Judas e o Messias Negro, expressão da radicalização nos EUA

A diferença de “Judas e o Messias Negro” para as produções anteriores é que o filme expressa com muito mais clareza a radicalização política nos Estados Unidos atual

(Foto: Glen Wilson/Warner Bros)


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Blogue CineClube Luis Buñuel - Diário Causa Operária

Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah) é um filme lançado em fevereiro de 2021 e dirigido por Shaka King. Retrata o esquema do FBI para assassinar Fred Hampton (Daniel Kaluuya), líder dos Panteras Negras de Illinois. O roteiro, escrito por King em parceria com Will Berson, conta a história da traição de William O’Neal (Lakeith Stanfield), informante do FBI, aos Panteras Negras no final da década de 1960.

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Com a crise do regime imperialista norte-americano, assolado pela polarização política e o crescimento da luta do povo negro, temas como o enfrentamento do negro à extrema-direita – Infiltrado na Klan (2018, Spike Lee) –  e a opressão da população negra – Corra! (2017, Jordan Peele), também com a participação de Kaluuya – têm voltado ao cinema norte-americano.

Radicalização da luta do negro

A diferença de “Judas e o Messias Negro” para as produções anteriores, entretanto, é que o filme expressa com muito mais clareza a radicalização política nos Estados Unidos atual. Um resultado das mobilizações enérgicas que tomaram conta dos EUA em 2020 e 2021 contra o extermínio da população negra pelo Estado policial. Neste sentido, em apoio aos atuais protestos, Shaka King buscou recordar a luta do povo negro na década de 1960, quando o centro do imperialismo mundial foi assolado por um amplo movimento de características revolucionárias.

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A radicalização atual foi transmitida para outra época, o fim dos anos 1960, após a morte de Martin Luther King Jr., Malcolm X e as manifestações de 1968. Já no início do filme isto é representado com filmagens reais da época mostrando a radicalização política daquele período. 

Da mesma forma, um dos primeiros discursos de Hampton também mostra a atualidade do longa-metragem. O líder dos Panteras Negros em Chicago destaca a luta revolucionária contra a política reformista do movimento negro. Ainda, percebe-se o desagrado do dirigente negro com as políticas identitárias, do “Black Pride” (Orgulho Negro), que não por acaso surgiram justamente neste período da História.

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A radicalização é expressa a todo momento no filme, tanto através dos enfrentamentos armados entre os Panteras Negras e a polícia, quanto pela representação de mobilizações de massas da época, passando pelas ideias transmitidas pelos personagens. Vale destacar, por exemplo, a cena em que o infiltrado William O’Neal conhece o militante Mark Clark, que revela ter saído do NAACP para se juntar aos Panteras Negras pela insuficiência do movimento negro reformista e pequeno-burguês.

Política fascista do Estado

“Judas e O Messias Negro”, ainda mais, reforça o caráter fascista do Estado capitalista e da polícia norte-americana. De um ponto de vista mais geral, retrata a intensa repressão policial aos Panteras Negras que se seguiu ao refluxo do movimento de 1968 e a prisão e exílio dos principais dirigentes do partido, como Bobby Seale, Huey Newton e Eldridge Cleaver. É justamente neste momento que Hampton aparece com o principal porta-voz da organização revolucionária, fazendo dele um alvo a ser abatido pela polícia.

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O filme mostra diversos aspectos da repressão estatal contra as forças combativas do povo: falsificação, política de aniquilamento e encarceramento, farsa judicial para prender lideranças com base em justificativas fajutas, tortura, entre outras coisas. 

Ao contrário do que busca apresentar a imprensa burguesa, através de seus malabarismo tradicionais, o filme não é uma mera denúncia do racismo policial, que nem mesmo é o foco da produção. Além de fazer um apelo à luta revolucionária, a obra de King revela a polícia como uma organização fascista para reprimir a luta e aniquilar os insurgentes. No auge da repressão retratada pelo filme, cenas mostram militantes sendo assassinados um por um, foragidos, exilados, presos, etc.

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A polícia invade e queima a sede da organização, assassina um militante negro no leito do hospital, brutaliza mulheres grávidas e assim por diante. Inclusive, nos letreiros finais do filme, o diretor mostra a intensidade da repressão, revelando que alguns militantes dos Panteras Negras estão presos até hoje.

Para dizimar a organização, a polícia se utiliza de métodos inescrupulosos. O infiltrado William O’Neal é um criminoso comum, um assaltante de carros, que é pego, torturado e chantageado pela polícia para fazer o trabalho sujo de delatar os planos dos Panteras Negras. 

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Em muitos momentos, O’Neal é retratado como uma espécie de mercenário, um alpinista social, sem escrúpulos, mas esta característica vai se enfraquecendo à medida em que o infiltrado vai convivendo com a organização. O mercenário do início é contraposto a um indivíduo confuso, sem convicções no que faz, remoído por ter feito um acordo com o diabo, do qual ele não consegue se afastar nem mesmo após ter terminado o trabalho sujo – ao qual ele foi chantageado a fazer – e que vai acompanhá-lo até o fim de sua vida.

Enfim, são amplos os métodos para o Estado capitalista esmagar os insurgentes, e o filme deixa isso muito claro. Os discursos de J.Edgar Hoover (Martin Sheen), chefe do FBI, contra o surgimento de um “messias negro” são reais e estão presentes no Programa de Contrainteligência do FBI, que colocou como principal inimigo do regime o movimento nacionalista negro.

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Neste sentido também, o filme demonstra a farsa do discurso “contra a polarização” da burguesia. O agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons), em determinado momento, justifica ao informante a política para destroçar os Panteras Negras, argumentando que eles são o outro lado da moeda da Ku Klux Klan (organização fascista branca). Sendo que, na realidade, o inimigo do Estado não são os fascistas, mas os revolucionários. Até porque, como mostra o filme, os próprios agentes da polícia são extremamente racistas, ao estilo da KKK.

Organização dos Panteras Negras

Outro ponto que chama atenção no filme é a organização política e social dos Panteras Negras. Primeiro, revelando que o partido não tinha a política sectária que uma parte do movimento negro tinha na época, contra o branco em geral. A política, atualmente reproduzida pelos identitários, coloca o branco em contraposição ao negro, desconsiderando a luta de classes. 

Já a política dos Panteras Negras é de unificar o movimento com organizações de trabalhadores brancos, grupos porto-riquenhos e gangues negras para levar um luta conjunta contra o Estado capitalista, carrasco de todos estes setores.

Segundo, mostrando como os Panteras Negras eram extremamente organizados, realizando cursos teóricos de formação política dos militantes, realizando cantinas populares para alimentar a população dos bairros negros, enfim, amparando com programas sociais as classes populares jogadas na pobreza pelos capitalistas.

O filme mostra um partido de militantes disciplinados, ao estilo militar para travar uma guerra contra a burguesia; que vão às ruas vendendo jornais para conversar com o povo; que sobrevive através do trabalho coletivo e popular, como nas cenas de reconstrução da sede queimada pela polícia; que tem grande participação feminina; finalmente, uma organização que acredita no lema “Onde há povo, há poder”.

Por estes motivos, é um filme que surpreende.

*O Diário Causa Operária está com nova formatação e agora tem um blogue específico para o CineClube Luis Buñuel, formado a partir do programa que é transmitido toda sexta-feira na Causa Operária TV e em seu canal.

Aproveite e assista o último programa sobre "O cinema e o terrorismo estatal como sistema de dominação", trazendo discussões sobre os filmes Judas e o Messias Negro, Marighella, Tropa de Elite, Dirty Harry e Carandiru :

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