Jesus não era da bancada da bala

Um ensaio do professor de filosofia Roberto Ponciano

(Foto: Reuters)


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Preliminarmente, ao começar este ensaio, tenho que explicar porque um filósofo e professor de filosofia, ateu, escreve um artigo sobre Jesus Cristo, neste caso o Jesus histórico fundador de uma Verdade Universal (como diria Badiou), e que inaugura todo um novo tempo de especulação sobre o homem, a partir de conceitos, muitos deles advindos do ecletismo grego. Há dois motivos, o primeiro, é combater a crescente redução da filosofia cristã a um arremedo conservador, criado por alguns panegiristas da “religião da prosperidade”, um misto de obscurantismo reacionário a la Torquemeda; e que parece brotar continuadamente da Ku Klux Klan ou da Opus Dei, que serve somente a seus intentos mais reacionários e desumanos: perseguir gays, reduzir a maioridade penal, oprimir minorias, perseguir outras crenças. O segundo objetivo é mostrar a estreita relação entre o iluminismo da filosofia cristã, nascida muito mais do ecletismo grego do que da reminiscência do judaísmo, a novidade do evangelho e sua radicalidade humanista, que revogou a lei antiga, do olho por olho, dente por dente, em nome do amor universal. “O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos outros”.

Isto dito pela boca de um ateu soa muito mais radical. A novidade do cristianismo, é, como vislumbra Badiou, seu radical universalismo, sua novidade, a indistinção entre judeus e gentios, a indistinção entre ricos e pobres, a indistinção entre “puros” e pecadores. Sua ideia de remissão de todo os pecados e de recomeço. Como uma filosofia radical do perdão poderia servir, de forma coerente a intentos tão sórdidos, como o de aumentar a punição de crianças e adolescentes? Afinal, Jesus disse: “deixai vir a mim as crianças, porque delas é o reino dos céus”. A bancada da bala traduziu esta parte do evangelho do grego como: “deixai vir a mim as criancinhas, porque delas será a cadeia e a punição”.

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Para isto usaremos neste ensaio filosófico a ideia basilar e genial de Alain Badiou, a de que Cristo, e ainda mais Paulo, o organizador da religião cristã (como afirma Gramsci também em Concepção Dialética da História), o cofundador da religião cristã, criaram uma Verdade completamente nova. Vejamos o que diz Badiou acerca de Paulo.

“É neste ponto que convocamos São Paulo, pois sua questão é exatamente essa. O que quer Paulo? Sem dúvida, tirar a Nova (o Evangelho) da estrita cerca em que ela teria valor apenas para a comunidade judaica. Mas, de toda a maneira, jamais a deixar ser determinada pelas generalidades disponíveis, sejam elas estatais ou ideológicas. A generalidade estatal é o juridismo romano e, particularmente, a cidadania romana, suas condições e os direitos a ela relacionados. Ainda que, ele próprio, um cidadão romano e feliz por sê-lo, Paulo jamais autorizará que qualquer categoria do direito identifique o sujeito cristão. Serão, portanto, admitidos, sem restrição nem privilégios, os escravos, as mulheres, as pessoas de todas as profissões e nacionalidades. Quando à generalidade ideológica, evidentemente, é o discurso filosófico e moral grego. Paulo organizará uma distância determinada pare este discurso, para ele, simétrica a uma visão conservadora da lei judaica. Em última análise, trata-se de fazer valer uma singularidade contra as abstrações estabelecidas (jurídicas na época, econômicas atualmente) e, ao mesmo tempo, contra a reivindicação comunitária ou particularista.

