Lula, 74 anos: comemoração contraditória
"Lula passou o dia do aniversário preso, mais uma vez sozinho, mas ao contrário do que imaginavam seus algozes, não foi esquecido. Tampouco perdeu espaço político junto à população. Nem se deprimiu, como muitos apostavam. Antes pelo contrário, todos que analisam este período concluem que o prisioneiro cresceu politicamente", escreve o jornalista Marcelo Auler sobre o aniversário de 74 anos do ex-presidente
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Por Marcelo Auler, de Curitiba, em seu Blog e para o Jornalistas pela Democracia
Ao longo dos 74 anos de vida que completou nesse domingo (27/10), certamente que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve guardar recordações ruins de alguns dos seus aniversários. Afinal, com a infância pobre que teve, inclusive passando fome, não é difícil prever que em determinados momentos ele e seus familiares foram privados de muitas coisas. Bolos de aniversário, muito provavelmente.
Mas, sem dúvida, a data comemorada neste domingo lhe ficará guardada nas recordações como bastante contraditória. Por um lado, pela segunda vez, passou o aniversário sozinho, trancado em uma sala de 15 metros quadrados, no quarto andar da Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná (SR/DPF/PR), no bairro Santa Cândida, em Curitiba. Quando muito, por gentileza, educação e respeito, pode ter sido cumprimentado pelos agentes incumbidos da sua segurança, únicas pessoas que o encontram nos finais de semana.
Ao mesmo tempo, porém, Lula ouviu da sala em que o então juiz Sérgio Moro lhe trancou, a partir de 7 de abril de 2018, a manifestação de milhares de pessoas – centenas delas vindas de pontos mais distantes do país – que se aglomeraram à frente do prédio da Polícia Federal (construído no seu governo), na já tradicional Vigília Lula Livre. Homenagearam o preso político que a Lava Jato tinha como um troféu do qual, hoje, tenta se desfazer. Tentam a todo custo mandá-lo para casa. Mas não esperavam a resistência dele a sair a qualquer preço.
Neste ponto reside a contradição. Ele passou o dia do aniversário preso, mais uma vez sozinho, mas ao contrário do que imaginavam seus algozes, não foi esquecido. Tampouco perdeu espaço político junto à população. Nem se deprimiu, como muitos apostavam. Antes pelo contrário, todos que analisam este período em que o mais popular presidente da República Federativa do Brasil está trancafiado, concluem que o prisioneiro cresceu politicamente. Ou seja, ele constatou que na sua luta continua ganhando força e adeptos, o que não deixa de ser motivos para festejar, ainda que isolado.
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Em uma inversão de papéis, o preso que queriam isolar, provocando seu esquecimento pela população e, quiçá, fazendo-o cair em depressão, superou as dificuldades. Ele não apenas resistiu, mas soube tirar proveito do isolamento imposto – aumentando o índice de leitura, por exemplo. Por isso, é provável até que sua popularidade tenha crescido. Não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo.
Dos seus algozes já não se poderá dizer o mesmo. Pegue-se dois exemplos apenas, os outrora poderosos e festejados juiz Moro e seu braço direito nas perseguições políticas, o coordenador da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, procurador da República Deltan Dallagnol. Acostumados a serem festejados e reverenciados como uma espécie de guardiães da moralidade, assistem a popularidade – e, principalmente, o respeito – que tinham conquistado se dissolverem. Em ritmo vertiginoso. A ponto de Dallagnol, como já noticiado, recorrer a remédios em busca de uma noite de sono.
A festa pelo aniversário de Lula, na Vigília montada a 568 dias na porta da Polícia Federal, nem chegou a juntar tanta gente assim. Foram algumas milhares de pessoas. Menos, por exemplo, do que a multidão que se aglomerou no local quando, em 7 de abril passado, registrou-se o primeiro ano de Lula como preso político. Também não se registrou a presença de personalidades e famosos, quer do mundo cultural, do mundo político ou intelectual.
Além dos políticos da terra, como o ex-governador e ex-senador Roberto Requião, a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, o ex-deputado estadual do PT Dr. Rosinha, estiveram no ato o eterno amigo dos tempos de sindicalismo, deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho e a deputada federal pelo Rio, Benedita da Silva.
Marcaram presença representando o aniversariante, porém, o irmão mais velho e seu mentor político, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, e a atual namorada de Lula, a socióloga Rosângela Silva, a Janja. Aos dois coube a função de apagar as velas já que o homenageado, embora próximo dali, foi impedido de comparecer.
