Lei do Abuso de Autoridade é arma eficaz para conter extrema-direita na CPI do MST

Sancionada em 2019 e assinada por Bolsonaro, Lei 13.869 pune o agente público - inclusive parlamentares - que extrapola poder e constrange investigados

(Foto: ABr | Câmara dos Deputados)


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Comissões Parlamentares de Inquérito são um instrumento do Poder Legislativo que conferem a integrantes do Parlamento poder de polícia e os dotam de ferramentas típicas do Judiciário com o objetivo de facilitar a investigação de fatos determinados. Imbuídos de poderes típicos de policiais e da magistratura, integrantes de CPIs podem ter acesso a dados sigilosos de movimentações financeiras e patrimoniais de investigados, organizam oitivas públicas e têm autorização para promover buscas e apreensões de documentos e até dar voz de prisão àqueles que se recusarem a colaborar com as investigações entabuladas.

É muito poder para ser esgrimido por mãos irresponsáveis e cabeças tresloucadas de quem tem agenda extremista. Tal extrapolação de poder começa a ser percebida na CPI do MST, criada a partir de requerimento de um tenente-coronel chamado Zucco (Republicanos-RS), que indevidamente segue usando a patente militar em seu nome parlamentar, que a preside. Numa entrevista a um canal de TV a cabo, na última sexta-feira 19/05, Zucco disse que a comissão investigará “toda e qualquer invasão” que achar por bem investigar. O deputado e ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), que deixou o ministério em 2021 acossado pelas denúncias de favorecimento a madeireiros e desmatadores na Amazônia, também confidenciou a interlocutores e cúmplices de sua atuação parlamentar de extrema-direita no Congresso que usará as investigações da CPI para tentar levantar elementos derrogatórios contra o adversário político Guilherme Boulos (PSol-SP), com quem deverá disputar a prefeitura de São Paulo em 2024.

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Além das pretensões de Zucco e Saller, que em si já deslegitimam as presenças deles nos postos que ocupam na Comissão Parlamentar de Inquérito, integrantes da Frente Parlamentar do Agronegócio, agremiação nada recreativa que detém poder real de influenciar a pauta e os ritos do Congresso Nacional, não escondem de ninguém os objetivos estabelecidos para a CPI: constranger, acuar e desmontar as colunas vertebrais operacionais do Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. É a partir daí que entra a Lei 13.869 de 5 de setembro de 2019.

Em seu Artigo 1º, diz-nos o texto legal:

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“Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.

§ 1º  As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

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§ 2º  A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.”

Ou seja, ela veio a lume para delimitar os desmandos e as exacerbações espetaculosas promovidas desde há muito por delegados, policiais civis, policiais federais, procuradores e juízes. O caldo entornou no curso da Operação Lava Jato e por causa dos shows deletérios de abuso de poder de “paladinos” imorais contra “investigados” defenestrados sem direito de defesa nos tribunais midiáticos e das redes sociais. 

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Eis o Artigo 2º da Lei do Abuso de Autoridade:

“É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:

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I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;

II - membros do Poder Legislativo;

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III - membros do Poder Executivo;

IV - membros do Poder Judiciário;

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V - membros do Ministério Público;

VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.

Parágrafo único.  Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.”

Logo, deputados federais e senadores, que debateram, votaram e aprovaram a legislação, encaixam-se no texto e são regulados por ele no sistema de freios e contrapesos que governa a nossa República - graças a Deus.

Depois de discorrer sobre a ação penal, os efeitos das condenações, as restrições a direitos e sanções, o texto da Lei de Abuso de Autoridade prevê a intervenção legal para brecar exatamente o que ora ocorre - já - na CPI do MST antes mesmo de a comissão de inquérito começar a funcionar. Porém, como prévia de ação dos seus integrantes oriundos da extrema-direita que imaginam ter recebido um presente da Mesa da Câmara para agir contra o movimento social dos trabalhadores sem-terra. No Capítulo VI do texto são elencados os crimes e penas. E eis que vêm esses artigos:

Violência Institucional

Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade:     

I - a situação de violência; ou     

II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:       

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.      

§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).     

§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro.

Art. 27.  Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:        

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Art. 28.  Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 29.  Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado:         

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 30.  Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:       

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 31.  Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:          

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.

Art. 33.  Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.

Art. 38.  Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:        

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

Por despreparo intelectual e dislexia legislativa, posto que jamais se preparam para exercer o poder por meio do devido processo legal e numa quadra de normalidade democrática, os bolsonaristas não usaram a favor deles a Lei de Abuso da Autoridade no curso das Comissões Parlamentares de Inquérito que fustigaram (e, em alguns casos, evitaram males maiores ao País e aos brasileiros, como a CPI da Covid) que funcionaram entre 2020 e 2022. Agora, contudo, é diferente: a Lei de Abuso de Autoridade, sancionada por Jair Bolsonaro e co-assinada pelo agora senador Sérgio Moro e pelo agora ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça, pode - e deve! - ser aplicada contra os deputados de extrema-direita que estão trotando nos cascos sem conseguir segurar a ansiedade para prestar serviços variados a quem deseja criminalizar e destruir a sólida reputação de lutas sociais do MST e também do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, ambiente de atuação pública do deputado Guilherme Boulos. 

Nos últimos 35 anos, as CPIs mais eficazes do Congresso Nacional foram a CPI do PC Farias, em 1992, que reuniu elementos suficientes para que fosse executado o processo de impeachment do então presidente da República Fernando Collor de Mello, e a CPI dos Anões do Orçamento, de 1993, que levou à cassação dos mandatos de seis deputados e à renúncia de outros quatro parlamentares federais. Em 2005, a CPI dos Correios, criada com o objetivo de depor o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no bojo das denúncias formuladas pelo presidiário Roberto Jefferson naquilo que se convencionou chamar de “escândalo do mensalão”, fez muito barulho e produziu muita espuma sem ter conseguido a meta pretendida pela oposição a Lula. Em 2021, a CPI da Covid, criada para apurar os desmandos e os potenciais crimes de genocídio executados pelo trágico ex-presidente Jair Bolsonaro durante a incompetente operação de governo na pandemia por coronavírus Covid-19, também entregou menos resultados concretros do que a expectativa criada em torno dela. 

Aos inimigos da Democracia, a Lei. Mais precisamente, a Lei de Abuso de Autoridade. Ela é antídoto poderoso contra os arreganhos dos extremistas de direita que não sabem conviver em sociedade sem que lhes lembremos, sempre, a necessidade do uso de focinheiras.

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