixo o posto é um descaso também. Nas reuniões, em que eu tenho conversado com os meus eleitores, reclamam que o atendimento médico está péssimo. Médico, pra se marcar agora, médico se marca com três meses. E eu quero criar também uma área pra atividade esportiva, na comunidade, pra tirar as crianças da rua, e os jovens também. Eu estou tendo também agora um acompanhamento com um colega mais velho, para nós criarmos uma escola de música. E fundar uma associação em nosso bairro, pra dar um ritmo comunitário, pra tomar conta da nossa comunidade, que está carente também disso.
Desta vez, em 2012, ele tirou cópia da entrevista de 2008, ampliou e exibiu feliz como um grande pôster no primeiro andar do seu comitê, conforme vemos na foto do último domingo. De passagem informo que eu bem tentei posar com ele lá em cima, mas desisti no penúltimo degrau, porque o acesso ao andar de cima era por escada de pedreiro, com a madeira mal apoiada. E para não ficar como tatu no alto da árvore, achei mais sensato voltar à função de repórter. Então em terra, pedi-lhe o seu programa para estas eleições. Ele o retirou de uma agenda. A primeira folha que guardei e copio é este pequeno texto:
‘Manifesto
Eu, Lula do Lava Jato, venho assumir o compromisso moral com o povo do Jordão, Ibura e adjacência. Povo esse que conheço de suas necessidades e do descaso a qual são submetidos, por isso pretendo trabalhar para transformar estas comunidades em um lugar melhor em prol deste povo para que os nosso filhos tenham uma oportunidade de crescer com saúde, segurança, educação e que os nossos idosos tenham um lugar aonde possam viver com respeito e dignidade.
Mas, para isso, convido a você para unir-se a mim nesta luta, pois desejo ser o ouvido do povo na comunidade e a boca do povo na câmera dos vereadores. Aonde farei entoar o grito da nossa comunidade. Comunidade esta onde cresci, criei meus filhos e aprendi a amar.
__________________________________________
Ass. Lula do Lava Jato’
Na primeira vez em que o entrevistei para a revista, pude observar que a forma escrita não era o seu forte. Mas também pude ver que a sua expressão guardava determinados valores de ética, de fraternidade, que não eram nem são comuns na maioria dos seus concorrentes.
Em 2012, observo que Lula do Lava Jato sonha e manifesta o que sonha. O registro dos seus sonhos é o seu projeto: UPA, ensino, saúde, toda infraestrutura necessária para a comunidade. Ou como ele chama, Projeto de Governo Presente. O que me fez refletir afinal estas linhas, na última semana de eleições.
No Dicionário dos Sonhos, um livrinho que é mistura de horóscopo e superstição, registram-se os verbetes a seguir.
‘Eleição
Outras pessoas em eleição: Acontecimentos importantes e muito benéficos ocorrerão.
Vereador
Ser vereador: obstáculos à frente
Voto
Abrir uma urna de votos: Virá mudança para melhor’
Todos notamos que o Dicionário dos Sonhos registra o óbvio mágico, misturado a crença popular. Talvez por isso no domingo de 2012, na despedida, Lula do Lava Jato tenha me abraçado chorando. Eu fiquei sem ação, comovido e imóvel. Imaginei, interpretei depois a cena sentida como lágrimas de esperança no poder das palavras. É como se a força de um texto pudesse levá-lo para a Câmara do Recife. Eu nada falei ali, saí comovido como o diabo, e vim calado, no longo caminho de volta, a suportar o peso de uma honra impossível”.
Ele não se elegeu.
Agora em 2020, nesta semana, Lula postou na sua página do Face:
“Voltarei a concorrer a eleição estadual nas próximas
Já que não estou concorrendo a eleição municipal.
Aí do sonho a subir a rampa do planalto em Brasília,
E representar o nosso estado,
Pernambuco,
E, principalmente a nossa cidade, Recife.
Mas para isso
E necessário o apoio de todos e de todas.
Obrigado”.
E mais não postou.
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