Justiça que legisla: Ativismo judicial vinculativo não é bom

O necessário equilíbrio do sistema exige que o Legislador somente promulgue leis, não exerça atos administrativos, ou do governo, ou profira sentenças; que o Executivo só proponha leis e as execute e que o Judiciário só aplique o direito e não crie disposições jurídicas

Estátua da Justiça do lado de fora do prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília 07/04/2010 REUTERS/Ricardo Moraes
Estátua da Justiça do lado de fora do prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília 07/04/2010 REUTERS/Ricardo Moraes (Foto: Pedro Maciel)


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Aprendemos, ainda nos cursos de graduação, que a jurisdição se compõe de alguns elementos a serem observados com vistas a se chegar à final aplicação do direito material ao conflito.

Na ordem, são eles: a notio ou cognitio (poder atribuído aos órgãos jurisdicionais de conhecer os litígios e prover à regularidade do processo); a vocatio (faculdade de fazer comparecer em juízo todo aquele cuja presença é necessária ao regular desenvolvimento do processo); a coertio(possibilidade de aplicar medidas de coação processual para garantir a função jurisdicional); o juditium (o direito de julgar e pronunciar a sentença) e a executio (poder de fazer cumprir a sentença), classicamente não compõe a jurisdição a possibilidade ou capacidade de criar leis.

O necessário equilíbrio do sistema exige que o Legislador somente promulgue leis, não exerça atos administrativos, ou do governo, ou profira sentenças; que o Executivo só proponha leis e as execute e que o Judiciário só aplique o direito e não crie disposições jurídicas.

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Somente ao legislador, que representa a força invisível da presença pública, incumbe a feitura da lei que, em regra, deve valer de modo abstrato, ou seja, para todos.

É por isso que se diz que o povo é o construtor do direito, que tem, na lei, sua fonte primacial. É dessa ideia que se descortina, aqui, o importante princípio do devido processo legal, seja quando da elaboração da própria lei, seja quando de sua interpretação e aplicação in concreto.

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Ao juiz, portanto, na condição de intérprete autêntico da Lei, incumbiria a criação da norma ou do direito que deve valer, em regra, tão só para o caso concreto.

A questão, então, é entender até que ponto a norma jurídica concretizada pode trazer, contornos de abstração aptos a influenciar novos provimentos judiciais, ou em outras palavras, tem-se de compreender até que ponto, sob o manto da interpretação, permite-se a criação do próprio direito com eficácia que a todos vincule.

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Eis a tensão que se vê entre o ser e o dever ser, ou entre o direito posto e o direito pressuposto e que se acentua ainda mais agora, diante das inovações legais que se impuseram como modo de superar as crises de efetividade ou de força normativa da ordem constitucional.

Quando o Supremo Tribunal Federal produz determinada decisão em sede de Habeas Corpus, por exemplo, essa decisão deve valer apenas para as partes desse caso in concreto?

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E se tal decisão ou seu fundamento determinante em sede de controle difuso confirmar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, decorrerá dessa confirmação obrigatoriedade para que todos a cumpram?

O que dizer, então, da edição de súmula vinculante com eficácia constitucional erga omnes? O que dizer ainda da Reclamação que, como recurso, é posta à disposição de todos com o objetivo de fazer valer as decisões do próprio STF? E o que dizer, enfim, da súmula impeditiva de recursos ou mesmo do precedente sumular que permite ao juiz extinguir ou arquivar de modo antecipado o processo sem julgamento do mérito?

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Essas questões retratam para onde caminha a prestação jurisdicional em nossos dias, questões relevantes as quais a sociedade ainda não debateu.

E por que relevante o debate?

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Ora se, contra o legislador, pode o Poder Executivo vetar a lei ou buscar no Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade se, contra o abuso do Executivo, pode-se da mesma forma socorrer-se do Judiciário. O que se poderá fazer contra o Judiciário quando, a pretexto de julgar, extrapola os limites da separação dos Poderes, criando, disfarçadamente, normas jurídicas de eficácia abstrata?

É por isso que o princípio da segurança jurídica, por exemplo, é um superprincípio do qual não se pode prescindir.

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Como sabido, todo poder emana do povo, que age através de seus representantes eleitos para atingir o fim maior do Estado Democrático de Direito, qual seja, o bem comum.

Além disso, é certo que a atividade legiferante cabe somente àqueles que estão investidos legitimamente em cargos eletivos, possuindo, portanto, o múnus legislativo, como bem observa Maria Helena Diniz quando afirma que é certo que, tanto na França como no Brasil, o juiz não tem o poder de legislar, ora, o costume é oriundo do povo, e este, salvo exceção, como nos casos de plebiscito, não possui também o múnus legislativo.

 O ativismo judicial, portanto, como aqui superficialmente abordado, não pode sobrepor-se ao paradigma do Estado Democrático de Direito que se assenta na intersubjetividade, sob pena de o Estado de Direito sucumbir.

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