Lixo
"O dia 17 de abril de 2016 ficará registrado como um dos mais tristes da nossa História. Ante a incredulidade do mundo, conduzida por um personagem que é a epítome do que há de pior na política nacional, a Câmara dos Deputados decidiu autorizar o processo de afastamento da presidenta honesta, contra a qual não há acusação jurídica que se sustente", diz o colunista Marcelo Zero; "Nessa ópera-bufa do golpe, os personagens são patéticos. As justificativas para o injustificável beiram o grotesco. Na votação, muitos dos golpistas falaram em Deus, família, etc., mas foram incapazes de apresentar um único argumento sólido para justificar seu crime contra a democracia. Durante muito tempo, as imagens do espetáculo ridículo percorrerão o mundo provocando risos de escárnio e de incredulidade"
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O dia 17 de abril de 2016 ficará registrado como um dos mais tristes da nossa História.
Ante a incredulidade do mundo, conduzida por um personagem que é a epítome do que há de pior na política nacional, a Câmara dos Deputados decidiu autorizar o processo de afastamento da presidenta honesta, contra a qual não há acusação jurídica que se sustente.
Deu-se o que o Secretário-Geral da OEA e a comunidade internacional estão chamando muito apropriadamente de “o mundo ao contrário”. Políticos ficha-suja, movidos por vingança política, deram o pontapé inicial no processo do golpe contra a presidenta ficha-limpa.
Na realidade, deram um pontapé na democracia brasileira e transformaram o Brasil numa vergonhosa republiqueta de bananas. Uma república de “fichas-sujas”.
Nessa ópera-bufa do golpe, os personagens são patéticos. As justificativas para o injustificável beiram o grotesco. Na votação, muitos dos golpistas falaram em Deus, família, etc., mas foram incapazes de apresentar um único argumento sólido para justificar seu crime contra a democracia. Durante muito tempo, as imagens do espetáculo ridículo percorrerão o mundo provocando risos de escárnio e de incredulidade.
Nessa ópera-bufa, o enredo parece puro nonsense. Parece. Porém, por trás desse espetáculo que aparenta ter saído da imaginação surrealista de um Ionesco bêbado, há maquiavélica racionalidade.
O golpe tem intenção, tem propósito. Obviamente, tal propósito não tem nada a ver com combate à corrupção. Ou melhor: tem relação, sim, com o combate à corrupção, mas no sentido negativo. O golpe está se dando, entre outras razões, para tentar assegurar impunidade a seus artífices. Segundo a imprensa, houve negociações em torno dessa promessa desavergonhada. Uma promessa que incluiria a transformação da Lava Jato numa operação Banho Maria.
Mas, para os golpistas, isso é apenas um providencial bônus. O essencial é outra coisa. É preciso levar em consideração que o golpe está sendo promovido freneticamente e monetariamente por uma parte considerável das grandes empresas, inclusive internacionais. Esse pessoal, a chamada “turma da bufunfa”, não tem interesse real nenhum em combate à corrupção, até mesmo porque eles são os corruptores históricos do nosso sistema político.
Seu interesse é outro.
Seu interesse no golpe tange à revisão ou extinção dos legados sociais de Lula, Ulysses Guimarães e Getúlio Vargas. Na visão deles, esses legados precisam ser revistos para que o Brasil consiga “retomar o crescimento”. Na visão deles, a “cidadania social” criada pela Constituição de 88 não cabe mais no orçamento. Daí a necessidade de rever os “gastos obrigatórios com saúde e educação”. Daí a necessidade de “desvincular as receitas”.
Na visão distorcida deles, o governo estaria promovendo uma “gastança social” e programas como Minha Casa Minha Visa, Prouni, Fies, Bolsa Família etc. precisariam ser revistos. Por isso, o nosso grande estadista do 1% dos votos, nosso candidato a presidente biônico, já fala em “sacrifícios” que teremos de fazer. O nosso grande estadista, muito leal, muito leal à visão neoliberal do mundo, acredita que a volta das políticas do Estado mínimo, das privatizações, da abertura incondicional da economia, do arrocho contra os trabalhadores, que fracassaram miseravelmente no passado, agora vão nos fazer “superar a crise”.