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Para os fins deste ensaio temos que entender o que Alain Badiou está dizendo neste parágrafo. Em primeiro lugar, é o Cristianismo uma novidade, os Evangelhos não são chamados de boa nova à toa. O Cristianismo revoga a lei antiga, tudo que for contraditória a ideia de remissão e homem novo, provindo do Antigo Testamento, deve ser desobedecido. Nesta direção Jesus é um revolucionário radical. Marx dizia que o Cristianismo triunfou onde Espártaco fracassou, a dimensão revolucionária precoce da revolução dos escravos, que ameaçava pôr por terra todo o Império Romano, sua derrota, abre passo que a ética salvacionista e universal do cristianismo triunfe. Nietzsche neste ponto é muito próximo de Marx, enxergando o cristianismo como a lógica dos derrotados e humilhados. Este ensaio não tem por fim, fazer a análise desta lógica interna, mas do porquê de o cristianismo triunfar, onde a religião judaica e a religião romana fracassaram. Efetivamente, não vamos fazer abstração histórica que, depois de codificado e transformado em religião oficial, o Cristianismo não tenha usado a força para a conversão, mas uma questão precede, porque, quando havia tantas religiões e tantas filosofias religiosas em disputa pôde triunfar o Cristianismo? Neste ponto, é singular o que diz Badiou:

1. O Cristianismo não faz distinção entre homens e mulheres (a submissão das mulheres, típica de todas as religiões orientais da época não é o aspecto em questão agora, mas o interesse do Cristianismo pelas almas, indistintamente do sexo, com direitos iguais ao Reino dos Céus), patrícios ou plebeus, proprietários ou escravos, judeus, gregos ou árabes. O universalismo do cristianismo, num império vasto e corroído por várias revoltas internas o torna uma religião de conversão de fácil e rápida propagação.

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2. A ideia da boa nova, da remissão e do amor universais, num tempo de declínio e fragilidade das instituições, era altamente tentador,

Nosso ponto de inflexão aqui não é a religião oficial posterior de Roma, mas o cristianismo como boa nova e como filosofia, derivada do amálgama de crenças diversas que existiam no Império neste momento (maniqueísmo, zoroastrismo, judaísmo), e seu corolário intelectual grego, que bebe das fontes da mais alta tradição filosófica, ceticismo, estoicismo, epicurismo, cinismo, as transformando de filosofias para iniciados, numa tradição legível para as massas. O Cristianismo, este amálgama, contém elementos revolucionários e inovadores que serão rapidamente absorvidos, em que pesem muitos dos seus usos estatais, muitas vezes pouco condizentes com a sua filosofia. Para os fins deste artigo, que pretende entender uma certa filosofia cristã, dentro dos marcos em que ela foi criada (e não o Cristianismo como religião oficial estatal), esta eclética mistura se alastrará como epidemia pelo Império. Nossa missão é entender o porquê ela pôde se alastrar, e por que sua mensagem, até certo ponto revolucionária e destinado aos pobres, aos deserdados, no âmago, não pode ser restringida aos diversos usos conservadores, inclusive o dado hoje no Brasil para defender as políticas mais vis e reacionárias. Mesmo Nietzsche, dos filósofos anticlericais o mais radical, sempre separou Jesus Cristo e sua filosofia (mais próxima do Übermensch pregado por ele) da religião oficial. Sigamos com a definição dada por Badiou para a universalidade do Cristianismo: 

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“o caminho geral de Paulo é o seguinte: se houve um acontecimento3 e se a verdade consiste em proclamá-lo e, em seguida, ser fiel a essa proclamação decorrem duas consequências. Primeiro, sendo a verdade pertinente ao acontecimento, ou da ordem do que advém, ela é singular. Não é estrutural, nem axiomática, nem legal. Nenhuma generalidade disponível pode dar conta ou estruturar o sujeito que se reporta a ela. Não poderia, portanto, haver uma lei da verdade. Em seguida, sendo a verdade registrada a partir de uma declaração de natureza subjetiva, nenhum subconjunto pré-constituído a sustenta, nada de comunitário ou de historicamente preestabelecido empresta sua substância a seu processo. A verdade é diagonal em relação a todos os subconjuntos comunitários, ela não comporta nenhuma identidade. Ela é oferecida a todos, ou destinada a cada um, sem que uma condição de pertencimento possa limitar esta oferta ou destinação”.