Lula, como registrou na entrevista ao jornal Brasil de Fato, bem que gostaria de dar uma escapulida até a festa. Ao falar do ato, ironizou, como contou Michele Carvalho, na reportagem Como presente de aniversário, Lula pede que “não deixem destruir o país”:
“Vou até falar para o diretor aqui, o doutor Luciano, que ele poderia vir aqui na hora do aniversário, eu sair daqui com ele e ir lá, soprar as velinhas. São 74 velinhas, e eu não vou ter fôlego para assoprar tudo. Aí eu vou lá, vejo o aniversário, como um pedaço de bolo e volto para cá, não tem nenhum problema”.
As ausências, porém, não diminuíram a comemoração, uma vez que ali, além do aniversário, festejou-se também a batalha imposta a Lula que ele está superando. Graças, é verdade, à ajuda de seus fiéis seguidores que completaram 568 dias de presença na porta da Polícia Federal, na já conhecida mundialmente Vigília Lula Livre.
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Algo que aqueles – como o autor deste texto – que acompanharam os primeiros meses da permanência do ex-presidente na sala/cela que Moro lhe impôs e os tribunais superiores, por medo ou vacilação, se recusaram a rever, chegaram a duvidar que fosse ter vida tão longa. Tais eram os imprevistos de então.
Foi uma prova de resistência recheada de demonstrações de carinho, respeito e admiração. Também uma superação de dificuldades, provocações e perseguições. Ao mesmo tempo, um trabalho de diplomacia e conquistas, principalmente junto a muitos moradores da área, o que foi essencial para reduzir as animosidades.
No início era um acampamento amplo, ocupando várias ruas, tomando espaços na calçada com as tendas que guardavam alimentos e serviam como cozinhas. Uma movimentação constante que revoltou alguns dos residentes na, antes, uma área residencial e pacata. Recorrerem até à Justiça para impedir a permanência dos manifestantes. Foram ordens e contraordens, ameaças de despejo, imposições de medidas restritivas, sem que nada arrefecesse a disposição dos manifestantes.
Houve até o episódio como o do delegado federal Gastão Schefer Neto, residente na vizinhança, que tresloucadamente, no dia 4 de maio de 2018, destruiu aparelhagem de som.
Somente quem acompanhou de perto sabe das dificuldades superadas, como arrecadar mantimentos para as refeições de centenas de pessoas, mas também providenciar o gás de cozinha para o preparo destas refeições, a água potável para se beber e os banheiros químicos necessários inicialmente. Recolheu-se ainda roupas que ajudassem a superar o frio. Enfrentaram chuvas e as baixas temperaturas. Sofreram alguns ataques noturnos de uma direita raivosa. Houve tiros nas madrugadas. Ameaças. E, paralelamente, negociações com autoridades do município – estas sempre de má vontade – do governo estadual e do Judiciário. Muitas com viés nitidamente ideológicos.
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Aos poucos as dificuldades foram sendo superadas. Com o aluguel de um terreno e de casas na região, os manifestantes saíram das calçadas – o que mais desagradava aos moradores – e passaram a se concentrar imediatamente em frente à Superintendência, o que não podiam fazer quando ocupavam a rua. Ganharam um terreno privado (alugado) para se manifestarem mais perto do prédio, o que permite serem ouvidos por Lula. O preparo da comida passou a ser feito em uma das casas alugadas, onde funciona a creche Marielle Franco. As manifestações com som sofreram apernas limitações de horário.
Assim a Vigília sobrevive nesses quase 19 meses, mantendo a tradição de pela manhã, tarde e no início da noite cumprimentarem o ex-presidente Lula com o tradicional grito: “Bom dia/boa tarde/boa noite, presidente Lula!”, repetido 13 vezes.
O próprio Lula não esconde a emoção – misturada com gratidão – ao falar da Vigília Lula Livre. Algo que ele só teve oportunidade de ver uma única vez ao longo destes 568 dias. Foi no sábado 2 de março passado, ao se deslocar de helicóptero da sede da Polícia Federal a caminho do aeroporto para ir ao enterro de seu neto, Arthur, em São Bernardo do Campo.
Por mais de uma vez, nas entrevistas que tem concedido, ele fala não saber como agradecer e retribuir ao carinho e dedicação de todos ali. Neste domingo, ganhou nova motivação. Os manifestantes não permitiram que seu aniversário passasse em branco.
Sua promessa é de começar a agradecer visitando-os no dia em que lhe derem liberdade. Algo que muitos neste domingo acham que acontecerá em breve. Pelas apostas, na pior das hipóteses, em novembro, quando a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal analisar o pedido de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.
Todos torcem para que ocorra até antes. Mas também reiteram uma velha promessa que muitos achavam que não seria cumprida. A Vigília sobreviverá enquanto o arbítrio permanecer e Lula continuar como preso político.
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