Juros escorchantes são um mecanismo de extorsão dos brasileiros
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Na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central foi mantida a taxa Selic, a taxa básica de juros em 13,75%, a mais elevada de todo o planeta. Com a essa taxa nominal o Brasil segue com o maior juro real do mundo, em torno de 7,38%, descontando a taxa de inflação projetada para os próximos 12 meses. Os países que vêm em seguida nesse ranking são México (5,53%), Chile (4,71%), Colômbia (3,04%) e Hong Kong (2,35%).
O Banco Central que se tornou “autônomo” durante o governo de Bolsonaro (em fevereiro de 2021), tem todo um conjunto de justificativas para manter a taxa reais de juros no Brasil, em quase o dobro dos EUA, que está em um intervalo entre 4,50% a 4,75% (a maior desde 1994). E quase quatro vezes superior à taxa praticada na Zona do Euro, onde a taxa real de juros está em 2%. Isso que os juros vêm aumentando nesses países em decorrência do aumento da inflação, pressionada pelo aumento dos preços de combustíveis e alimentos, consequência direta da guerra na Ucrânia, assim como dos desarranjos logísticos provocados pelos lockdowns em resposta à covid-19, na China, que vem sustentando a política de Covid zero.
Os Estados nacionais estão nas mãos dos monopólios, mesmo nos países imperialistas, que têm Estados nacionais mais fortes, até pela dominação que exercem sobre outros países. Os governos precisam controlar a inflação pois esta desorganiza a sociedade de uma forma geral, e tende a ser um fator mobilizador da classe trabalhadora. Mas ao combater a inflação, que tem várias e complexas causas, apenas com elevação de juros, acabam novamente sendo reféns dos monopólios, que compram os títulos públicos, ou seja, são os credores do governo.
A dívida pública é um mecanismo de financiamento do Tesouro. Ao comprar um título público, os são bancos, fundos, empresas, pessoas físicas e governos, emprestam dinheiro ao governo que emite tais títulos. Sobre esses papeis o governo paga juros, fator que estimula as instituições, governos e pessoas físicas a adquirem os títulos.
No caso do Brasil, no seu último comunicado, divulgado após a reunião que manteve os juros em 13,75%, o Banco Central justifica os mais elevados juros do mundo, em função de um cenário supostamente incerto em torno de expectativas de inflação e preços dos ativos. Se lida nas entrelinhas, a Ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), passou o recado de que os juros básicos da economia não caem porque a política do governo Lula significa uma ameaça para o controle da inflação.
Lula vem criticando as metas de inflação, as quais diagnostica, com inteira razão, como prejudiciais ao crescimento e pressiona a equipe econômica para rever os dados e redefinir as metas. As metas para inflação, que neste ano está em 3,25%, obviamente forçam uma política monetária mais restritiva (ou seja, com juros mais altos). O presidente Lula, que corre literalmente contra o tempo, percebeu que, com taxas de juros reais próximas de 8%, não tem como fazer o transatlântico da economia brasileira se colocar em movimento, ou seja, a economia não irá crescer neste ano.
É possível que Lula esteja calculando o seu tempo de mandato em número de horas, não em anos. Dependendo do conjunto da política macroeconômica (na qual a política de juros é central), o Brasil não crescerá também em 2024, o que significaria o comprometimento de metade do seu mandato, em termos de crescimento econômico. Vale lembrar, a retomada do crescimento com geração de empregos foi um eixo nuclear de sua campanha eleitoral em 2022. Ademais, no final de 2024 haverá eleições municipais, que normalmente são, em boa parte, um veredicto da população sobre a gestão federal, como qualquer político tarimbado bem sabe.
O Brasil vem de cinco anos de estagnação do Produto Interno Bruto (PIB), possivelmente o pior desempenho do produto que se tem registro nas contas nacionais, fruto da crise mundial e das políticas recessivas adotadas a partir do golpe de 2016. Isso leva a um círculo vicioso: baixos níveis de crescimento do PIB conduzem a uma queda na arrecadação de impostos com aumento proporcional da dívida pública. Esse fenômeno foi verificado recentemente na Europa: os países que apostaram em maior austeridade e cortes de despesas públicas, como Grécia e Itália, acabaram aumentando seus níveis de dívida pública e pagam o preço disso.
O fato da taxa básica de juros do Brasil estar muito acima da média mundial (bem acima do segundo lugar da lista, o México) seguindo uma receita que nunca funcionou – tentar controlar com juros altos uma inflação que não decorre de excesso de demanda – não tem nada de “opção técnica”. É preciso ficar bem claro que, antes de tudo essa é uma decisão política do Banco Central, embelezada por argumentos técnicos bastante refutáveis.
O orçamento federal destinou míseros R$ 139,9 bilhões para saúde no ano passado e R$ 62,8 bilhões para a educação, que são uma fração dos quase dois trilhões destinados aos juros da dívida em 2021. Mas quase ninguém fala disso, é como se esses pagamentos fossem uma determinação vinda dos céus. Ao longo dos anos vários mecanismos foram montados para garantir aos banqueiros o recebimento fácil dos juros, o que praticamente ninguém questiona. As vozes que denunciam esse assalto sistemático ao país não têm espaço na grande imprensa.