É uma ideia totalmente descabida, é claro. Agora, mais descabido ainda é achar que a dupla Cunha/Temer tem condições de dar legitimidade a essa grande farsa política e jurídica. Mais descabido ainda é achar que tal dupla tem condições de assegurar a difícil governabilidade do Brasil em tempos de crise.
Não há a menor condição disso acontecer. Além da dupla biônica Cunha/Temer não ter nenhuma credibilidade e legitimidade, o programa socialmente regressivo apregoado pelo estadista do 1% levará, se implantado, a uma insurgência popular de proporções épicas.
Todo esse processo do golpe está ocasionando um fenômeno bastante auspicioso: a rearticulação das forças democráticas e progressistas, que antes estavam desarticuladas e desmotivadas. Enquanto as manifestações pelo golpe diminuem sensivelmente, dado o óbvio e desavergonhado resultado da república dos “fichas-sujas”, as manifestações contra o golpe e pela manutenção dos direitos sociais trabalhistas aumentam em número. Enquanto os políticos da oposição golpista vêm seus índices de popularidade despencarem, Lula aumenta os seus, apesar de toda a campanha diuturna da mídia golpista contra ele.
Assim, a triste noite do dia 17 de abril foi apenas uma batalha das muitas que estão por vir.
Afinal, o que está em jogo aqui é mais do que o destino de uma presidenta, de um governo, ou mesmo de um projeto social e político.
O que está em jogo aqui é o próprio processo civilizatório. Os governos do PT, seguindo a trilha deixada pela Constituição de 1988, implantaram um processo econômico, social e político tipicamente socialdemocrata. Lula foi, na realidade, o grande líder socialdemocrata do início deste século.
Lula, Dilma, o PT e os seus aliados históricos iniciaram um processo para transformar nosso vergonhoso capitalismo selvagem num capitalismo minimamente civilizado e inclusivo. Um processo exitoso que nos deu muito prestígio internacional. Com ele, começamos a nos livrar de nossa fundamental corrupção: a miséria e a desigualdade.
Bastou, no entanto, a crise mundial nos atingir para que nossa elite econômica e política passasse a apostar de novo num processo de desenvolvimento concentrador e excludente. Querem a volta, em essência, do “milagre econômico” da ditadura, muito apropriado ao plano do golpe contra a democracia. Querem de volta seu capitalismo selvagem. Querem de volta seus privilégios. Querem de volta a desigualdade. Querem de volta a exclusão. Querem de volta até a mesmo a impunidade. Até mesmo a impunidade para reprimir o povo e arrochar o trabalhador.
Em nome de “Deus e da família” golpeiam democracia, o processo civilizatório e nos enchem de vergonha aos olhos do mundo.
Em nome de “Deus e da família”, querem de volta, em suma, a nossa barbárie histórica. Nossa diabólica desigualdade.
Mas esse retrocesso à barbárie não tem nenhum futuro. Mais cedo ou mais tarde, será derrotado. O Brasil só sairá da crise com um grande pacto que contemple os interesses de todos, inclusive os dos trabalhadores e os dos que são beneficiados pelas corretas políticas de inclusão. Fora disso, não há salvação; há barbárie.
O cínico, baixo e machista “tchau querida”, será logo substituído pelo “fora fichas-sujas”. Pelo fora Cunha e pelo fora Temer. Não demorará muito para que a palavra de ordem seja “fora golpistas”.
Assim, os golpistas não têm nada a comemorar. A triste noite do “tchau querida” dará a lugar a um dia luminoso, no qual não haverá mais lugar para corruptos, hipócritas, cínicos e, sobretudo, para golpistas. O cínico “olá golpistas” do dia 17 terá vida curta.
Irá, merecidamente, para a lata de lixo da História.
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