Liberdade de imprensa é tão inegociável quanto responsabilidade de imprensa
"A indignação seletiva de jornalistas da mídia corporativa não serve ao fortalecimento da nossa combalida democracia", escreve o jornalista Aquiles Lins, editor do 247. "Além de repudiados, os ataques de Jair Bolsonaro contra Vera Magalhães devem servir para reflexão sobre a responsabilidade de cada jornalista na ascensão do neofascismo. O momento pede humildade e autocrítica, inclusive de Vera"
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Por Aquiles Lins, para o Jornalistas pela Democracia
A empatia de jornalistas da mídia corporativa, de intelectuais, e de políticos de centro-direita com a jornalista Vera Magalhães por conta dos ataques feitos contra ela por Jair Bolsonaro soa como hipocrisia.
Obviamente deve ser repudiada toda agressão à dignidade humana. Ainda mais quando perpetrada por um agente público como um presidente da República.
Isso, no entanto, não exclui o fato inequívoco de que grandes veículos de imprensa como O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo têm responsabilidade na ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência, inclusive em relação à sua desastrosa política econômica.
O conluio de estrelas do chamado "jornalismo profissional" com procuradores da Lava Jato, e com o então juiz Sérgio Moro, na construção da narrativa farsesca que resultou na criminalização e inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu caminho para Bolsonaro.
Sérgio Moro era retratado como o Deus pela mídia tupiniquim. Suas ilegalidades no processo contra Lula foram acobertadas, com o claro intuito de retirar Lula das eleições de 2018. Hoje, Moro é ponta de lança do regime neofascista que surgiu a partir daí. Mas desta autocrítica, jornalistas da mídia mainstream correm léguas.
Os profissionais agem corporativamente, invocam o direito à liberdade de imprensa em defesa de Vera Magalhães. Aparentemente mais no afã de conseguir likes nas redes. Porque a sororidade prontamente enviada a Vera não existiu com a presidente Dilma Rousseff, alvo de todo tipo de ataque misógino na campanha que levou ao golpe de 2016.
Jornalistas que hoje se solidarizam com Vera não tiveram pudor em divulgar conversa privada da ex-primeira-dama Marisa Letícia com seu filho Fábio Luís em março de 2016. Mesmo mês em que a Polícia Federal revirou o apartamento do casal Lula em São Bernardo numa busca e apreensão seguida de uma condução coercitiva de Lula absolutamente espetacularizada.
Parêntese. Para se ter uma ideia, o Jornal Nacional, da TV Globo, expandiu sua edição de sexta-feira de 45 minutos para 1 hora e 15 minutos. Deste total, dedicou 1 hora e 3 minutos falando apenas da condução coercitiva de Lula (leia artigo científico de Janaina Cardoso Brum sobre a cobertura da condução coercitiva de Lula).
Dona Marisa foi destroçada, sofreu Acidente Vascular Cerebral (AVC) que a levou a óbito e pouquíssimos 'democratas' se solidarizaram. Muitos inclusive, como a própria Vera, preferiram zombar de Lula por ter discursado no velório da esposa.
A indignação seletiva de jornalistas da mídia corporativa não serve ao fortalecimento da nossa combalida democracia. A liberdade de imprensa precisa estar intrinsecamente atrelada à responsabilidade de imprensa. Uma depende da outra.
Além de repudiados, os ataques de Jair Bolsonaro contra Vera Magalhães devem servir para reflexão sobre a responsabiliade de cada jornalista na ascensão do neofascismo. O quanto cada um, cada uma contribuiu para Bolsonaro estar onde está? O momento pede humildade e autocrítica, inclusive de Vera.
A democracia agradece.
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