Esta parte do pensamento de Badiou é de uma incrível radicalidade, mas completamente consentâneo com os Evangelhos. Na tradição “literalista” e criacionista (na verdade uma leitura cristão bem recente e irracional das escrituras), há desejos absurdos de restauração do “reino de Israel” e retorno a passados humanos e históricos. A radicalidade e singularidade de Cristo é a Verdade do Acontecimento que ele inaugura. Para Badiou, uma Verdade em seu acontecimento não pode ser capturada, temos de ser militantes desta verdade para realizá-la e sermos fiéis a ela. A diagonalidade dos Evangelhos é que ele está em todas as comunidades e não está em nenhuma. Não há mais uma realização identitária por nascimento ou circuncisão. A comunidade se dá pela boa nova e pela comunhão da crença na ressurreição e remissão dos pecados, sendo a “lei” antiga, boa apenas naquilo que não entre em conflito com a boa-nova. Não compreender algo tão evidente, é simplesmente fazer uma leitura tacanha sem nenhum sentido filosófico das escrituras. A evidência deste novidade universal é tão radical e nova, que pode seduzir um ateu como Badiou a escrever sobre ela para compreender sua profundidade e difusão global. Difusão tão tamanha que influenciará a filosofia ocidental até Hegel e sua síntese dos conteúdos universais na Dialética. Mas continuemos nesta passagem fundamental de Alain Badiou:

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“a problemática de Paulo, por mais sinuosa que seja sua organização – uma vez que os textos que nos foram transmitidos são todos comandados por disputas táticas localizadas –, seguem implacavelmente as exigências da verdade como singularidade universal:

1. O sujeito cristão não preexiste ao acontecimento que ele declara (a Ressurreição de Cristo). Portanto, polemizaremos contra as condições extrínsecas de sua existência ou de sua identidade. Não se deve requerer que ele seja dessa ou daquela classe social (teoria da igualdade diante da verdade) ou desse ou daquele sexo (teoria das mulheres).

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2. A verdade é inteiramente subjetiva (ela é da ordem de uma declaração que revela uma convicção relativa ao acontecimento). Polemizaremos contra toda subsunção de seu futuro a uma lei. É preciso ultrapassá-la por meio, simultaneamente, de sua crítica radical da Lei judaica, que se tornou obsoleta e nociva, e da lei grega, ou subordinação do destino à ordem cósmica, que nunca mais foi que uma ignorância “erudita” dos caminhos da salvação”.

Nesta parte do texto que Badiou, que nos servimos de base para denunciar o péssimo uso e a pior ainda leitura dos Evangelhos pelas seitas de “Evangelho da prosperidade”, ou “Teologia do enriquecimento”, três aspectos vamos polemizar. O primeiro é o da igualdade perante a nova lei, que antecede em muito a Declaração dos Direitos Universais do Homem. Ainda que a igreja oficial construída em cima do Cristianismo, vá manter e reforçar todas as hierarquias do mundo antigo, nos evangelhos não há nenhum ponto em que se apoie a relação de intermediação entre Deus e o homem. A relação do Deus que se fez homem, que morre e ressuscita por amor à humanidade, é uma relação direta. Não por acaso a Igreja, ao firmar sua ortodoxia, teve como uma das seitas heréticas mais fortes e influentes os gnósticos, que se excediam na defesa de dois pontos: a divindade de cada ser humano e sua relação direta com Deus, e a revogação da lei antiga judaica antiga. No concílio de Nicea, em 325, os gnósticos e suas ideias foram derrotados, mas também o literalismo bíblico. A forma de se conciliar o Evangelho com a Lei judaica foi subordinar esta ao Novo Testamento, e adotar a leitura alegórica do Antigo Testamento. Assim Jonas não representa realmente o homem que foi engolido por uma baleia, mas sim a morte e a ressurreição de Cristo, assim como Adão e Eva não são seres reais, mas representações míticas da criação. A relação entre fé e razão, na tradição agostiniana, não dizia que a Razão bastava para a salvação, mas era um caminho fundamental, já que a Razão, um dos traços da divindade conduzia para o entendimento da fé, fé e razão não eram necessariamente antagônicos, como foram em vários momentos da história da Igreja. Mas na sua base, em sua fundação, a novidade do Evangelho, as ideias fortíssimas do racionalismo cristão, firmemente baseado no platonismo e só por último, a influência atenuada da Lei do Antigo Testamento. A revivescência de um literalismo fundamentalista, que não tem base sequer nos Evangelhos, é um movimento sem base filosófica ou de exegese na própria universalidade do Evangelho e sua pregação radical de igualdade. Uma igualdade radical que serviu de base para todos os movimentos heréticos, de denúncia de enriquecimento da Igreja e de pregação do comunismo cristão primitivo, movimentos que iriam gerar a pregação radical de Francisco de Assis.

