Lula: a Origem e a Escolha

"Agora, a Nação toma conhecimento, de novo com horror moral, que Lula frequenta um sítio em Atibaia, onde pesca lambaris e tilápias a bordo de um nababesco bote de R$ 4 mil. Não bastasse, Lula teria tentado comprar um apartamento a beira-mar. Tentou e não comprou. Mas o horror moral permanece. Como se atreve? Tendo a sua origem em nossa Senzala, Lula poderia almejar, no máximo, uma casinha do Minha Casa Minha Vida, quiçá uma bucólica palafita, em alguma periferia infecta", diz o colunista Marcelo Zero; leia a íntegra

"Agora, a Nação toma conhecimento, de novo com horror moral, que Lula frequenta um sítio em Atibaia, onde pesca lambaris e tilápias a bordo de um nababesco bote de R$ 4 mil. Não bastasse, Lula teria tentado comprar um apartamento a beira-mar. Tentou e não comprou. Mas o horror moral permanece. Como se atreve? Tendo a sua origem em nossa Senzala, Lula poderia almejar, no máximo, uma casinha do Minha Casa Minha Vida, quiçá uma bucólica palafita, em alguma periferia infecta", diz o colunista Marcelo Zero; leia a íntegra
"Agora, a Nação toma conhecimento, de novo com horror moral, que Lula frequenta um sítio em Atibaia, onde pesca lambaris e tilápias a bordo de um nababesco bote de R$ 4 mil. Não bastasse, Lula teria tentado comprar um apartamento a beira-mar. Tentou e não comprou. Mas o horror moral permanece. Como se atreve? Tendo a sua origem em nossa Senzala, Lula poderia almejar, no máximo, uma casinha do Minha Casa Minha Vida, quiçá uma bucólica palafita, em alguma periferia infecta", diz o colunista Marcelo Zero; leia a íntegra (Foto: Marcelo Zero)


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Nas eleições de 1989, a Nação tomou conhecimento, horrorizada, de que Lula, o operário de origem nordestina, tinha um som três em um.

Como se atrevia? A sua condição de integrante da nossa Senzala exigia que ele tivesse, no máximo, um modesto radinho de pilha. Seu adversário, Collor, bem-nascido na Casa Grande, podia ter o som que quisesse. Afinal, desigualdades e privilégios herdados desde as capitanias são o negócio e a alma do Brasil. É algo natural.

Agora, a Nação toma conhecimento, de novo com horror moral, que Lula frequenta um sítio em Atibaia, onde pesca lambaris e tilápias a bordo de um nababesco bote de R$ 4 mil. Não bastasse, Lula teria tentado comprar um apartamento a beira-mar. Tentou e não comprou. Mas o horror moral permanece. Como se atreve? Tendo a sua origem em nossa Senzala, Lula poderia almejar, no máximo, uma casinha do Minha Casa Minha Vida, quiçá uma bucólica palafita, em alguma periferia infecta.

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Agora, imaginem se essas “acusações” fossem esgrimidas contra algum grande político da oposição, como FHC ou Aécio. Seriam motivo de chacota generalizada, é claro. Mesmo se insinuassem, sem provas, como fazem com Lula, que tais imóveis teriam sido reformados por alguma empreiteira, ninguém acharia nada de mais.

Por quê? Porque empreiteiros, grandes empresários e destacados políticos conservadores fazem parte da mesma classe social. São provenientes da nossa Casa Grande. Têm os mesmos interesses. São “amigos”, são “sócios”. Moram nos mesmos bairros, frequentam os mesmos lugares. Estudaram nos mesmos colégios.

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Assim, quando se revelou que a estrada da fazenda de FHC teria sido construída por uma empreiteira, a nossa destemida imprensa não achou nada de mais. Também acham natural quando tomam conhecimento que FHC frequentaria luxuoso apartamento em Paris, propriedade de um “amigo”.

Agora, imaginem se tais informações fossem relativas a Lula. Que a estrada para o sítio de Atibaia tivesse sido construída por uma empreiteira. Que Lula frequentasse apartamentos na Avenue Foch. Ou, ainda, que no sítio de Atibaia tivessem mandado construir um aeroporto com verba pública. Qual seria a reação da nossa isenta e profissional imprensa? Não é preciso muito esforço de imaginação, não é?

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No caso de políticos bem-nascidos e conservadores, essa promiscuidade entre poder econômico e poder político é considerada natural. Ela está legitimada pela origem social e até mesmo por relações pessoais.

