Lula conta ao mundo que ele está de volta ao jogo, da prisão

"Brasil sempre foi a terra dos superlativos. Ainda que nada vença essa corrente, há uma configuração perversa: um estadista mundial persiste na prisão enquanto um palhaço arruaceiro está no poder, e suas artimanhas consideradas agora uma ameaça a todo o planeta", escreve o jornalista Pepe Escobar sobre a entrevista exclusiva do ex-presidente Lula à TV 247, da qual ele foi um dos entrevistadores

(Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247)


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Por Pepe Escobar, com tradução de Regina Aquino, para o Asia Times 

Brasil sempre foi a terra dos superlativos. Ainda que nada vença essacorrente, há uma configuração perversa : um estadista mundial persiste na prisão enquanto um palhaço arruaceiro está no poder, e suas artimanhas consideradas agora uma ameaça a todo o planeta.  

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Numa abrangente entrevista exclusiva mundial, de duas horas, fora da sala de prisão no prédio da Polícia Federal em Curitiba, no Sul do Brasil, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva não somente defendeu sua inocência para a opinião pública global em toda a saga de corrupção da Lava-jato, confirmada pelos vazamentos bombásticos revelados pelo The Intercept, como também reposicionou-se para retomar seu status como líder global. Possivelmente muito mais cedo do que tarde - na dependência de uma fatídica decisão a ser tomada pela Corte Suprema Brasileira, na qual a justiça não é exatamente cega.  

O pedido de entrevista foi encaminhada à cinco meses atrás. Lula conversou com os jornalistas Mauro Lopes, Paulo Moreira Leite e eu, representando, todos os três, o portal Brasil247 e no meu caso, também o Asia Times. Uma versão preliminar, com somente uma câmera fixada sobre Lula, foi liberada na quinta-feira passada, o dia da entrevista*. Uma versão editada e completa, com legendas em inglês, para alcançar a opinião pública global, deverá ser liberada no fim da semana.  

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Lula é uma encorporação visível da máxima de Nietzsche: aquilo que não te mata te faz mais forte. Atlético (ele bate na esteira no mínimo duas horas por dia), afiado, com um monte de tempo para ler ( o mais recente era um ensaio de Alexander von Humboldt) , ele exibiu a marca registrada de sua envergadura, alcance e domínio de múltiplos assuntos – algumas vezes discorrendo-os como se fosse parte de uma fantástica narrativa realista de Garcia Marquez.  

O ex-presidente vive numa cela de três-por-três metros, sem barras, com a porta aberta mas sempre vigiada por dois policiais federais, do lado de fora, sem acesso a internet ou TV a cabo. Um dos seus assistentes zelosamente leva a ele um pendrive abarrotado com notícias políticas e uma parte com uma miríade de mensagens e cartas.  A entrevista fica mais ainda estonteante quando localizada num contexto literalmente incendiário da política Brasileira atual, flertando vivamente com uma forma híbrida de semi-Ditadura. Enquanto Lula conversa essencialidades e está claramente recuperando sua voz, mesmo na prisão, o Presidente Jair Bolsonaro tem se enquadrado como alvo da indignação global, amplamente reconhecido como uma ameaça para a humanidade, que precisa ser contida. 

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É tudo sobre o Dia do Fogo  

Passando para o G7 em Biarritz : no máximo uma questão secundária, um talk-shop (**) onde os presumivelmente liberais Ocidentais aproveitam de sua luxuosa impotência para lidar com os sérios assuntos globais, sem a presença dos líderes do Sul Global.  

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E isso nos leva ao assunto da combustão literal do fogo da Floresta Amazônica. Em nossa entrevista, Lula foi direto ao ponto : apontando a responsabilidade absoluta dos eleitores da base de Bolsonaro. O G7 nada fez senão ecoar as palavras de Lula, com o Presidente francês Emmanuel Macron enfatizando como as ONG’s e múltiplos atores judiciais, por anos, tem levantado a questão de definição de um estatuto internacional para a Amazônia – cujas políticas de Bolsonaro, por si só, impulsionaram para o topo da agenda global.  

Ainda o G7 ofereceu um pacote de ajuda imediata de 20 milhões de dólares para auxiliar as nações da Amazônia no combate aos incêndios e assim lançam uma iniciativa global para proteger uma floresta gigante com apenas um pingo de chuva.  

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[ O Brasil, depois que esse artigo foi escrito, rejeitou a propalada ajuda do países do G7, com um comunicado oficial dizendo a Macron, o Presidente da França, na segunda-feira, para tomar conta “ da sua casa e suas colônias, ” reportou a AFP. “ Talvez esses recursos sejam mais relevantes para reflorestar a Europa”, Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil de Bolsonaro, contou o portal de notícias do G1. “Macron nem mesmo pode evitar incêndio previsível numa catedral que é um Patrimônio Mundial da Humanidade. O que ele pretende ensinar ao nosso país? “ Ele estava se referindo ao incêndio em Abril, que devastou a Catedral de Notre-Dame. “ O Brasil é uma nação livre e democrática que nunca teve práticas colonialistas e imperialistas, como talvez seja o objetivo do francês Macron, “ disse Lorenzoni ]  

Curiosamente, o Presidente dos EUA Donald Trump nem esteve na seção do G7 que tratou das mudanças climáticas, ataques à biodiversidade e os oceanos – e o desmatamento da floresta amazônica. Não é de se espantar que Paris simplesmente desistiu de fazer um pronunciamento conjunto ao final da conferência.  