Os mecanismos de favorecimento dos credores vêm sendo construídos há anos. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe limites ao poder público com os gastos com pessoal, de forma a garantir os polpudos juros aos banqueiros. O teto de gastos, vindo com a Emenda Constitucional 95, de 2016, uma das primeiras medidas do golpe, garante que o orçamento destinado a todas as despesas do governo com infraestrutura, salários, aposentadorias, saúde, educação, transportes etc. não ultrapasse um valor determinado, garantindo que a parcela destinada ao pagamento de juros da dívida não seja afetada. Os banqueiros até aceitam que o futuro governo combata a fome e a pobreza, desde que isso não diminua em um centavo os ganhos que extraem sistematicamente do Brasil, através do sistema de pagamento da dívida pública.
A dívida pública brasileira é um sistema infinito de exploração do povo brasileiro, que é quem sustenta essa festa toda. Não existe país no mundo que transfira tanto recurso para os banqueiros quanto o Brasil. O país sofre um processo de desindustrialização há décadas, mas não há recurso para reerguer a indústria porque não sobra dinheiro (dentre outras razões). No Brasil os especuladores levam todo ano mais da metade do Orçamento Federal. Nos EUA, que têm um orçamento federal de 6 trilhões de dólares (cerca de 8,2 vezes superior ao brasileiro) a dívida pública custa 12% do Orçamento. Isso com uma dívida pública bruta, de 31,2 trilhões de dólares, que representou mais de 124,9% do PIB norte-americano no ano passado (23 trilhões de dólares).
A dívida pública é uma síntese de um sistema de parasitagem que os pobres do país suportam. Manter a maior taxa de juros do planeta e transferir fortunas para os banqueiros todo ano, não tem nada a ver com decisões técnicas. A dívida é um sistema extraordinário de transferência de riqueza para pessoas jurídicas e físicas muito ricas, residentes no país, ou não. Como é um sistema complexo, afeito aos especialistas, a população não entende. Como quem controla tudo é gente ligada aos próprios banqueiros, é um sistema fora do controle das estreitas instâncias democráticas da sociedade.
Se a população entendesse que o país que não consegue crescer, que deixa 33 milhões de brasileiros passar fome, tem ruas esburacadas e gente morrendo na fila do SUS, transfere diariamente bilhões para super ricos, o que poderia acontecer? Isso em nome de uma dívida, inclusive, que no fundo, já foi paga várias vezes? Por isso mesmo o tratamento da dívida pública e o debate sobre os juros não podem ser transparentes. A situação do Estado brasileiro é radicalmente complexa, requerendo ações muito incisivas e determinadas. Os capitalistas não investem na economia real, seja porque não têm dinheiro (no caso dos pequenos e médios), seja porque podem ter muito mais retorno especulando com papéis da dívida pública (no caso dos grandes capitalistas).
Por outro lado, a sucção de recursos provocada pela dívida pública, faz com que o Estado fique trabalhando o tempo todo somente para engordar os especuladores. Não sobra dinheiro para mais nada. Quando acontece uma enchente, como ocorre neste momento no Norte de São Paulo, o povo pobre fica debaixo de água e da sujeira, porque o Estado não tem dinheiro para fazer obras fundamentais para um mínimo de bem-estar da população. Isso em um país onde a estrutura de arrecadação é regressiva, ou seja, feita através de impostos indiretos, pagos pelo povo.
O governo Lula, se quiser permanecer em pé, terá que realizar uma espécie de reconstrução econômica do Brasil, cuja economia foi quase totalmente destruída pelos golpistas. No processo de reconstrução, algumas medidas não poderão faltar, como um programa vigoroso de combate à fome, investimentos em infraestrutura urbana, recuperação do mercado consumidor interno e assim por diante. Uma política fundamental e urgente é a retomada do crescimento, porque se bem-sucedida, ela pode recuperar a indústria, diminuir a pobreza e a fome e gerar empregos de carteira assinada. Mas, conforme revela o próprio teor da Ata do Copom, mencionada acima, crescimento no Brasil não é um problema meramente técnico.
O economista Celso Furtado, possivelmente o mais importante do Brasil, mostrava, em sua exuberante produção intelectual, que os países que se sujeitam a divisão internacional do trabalho, aceitam-na tal como está colocada, estarão condenados ao subdesenvolvimento. Ou seja, não há crescimento econômico e desenvolvimento social sem postura soberana. O certo é que política pública, em qualquer área do Estado, que leva mais da metade da população à condição de insegurança alimentar, no país de maior produção de proteína animal do mundo, é um embuste econômico por definição. Os argumentos “técnicos” dos banqueiros e seus representantes significam, na prática, uma rebuscada trapaça.
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