No caso de Lula, político da Senzala, essa relação, mesmo que ocasional e distante, será sempre considerada corrupta.   Lula pegou carona num jatinho de um empresário? “Aí tem”. Aécio fez a mesma coisa? “Nada de mais, os caras são amigos, sócios”. Lula adoeceu? “Tem de se tratar em hospital público e frequentar filas do SUS. Afinal, quem está pagando essa conta?” Figueiredo ficou doente? “Tem de mandar ele para o exterior, se tratar num hospital de ponta.”

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FHC defendeu nossas empreiteiras na exportação de serviços e ainda elogiou o Odebrecht?  “Tudo bem, como estadista, ele estava defendendo os interesses do país e de suas empresas”. O Lula fez a mesma coisa? “Ah! Aí tem, mesmo! O petralha deve ter ganhado uma baba de propina para fazer isso.”

O mesmo vale para os partidos. Partidos da Casa Grande podem ter relações estreitas com o poder econômico. Partidos que tiveram sua origem na Senzala, não. Nesse último caso, qualquer relação será corrupta. O PSDB e seus candidatos receberam grandes doações de empreiteiras? “Natural. Doaram por acreditar numa causa justa”. O PT também? “Ah! Isso aí só pode ser propina disfarçada de doação legal.”

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E o que é mero pecadilho em um pode se transformar num enorme escândalo em outro. O PSDB montou um esquema de caixa dois de campanha? “É fato corriqueiro, um erro isolado, que deve ser julgado, sem alarde, na justiça comum”. O PT usou do mesmíssimo esquema? “Ah! Nesse caso, trata-se do maior escândalo de corrupção da História do Brasil! Tem de ser julgado, com enorme alarde, pelo Supremo.”

O PSDB pedalou? “Tudo bem. Estavam tentando ajustar o Orçamento e cumprir seus compromissos de governo”. O PT pedalou também? “Ah! Aí tem. Justifica o impeachment.”

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Entretanto, o problema maior de Lula, para os nossos reacionários neoudenistas, não está na sua origem, está nas suas escolhas.

Lula não é apenas um político oriundo da nossa Senzala. Lula fez a escolha fatal de ser um político para a Senzala.

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Lula tomou a decisão de incluir a Senzala na Casa Grande. De incluir os excluídos. De eliminar a pobreza. De reduzir a nossa desavergonhada desigualdade. De combater atávicos privilégios.

Lula cometeu o erro imperdoável de combater nossa principal e histórica corrupção: a miséria e a desigualdade.

O grande erro de Lula foi ter tentado transformar nosso capitalismo selvagem num capitalismo minimamente civilizado. Sonho da clássica socialdemocracia, pesadelo de nossa elite predatória e excludente. 

Tivesse Lula mudado de lado, governado exclusivamente para Casa Grande, como sempre se fez, ainda assim ele seria um outsider, um penetra na festa dos “donos do poder”. Mas seria um penetra tolerado. Cumpriria, em nosso sistema político, a mesma função que o isolado articulista progressista cumpre num jornal maciçamente conservador: legitimar o conservadorismo sob o disfarce da pseudopluralidade política.

Porém, como fez a escolha que fez, Lula não é apenas um penetra, é um perigoso subversivo. Ainda mais agora, quando a crise mundial impõe, aos olhos dos verdadeiros donos do poder, a volta da desigualdade e do desemprego como condição sine qua non para a retomada do crescimento.

Lula, com sua possível candidatura em 2018, ameaça a recomposição das grotescas taxas de lucro. Esse é o ponto. É isso que verdadeiramente escandaliza e amedronta as nossas elites. Não é o “triplex” que não obteve; é a terceira vitória eleitoral que fatalmente obteria, caso não seja impedido. O problema é o “triplex” político; não o apartamento no Guarujá.

Lula é o grande obstáculo à pretendida restauração neoliberal, que ameaça varrer com todas as experiências progressistas recentes da América Latina.

Por isso, deve ser destruído, custe o que custar.

Para isso, não são necessárias provas, não são necessários sequer indícios. 

Basta a cortina de fumaça de suspeitas constantemente alimentada pela fogueira midiática do autodefinido maior partido de oposição e pela ação investigativa partidarizada de autoridades que não têm pejo de se desfazer de qualquer resquício de republicanismo. Basta levantar suspeitas até sobre o proletário isopor das pescarias. 

Basta o ódio da oposição sem propostas que, quem diria, acabou no Guarujá.

Basta brandir, aos quatro ventos, a origem e a escolha. 

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