"Ladrão de joias", Bolsonaro deve ser indiciado por peculato

Juristas entendem que a devolução de um bem de que se apropriou indevidamente não elimina o crime; indiciamento pode, no entanto, ocorrer ao final do inquérito

Joias e Jair Bolsonaro
Joias e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/TV Globo | REUTERS/Evelyn Hockstein)


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Jair Bolsonaro pode, em tese, deixar a Polícia Federal nesta quarta-feira indiciado por peculato, crime em que o servidor se apropria de um bem público, com pena prevista de dois a 12 anos de prisão, além de multa, conforme prevê o artigo 312 do Código Penal.

O delegado pode, no entanto, deixar para tomar essa decisão ao final do inquérito. Mas as condições para o indiciamento existem. "Tendo recebido as joias na condição de chefe de estado, ele, em tese, pode ter cometido peculato ou corrupção passiva", diz o criminalista Anderson Lopes.

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"Se essas joias foram aceitas ou solicitadas como contrapartida de algum benefício a ser concedido àquele que as ofereceu, então pode ser corrupção passiva", acrescenta.

Anderson Lopes esclarece ainda: "Por outro lado, se as joias foram oferecidas como presente tradicionalmente oferecido ao chefe de estado, sem contrapartida, mas ele não as encaminhou para serem catalogadas como parte do acervo presidencial, então seria caso de peculato. Até o momento, pelos elementos divulgados pela mídia, me parece que, em tese, é um caso de peculato."

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O fato de Bolsonaro ter devolvido as joias, depois que o caso foi denunciado, atenua, mas não elimina sua condição de criminoso. Isso porque, na avaliação do criminalista Fernando Fernandes, Bolsonaro terá dificuldade de demonstrar que não sabia que se tratava de uma uma infração penal, argumento que, se aceito, caracterizaria o que no direito é chamado de "erro de tipo".

Ou seja, ele não sabia que se apropriar das joias dadas a ele na condição de chefe de estado era ilegal. Em agosto de 2016, na ação classificada como TC 011.591/2016-1, o Tribunal de Contas da União decidiu por unanimidade (acórdão 2255/2016) que esses presentes devem ser encaminhados para o acervo público.

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O presidente da república pode levar para casa os chamados presentes personalíssimos, como bonés, camisetas, chinelos e perfumes. O "erro de tipo" transformaria o delito de Bolsonaro em crime culposo (sem intenção), o que afastaria, no caso dele, o peculato. 

Mas Bolsonaro tinha o dever de conhecer o acórdão do TCU. Se não ele, a assessoria jurídica. E se não tomou as providências para se informar, não poderia jamais pedir a um amigo, no caso Nelson Piquet, para guardar (ou esconder) as joias.

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"A estratégia da entrega das joias é dizer que era um 'erro de tipo', ou seja, que achavam que era legal. Essa estratégia vai influir na investigação e em uma eventual denúncia. No entanto, a questão do 'erro de tipo' esbarra na decisão do Tribunal de Contas da União, que é anterior ao ato e dá explicações sobre como o estado deve agir", observa Fernando Fernandes.

Para Anderson Lopes, a devolução das joias "é um caso típico de arrependimento posterior, previsto pelo artigo 16 do Código Penal, que acarreta uma redução de um a dois terços da pena, desde que essa devolução tenha sido voluntária. "Ou seja, esse ato, em tese, não faz desaparecer a ilicitude da conduta, apenas atenua a pena a ser aplicada em eventual processo", afirma.

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Ao entrar no Brasil com joias recebidas no exterior sem prestar as devidas informações, Bolsonaro também cometeu, em tese, crime contra ordem tributária. A entrega posterior do bem não elimina o delito, segundo o entendimento de Kléber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco). 

"Estamos falando em tese de crimes de mera conduta, e não de resultado. Não cabe no caso a exclusão do arrependimento eficaz. A apuração criminal a meu ver deve prosseguir da mesma forma", diz.

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Bolsonaro também poderá ser responsabilizado por pressionar auditores fiscais a liberar na alfândega outro lote de joias árabes, este avaliado em mais de R$ 16 milhões. 

Por enquanto, os relatos dão conta de que a pressão foi exercida por subordinados de Bolsonaro, entre eles o então secretário da Receita Federal, Júlio César Vieira Gomes. Mas teriam agido por conta própria? Difícil acreditar.

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Bolsonaro e a família construíram patrimônio milionário, inclusive com compra de imóveis em dinheiro vivo. E a prosperidade chegou à família depois que Bolsonaro entrou na política. 

Como não tinha outra remuneração além daquela recebida como deputado, e mais tarde presidente, além da aposentadoria proporcional do Exército (cerca de 8 mil reais), é difícil (para não dizer impossível) para Bolsonaro demonstrar que ficou rico com dinheiro honesto.

Ele poderia fazer como um antigo deputado flagrado com patrimônio incompatível com a renda, João Alves de Almeida, que, no início da década de 90, disse que tinha sido abençoado por Deus e ganhado muitas vezes na loteria.

Por sinal, assim como Bolsonaro, João Alves era do chamado baixo clero da Câmara dos Deputados. Quando foi revelado o patrimônio e as traficâncias no orçamento da União , renunciou ao cargo para não ser cassado, e nunca mais se elegeu. Passou à história como "João de Deus", apelido que é fruto de sua célebre frase "Deus me ajudou e eu ganhei muito dinheiro".

Bolsonaro poderá ser conhecido pelo epíteto "ladrão de joias". 

 

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