Lewandowski reafirma direito à crítica e inocenta Nassif

"Ao analisar o texto da reportagem de Nassif, o ministro do STF não reconheceu dano algum a ser indenizado, concluindo que a condenação é um 'evidente o cerceamento da liberdade de expressão constitucionalmente assegurada ao reclamante'", destacou o jornalista Marcelo Auler

(Foto: © Antonio Cruz/Agência Brasil)


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Por Marcelo Auler, em seu blog

Em decisão na qual reafirma o direito de a imprensa ser crítica e, ao mesmo tempo, retira do Estado o poder de interferir no que dizem/escrevem jornalistas, o ministro Ricardo Lewandowski, em decisão proferira na segunda-feira (01/03), cassou o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo pelo qual Luís Nassif, do JornalGGN, foi condenado a pagar uma indenização de R$ 30 mil ao Movimento Renovação Liberal/Movimento Brasil Livre (MBL).

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Ao anular a decisão dos desembargadores do TJ-SP (processo nº 1038986-02.2020.8.26.0100), Lewandowski reafirmou aquilo que o Supremo Tribunal Federal (STF) repete desde que julgou, em abril de 2009, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130: a Constituição Cidadã de 1988 não admite qualquer tipo de censura à imprensa. Não impede também a crítica jornalística. Nem mesmo pelo judiciário.

Através da Reclamação (Rcl) 46.017, os advogados de Nassif – Aroldo Joaquim Camillo Filho, Vinícius Dino de Menezes, Marco Antônio Riechelmann Júnior e Alfredo Ermírio de Araújo Andrade – recorreram contra a decisão do tribunal paulista que modificou a sentença de primeira instância na qual Nassif, corretamente, foi inocentado.

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O processo movido pelo MBL gira em torno de uma das primeiras reportagens que denunciaram a famigerada fundação que os operadores da Lava Jato de Curitiba pretendiam criar. Usariam percentagens das multas impostas à Odebrecht por autoridades suíças e norte-americanas, negociadas diretamente pelos procuradores da República de Curitiba, à revelia do Estado. A reportagem Com 2,5 bi em caixa, a Lava Jato se prepara para substituir o bolsonarismo foi editada em 5 de março de 2019.

Para juiz, não houve ofensa

Nassif apontou que a Lava Jato teria à sua disposição vultosos recursos próprios, não transparentes, que poderiam ser empregados de maneira ilícita, inclusive na arena da disputa política. Como alegaram seus advogados, “uma crítica, portanto, republicana, ínsita à atividade jornalística, concorde-se ou não com o seu teor”.

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O comentário sobre o MBL, como alegou sua defesa, foi meramente “en passant”: “O Movimento Brasil Livre foi financiado com R$ 5 milhões, com a missão grandiosa de defender a iniciativa privada. Gerou um batalhão de candidatos políticos”.

Dizia respeito às verbas arrecadadas que permitiram ao movimento eleger parlamentares como o deputado federal Kim Kataguiri, o deputado estadual Arthur do Val “Mamãe Falei” e o vereador Fernando Holiday. Nada relacionado ao dinheiro da Lava Jato, até porque a fundação foi barrada por decisão do Supremo Tribunal Federal, a pedido da própria Procuradoria Geral da República.

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Ainda assim, o MBL criando um discurso de “vítima”, alegou na ação contra Nassif que este “lhe imputou falsamente o recebimento ilícito de numerário público”; que a acusação foi de malversação de recursos públicos pelo Ministério Público Federal e de que “não se tratou de simples relato”.

Um discurso que não foi visto desta forma pelo juiz da 13ª Vara Cível de São Paulo, Luiz Antônio Carrer. Ao julgar a ação improcedente, ele refutou a absurda interpretação do MBL:

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o texto opinativo publicado pelo requerido não afirma que o Movimento Brasil Livre foi financiado pela Lava Jato, mas que a parte autora teve doações no total de R$ 5.000.000,00 para defender a iniciativa privada. Tal trecho não caracteriza qualquer ofensa ou dano à imagem da parte requerente, pois não há qualquer mácula na afirmação de que uma Associação Civil tenha recebido valores de pessoas que acreditam na causa defendida pela Instituição”.

