João Santana, livre mas nem tanto

No caso de João Santana, as provas de que recebia propina e não remuneração por seu trabalho de marketing eleitoral eram três e-mails apreendidos pelos procuradores da força-tarefa com os quais eles tentaram demonstrar a sua inestimável importância para o PT, já que os remetentes eram um ministro (Edinho Silva), o presidente do PT (Rui Falcão) e um ex-ministro (Mangabeira Unger)

Joao Santana, Brazilian President Dilma Rousseff's campaign chief, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, February 23, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer TPX IMAGES OF THE DAY
Joao Santana, Brazilian President Dilma Rousseff's campaign chief, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, February 23, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer TPX IMAGES OF THE DAY (Foto: Alex Solnik)


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Os agentes do DOI-Codi levaram 45 dias, em 1973, para descobrir que eu não pertencia a nenhuma organização clandestina e que não há havia motivo para eu permanecer preso no X-5 da rua Tutóia, a mesma cela na qual, dois anos depois, morreria Vlado Herzog depois de ser torturado.

O juiz Sergio Moro demorou um pouco mais, 150 dias, para descobrir que o marqueteiro João Santana e sua mulher Mônica Moura não faziam parte da quadrilha de Marcelo Odebrecht, como dizia a acusação, mas tudo bem, o importante é que eles estão livres e devem estar sentindo mais ou menos o que eu senti na noite de 19 de outubro de 1973.

Para aqueles que estão achando que eu exagero ao comparar a situação de 1973 com a de hoje, gostaria de dizer que há muitas semelhanças entre a minha prisão e a de João Santana.

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As provas, por exemplo. As provas que eles tinham contra mim eram tão pífias e absurdas quanto as dele. No meu caso, um livro chamado "Maravilhas do Conto Russo", com obras de autores da época do tzar, uma revista da Civilização Brasileira com matéria sobre "A Igreja e o governo" e um exemplar de um jornalzinho do DCE da USP que os meus captores esfregaram na minha cara antes de me enfiarem um capuz, mandar que eu deitasse entre os bancos da viatura C-14 (clandestina, é claro) e me despejarem na delegacia da rua Tutóia.

No caso de João Santana, as provas de que recebia propina e não remuneração por seu trabalho de marketing eleitoral eram três e-mails apreendidos pelos procuradores da força-tarefa com os quais eles tentaram demonstrar a sua inestimável importância para o PT, já que os remetentes eram um ministro (Edinho Silva), o presidente do PT (Rui Falcão) e um ex-ministro (Mangabeira Unger). A diferença é que ele não foi ameaçado com metralhadoras, nem lhe meteram um capuz nem foi encarcerado numa dependência clandestina do II Exército.

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A forma de ser libertado também tem pontos em comum com a minha. Alguns dias antes de me soltar me levaram para uma sala de aula, (pela primeira vez sem capuz, em todos os deslocamentos anteriores eu ia encapuçado), me entregaram uma folha de papel almaço e mandaram que eu confessasse minha participação na subversão.

"Mas eu não participei de nada", argumentei.

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"Então escreva alguma coisa, mas se for mentira é pior pra você".

Fizeram mais ou menos o mesmo com João Santana. Ele só poderia sair se confessasse alguma coisa, se deixasse algum relato por escrito. Como não tinha a quem delatar não foi exatamente uma delação premiada, mas a confissão de que tinha sido remunerado por meio de caixa 2.

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Na noite em que eu iria pra rua, o carcereiro não anunciou minha liberdade explicitamente, disse apenas para eu arrumar minhas coisas – malha, toalha, cobertor, chinelos – porque eu "iria mudar de hotel".

Jamais alguém me comunicou literalmente "olha, você vai pra casa", fizeram questão de me aterrorizar até o final.

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O carcereiro me levou até à porta que separava o pátio das celas do ambiente interno e quando cheguei lá outro agente abriu mais uma porta e mandou que eu caminhasse em frente, o que significava atravessar o pátio externo em direção ao portão da rua.

Enquanto eu atravessava não tinha certeza se o que me esperava era a liberdade ou um tiro nas costas, o suspense só acabou quando o portão se abriu, eu pisei na rua Tutóia, atravessei para a outra calçada e fiz sinal para um táxi parar.

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No caso de João Santana não deve ter sido assim, sua libertação foi anunciada imediatamente pela televisão.

Mas a grande diferença é que eu não tive que pagar fiança como ele (2,7 milhões) e sua mulher (28 milhões), nem fui proibido de trabalhar, como eles foram, nem de viajar ao exterior.

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Eu fiquei em liberdade mesmo, ainda que em plena ditadura.

Eles, em plena democracia, estão livres, mas nem tanto.

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