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Na nossa entrevista, Lula enfatizou seu papel conhecido na Conferência de Partidos (COP-15) a reunião de cúpula sobre mudanças climáticas em Copenhagen, em 2009. Não só isso, ele contou a história interna sobre como as negociações ocorreram, e como interveio para defender a China das acusações americanas de ser o maior poluidor do mundo.  

Na época Lula disse: “Não é necessário derrubar uma árvore sequer, para plantar soja ou criar gado. E qualquer um que fizer isso, isso é um crime –e um crime contra a economia Brasileira.  

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O COP-15 deveria ter avançado os objetivos estabelecidos pelo protocolo de Kyoto, que estavam expirando em 2010. Mas a cúpula falhou depois dos EUA – e a UE – terem se recusado a elevar as suas projeções de redução de CO2, enquanto culpavam os atores do Sul Global.  

Em um agudo contraste com Lula, o projeto de Bolsonaro se resume a uma destruição insólita de ativos brasileiros como a Amazônia, para favorecer os interesses que ele representa.  

Agora o Clã Bolsonaro está culpando o seu próprio Gabinete de Segurança Institucional (GSI, em português) – o equivalente ao Conselho Nacional de Segurança (National Security Council) - liderado pelo General Augusto Heleno, por ter avaliado mal o tamanho e a gravidade das queimadas que ocorreram na Amazônia.  

Heleno, por ventura, é aquele que veio a público defender a prisão perpétua de Lula. 

Mas, essa não é a estória toda – mesmo enquanto Bolsonaro continua a culpar as “ONGs” pelas queimadas.  

A estória real confirma o que Lula disse na entrevista. Em 10 de Agosto, um grupo de 70 grandes latifundiários, todos eleitores do Bolsonaro, organizaram no WhatsApp o “Dia do Fogo” na região de Altamira, no vasto estado do Pará.  

Por um acaso essa é a região com o maior número de queimadas no Brasil – infestada de grandes proprietários de terras, agressivos, que se dedicam a uma massiva, violenta desmatamento da floresta; eles investem na ocupação da terra e em uma guerra sem fim contra os trabalhadores sem terra, e pequenos produtores rurais. O “Dia do Fogo” deveria ter dado suporte ao arranque de Bolsonaro para acabar com o monitoramento oficial e as multas de um dos Bs da bancada da BBB (Bife, Bala, Bíblia).  

Lula estava evidentemente bem informado: “Você só precisa olhar para as fotos do satélite, saber quem é o dono da terra e ir atrás dele para saber quem esta queimando. Se o dono da terra não reclamou, não foi a polícia para avisar que as terras dele estavam queimando, é porque ele é responsável”  

Na estrada com o Papa  

A estratégia impiedosa da guerra-híbrida na pós-verdade pode estar em jogo no Brasil. Dois dias após a entrevista com Lula, uma paella fatídica aconteceu em Brasília no palácio vice-presidencial, com Bolsonaro se encontram com todos os generais do alto comando incluindo o vice presidente Hamilton Mourão. Analistas independentes estão seriamente considerando a hipótese de que o objetivo seria vender o Brasil, usando a preocupação com a Amazônia como desculpa, tudo mascarado por um discurso nacionalista falso.  

Isso se encaixaria no padrão demonstrado pela venda da campeã nacional da aviação, a Embraer, a privatização de grandes blocos das reservas do pré-sal, e a locação da base de lançamento de satélites de Alcântara para os EUA. A soberania brasileira sobre a Amazônia definitivamente está por um fio.  

Considerando a riqueza de informações na entrevista do Lula, sem falar das suas estórias sobre como os corredores do poder realmente funcionam, o Asia Times publicará outras estórias específicas sobre o Papa Francisco, os BRICS, Bush e Obama, Irã, a ONU e a governança global. Essa foi a primeira entrevista de Lula na cadeia onde ele se sentiu relaxado o suficiente para chegar a contar estórias de relações internacionais.  

O que está claro é que Lula é o único fator de estabilidade possível para o Brasil. Ele está pronto, tem uma agenda não só para a nação, mas para o mundo. Ele disse que assim que sair ele voltará as ruas – e irá trocar suas milhas aéreas: ele quer embarcar junto ao Papa Francisco em uma campanha global contra a fome, a destruição neo-liberal, e a ascensão do neo-facismo.  

Agora, compare o verdadeiro estadista na cadeia com o troglodita incendiário vagando dentro de seu próprio labirinto.

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