Desembargadores fazem leitura enviesada

Já na 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde tramitou a apelação do MBL, o entendimento foi diferente. Seguindo o voto do relator, desembargador Francisco Loureiro, em 19 de novembro passado, com os votos dos desembargadores Christine Santini e Claudio Godoy, a sentença de primeira instância foi refeita.

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Os desembargadores entenderam que Nassif deveria indenizar em R$ 30 mil o MBL por conta do comentário sobre o dinheiro arrecadado pelo movimento para lançar suas candidaturas. Interpretaram – erroneamente – que ele se referia a valores provenientes dos procuradores da Lava Jato. O relator entendeu que:

A inserção de tal imputação no parágrafo abaixo das críticas à utilização dos recursos que comporiam o fundo criado pelos promotores de justiça da Operação Lava Jato é que não se mostra verídica e tem caráter ilícito. Está absolutamente claro que a ideia central do texto é sustentar que a quantia entregue pela Petrobrás S/A em virtude de acordo com o Ministério Público Federal será transferida sem licitação a entidades voltadas a um suposto projeto de poder dos promotores e juízes envolvidos com a Operação Lava Jato. É nesse contexto que, sem qualquer ressalva, o texto imputa à autora o recebimento ilícito de R$ 5 milhões. É claro que a voz passiva empregada no parágrafo, ao deixar indeterminado o agente, remete diretamente ao assunto principal do texto, qual seja, as doações ilícitas que seriam realizadas pela fundação ligada à Operação Lava Jato”.

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Esta foi a decisão anulada liminarmente pelo ministro Lewandowski na Reclamação 46.017. Ao analisar a questão, ele recorreu a decisões anteriores do STF relembrando, por exemplo que a corte já considerou que:

O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. (…) O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. (…) o exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente” (grifo do original – g.o.).

Lembrou ainda que a corte, no julgamento da ADPF 130, considerou “a ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia” (g.o.)

Imprensa, irmã siamesa da democracia

Ainda citando o mesmo julgamento, lembrou parte do voto do então ministro Carlos Ayres Britto, acolhido pela unanimidade do plenário:

“(…) a imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários” (g.o.).

No voto, Lewandowski ainda destacou do acórdão da ADPF 130:

“[…] não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas” (g.o.).

O ministro ainda lembrou que há o direito de resposta a atender aqueles que se sentem prejudicados por uma reportagem, algo que sequer foi ventilado no referido caso pelo autor da ação ou pelo Tribunal. Diz Lewandowski sobre esse direito que poderia ter sido pedido:

“(…) nos termos do julgado acima referido, ‘manifesta-se como ação de replicar ou de retificar matéria publicada’, sendo ‘exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5° da Constituição Federal’” (g.o.).

Jornalista cumprindo seu dever

Ao analisar o texto da reportagem de Nassif, o ministro do STF não reconheceu dano algum a ser indenizado, concluindo que a condenação é um “evidente o cerceamento da liberdade de expressão constitucionalmente assegurada ao reclamante”.

Recordou ainda que no texto Nassif, “antecipou-se a recente decisão do Plenário desta Suprema Corte, referendando decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, proferida na ADPF 568/PR, a qual atestou a escancarada inconstitucionalidade e ilegalidade da alocação de aproximadamente 2,5 bilhões de reais de verbas públicas, supostamente desviadas do erário, pelos procuradores da Força-Tarefa “Lava Jato”.

A partir desta citação, concluiu:

“Ora, se o próprio Supremo Tribunal Federal, por seu Colegiado Maior, considerou ilegítima e reprovável a operação financeira levada a cabo por integrantes do Ministério Público Federal lotados no Paraná, não há como recriminar a crítica jornalística feita pelo reclamante, o qual, entendendo estar cumprindo o seu dever profissional, prenunciou que ela carrearia vultosos recursos para a indigitada fundação, bem assim para terceiros, com destinação eminentemente político-partidária.

Ao julgar procedente a reclamação para cassar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, inocentando Nassif, Lewandowski ainda fez uma advertência aos magistrados, lembrando-os de que não lhes é permitido serem “interpretes” do que os jornalistas querem afirmar:

“O ordenamento jurídico dos países democráticos, categoria na qual se espera esteja o Brasil incluído, por óbvio, não outorga aos juízes o papel de exegetas da verve jornalística, permitindo que imputem aos profissionais da escrita propósitos, quiçá, nem de longe por eles cogitados”.

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