Juliana Paes e a política da morte
Histórias como essa da pequena cidade dentro do país vasco nos ensinam algo bem simples: sob regimes de violência e morte não existe neutralidade, se você faz parte de um regime de morte, você o sabota desde dentro. Não se trata de bandeiras políticas, se trata de empatia com os outros, de leituras sobre o lugar dos outros
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Recentemente, a atriz Juliana Paes publicou um vídeo no qual se declara uma artista neutral, sem lado político. Mas será que isso é possível em tempos em que de um lado da brecha se prega a violência, a exclusão, a ignorância e a morte?
A política não passa de uma sensibilidade, e é por isso que mesmo com toda a informação à sua disposição, tem pessoas que não mudam seu posicionamento político, ou seja, não mudam sua sensibilidade.
Será que não tomar lado em uma disputa que opõe vida à economia é ser mesmo um insensível?
Lendas urbanas da guerra civil espanhola e da segunda guerra mundial podem nos ensinar a entender quão pouco complexa é a política quando os lados têm sensibilidades tão claras. Elas nos ensinam também, de forma clara, o que fazer sob regimes de violência e morte.
Em 1937, como parte da ajuda de Hitler ao conservador Francisco Franco para derrotar o Governo Republicano durante a Guerra Civil Espanhola, a temível equipe de aviação alemã chamada "Lutwaffe" bombardeou várias cidades espanholas.
Conta a lenda urbana que em uma cidade do País Vasco, houve uma bomba que atingiu a terra, mas nunca explodiu. A bomba foi embutida no meio da praça central da pequena cidade. Os moradores surpresos e assustados não ousaram movê-la, muito menos desarmá-la. Lá permaneceu por anos durante o governo de Franco como um símbolo de morte, do poder do regime e do castigo de quem se revelou.
Um dia de primavera, pela manhã, Julen se cansou dos detalhes da paisagem que arruinava a praça, procurou por ferramentas e decidiu desmontar e remover o dispositivo. Nas primeiras horas trabalhou sozinho, ao meio-dia já contava com a ajuda dos amigos. (Porque se há algo pelo que morrer, que seja com os amigos) No meio da tarde, todas as pessoas da cidade já estavam na praça, na expectativa e colaborando como podiam.
Ao anoitecer, eles a desarmaram, entraram em uma carroça e decidiram que iam levá-la para a cidade vizinha, onde ficava a sede municipal da região. Mas o interessante da história foi o que encontraram dentro da ponta da bomba. Lá, junto com cabos e pedaços de metal, eles encontraram um papel manuscrito que continha apenas algumas palavras. Achavam que poderia indicar o local onde foi feito, seus componentes ou algumas instruções de uso, mas mesmo assim despertou a curiosidade das pessoas.
Claramente não estava em vasco, espanhol ou inglês. Aparentemente era alemão. Na aldeia, só havia uma pessoa que conseguia decifrar a escrita: Mirentxu, que quando criança, por causa do trabalho do pai, havia passado alguns anos em Hamburgo. Mirentxu estava como era natural, na praça. Ela foi solicitada e assumiu o papel. Demorou não mais de meio minuti em ordenar as palavras e a gramática na sua jovem mente. Finalmente, para cortar o suspense disse olhando para todos os seus vizinhos (que ao mesmo tempo a olhavam em silêncio): “No papel está escrito o seguinte: Saudações de um operário alemão que não mata inocentes”.
Ninguém saiu da praça nas horas seguintes. Eles discutiram, conjeturaram e interpretaram o manuscrito de mil maneiras.
Por fim, antes da meia-noite, o povo decidiu por unanimidade que a bomba não iria embora, até mesmo voltaria ao seu lugar. A partir daquele momento, a bomba na praça passou a simbolizar a resistência, o fim do medo e o poder de um povo com consciência de classe. Tudo isso como um presente de um trabalhador alemão que, em meio à ditadura nazista, arriscou a pele e deixou claro que nem o medo nem o regime seriam capazes de torná-lo um monstro a mais.
Histórias como essa da pequena cidade dentro do país vasco nos ensinam algo bem simples: sob regimes de violência e morte não existe neutralidade, se você faz parte de um regime de morte, você o sabota desde dentro. Não se trata de bandeiras políticas, se trata de empatia com os outros, de leituras sobre o lugar dos outros. Lembre bem disso: se você faz parte de um regime de morte, sabote-o desde dentro, que a história irá lhe retribuir com o melhor prêmio reservado a um ser humano: a imortalidade junto aos que lutaram do lado certo da história.
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