Leandro Narloch e a desonestidade intelectual que inspira os negacionistas da escravidão

Leandro Narloch acaba de escrever um artigo para a Folha de São Paulo sobre um personagem fascinante da história do Brasil: o negacionista da escravidão, como se costuma dizer no século 21, um herdeiro de senhor de engenho que relativiza a opressão da liberdade

(Foto: Reprodução)


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Leandro Narloch acaba de escrever um artigo para a Folha de São Paulo sobre um personagem fascinante da história do Brasil: o negacionista da escravidão, como se costuma dizer no século 21, um herdeiro de senhor de engenho que relativiza a opressão da liberdade, ignora os preconceitos raciais, continua enriquecendo às custas do trabalho mal remunerado dos escravos modernos e que deixará em seu testamento joias, casas, bens e a manutenção da desigualdade como do privilégio para as suas futuras gerações.

Em 2016, João Campos, filho do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em 2014, herdou os privilégios de seu pai e a partir de então, passou a acumular cargos públicos como o de Chefe de Gabinete do Estado, Deputado Federal e Prefeito de Recife, que ocupa atualmente. O que hoje eu chamo de meritocracia hereditária das capitanias modernas.

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Já em 2021, Tomás Covas, filho do ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas, foi contratado pelo governo de São Paulo para trabalhar em sua sede. Com apenas 16 anos de idade, ele é mais um exemplo da meritocracia hereditária que qualquer negacionista da escravidão e do privilégio branco julga como legítimo e inquestionável. E que nenhum “coach da branquitude” ouse-os contestar.

Casos assim, seriam exemplos anedóticos ou um fenômeno adverso provocado pela inconsistência das narrativas negacionistas e pelo conto da democracia racial que sempre nos contaram antes de dormir? Certamente, não são raros, pelo menos em regiões em que a economia prospera e cria cada vez mais oportunidades de lucro para esses poucos privilegiados.

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Na verdade, pesquisas mais recentes indicam, com segurança mais do que razoável, que a nossa elite burguesa, escravocrata e negacionista, constitui a categoria mais rica da nossa sociedade, depois da nossa elite burguesa, escravocrata e negacionista. Esses dados foram extraídos da realidade social estampada na nossa cara, mas que alguns fingem não existir. Brincar de fazer revisionismo histórico é muito perigoso. Criar personagens que favorecem as narrativas dos negacionistas é ainda mais perigoso.

O mito da democracia racial é uma pedra no sapato e no caminho de quem não nasceu com os mesmos privilégios que os negacionistas da escravidão, e sente na pele a essência racista e machista do capitalismo e as consequências do preconceito, quase sempre determinante no processo de inclusão e ascensão social. Não se trata apenas de uma teoria crítica racial em voga nas faculdades de humanas. São fatos mais do que concretos que nos levam a enxergar o mundo pelas lentes das relações coletivas de poder, e da divisão estrutural que coloca opressores e oprimidos em situações diametralmente opostas.

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Dizer que “esse dualismo esquemático não encontra correspondência factual” é desonestidade intelectual. É mau-caratismo sistêmico. Dizer também que não há culpados no processo de escravização de seres humanos e que a culpa é apenas dos valores da época, é crime de responsabilidade social.  Antes de dizer como o movimento negro deve se reconhecer, proceder e agir, é preciso entender a sua história de luta por direitos igualitários. Fato que os negacionistas da escravidão costumam ignorar, porque entendem como “vitimismo” o seu grito por igualdade racial.

“O costume de tratar os negros na voz passiva”, como escreveu Leonardo Narloch no seu artigo “Luxo e riqueza das sinhás pretas precisam inspirar o movimento negro”, não foi adotado pelos ativistas do movimento negro, como ele sugeriu em seu texto. Ele é fruto do processo de racialização histórico ao qual nós negros fomos e continuamos a ser submetidos. Escravizados, humilhados e exterminados por uma estrutura que não foi construída para nos abrigar, seguimos enfrentando o racismo nosso de cada dia. Seja nas ruas, no trabalho, nos shoppings, nos lugares que “não deveríamos frequentar” ou na liberdade de expressão estampada nos jornais.

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Dizer que “seria mais estimulante para os negros de hoje em dia, imaginar que seus antepassados foram em alguma medida protagonistas de seu destino”, é continuar nos tratando na voz passiva, como idiotas incapazes de interpretar com clareza o processo de moedura física e existencial ao qual os nossos antepassados estiveram submetidos, e que, ainda hoje, deixa marcas sobre a nossa carne. A mais barata do mercado. Os negacionistas da escravidão não permitem que a sociedade reconheça o nosso passado escravocrata como sombrio, surreal, criminoso e desumano. Falta-lhes maturidade, honestidade e boa-fé.

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