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Em segundo lugar, o papel das mulheres. Estes seres oprimidos na idade antiga e medieval. Muitos se utilizam de passagens históricas da bíblia para pregar a subordinação e submissão das mulheres. Badiou nota o que poucos notam, é lógico que São Paulo, que não era um revolucionário no sentido radical, não iria propor um movimento de sublevação feminista no século I da cristandade. Mas a igualdade plena de alma, de salvação entre homens e mulheres, o papel que as mulheres desempenham todo o tempo no drama de Cristo, abre linhas de fuga para que se pense num papel mais elevado das mulheres, mormente em relação à situação histórica delas naquele momento. Se pensamos numa interpretação não literalista, não reacionária dos evangelhos, se abstrairmos aquelas condições históricas, e pensarmos na ideia de igualdade substancial espiritual, temos base para pregarmos uma igualdade substantiva absoluta entre homens e mulheres, com base nos mesmos evangelhos.

Por último, e não menos importante, a ideia de Verdade acima da Lei. O que é radicalmente novo e revolucionário até para a filosofia grega. Aristóteles buscava leis racionais para a Constituição de Atenas, na ideia de Sócrates, Platão e Aristóteles, a pregação de reis filósofos e legitimidade da Lei era recorrente. Mas de forma nenhuma, na Constituição de um Estado a Verdade estaria acima da lei. Nos diálogos platônicos, quando Sócrates afirma que os tiranos não podem ser felizes por estarem indo contra uma lei Universal, efetivamente se pode abstrair a ideia de uma verdade válida para todos. Mas, o radicalismo de Platão não era tão grande, e na sua República, tão utópica quanto censitária, todos estariam subordinados à Lei. Os dois planos, “dê a César o que é de César, e de a Deus o que é Deus”, terrenal e divino, comportam duas leituras. Uma comportada e reacionária, da total separação entre o plano divino e o terreno, e um ascetismo sobre a vida na terra. Mas se formos ver os Evangelhos como um todo, e a mensagem radical do Cristo de largar tudo que possuía e seguir a nova Verdade, este “dê a César o que é de César” pode revolucionariamente ser invertido em seu contrário. Se César for a injustiça, a lei injusta, não temos porque segui-lo, já que temos que dar a Deus o que é de Deus, e a Verdade domina sobre a Lei todo o tempo nas escrituras. É esta outra leitura radical do Evangelho que servirá de base à sobrevivência de uma leitura sempre radical, igualitária e cidadã do cristianismo. E que veda o passo ao mal uso que se faz hoje no Brasil de um pseudoliteralismo Cristão, que transforma a mensagem universalista dos evangelhos no contrário daquilo que a fez sobreviver ao tempo. Continuemos a análise desta passagem de Badiou:

“3. A fidelidade à declaração é crucial, pois a verdade é um processo e não uma iluminação. Para pensar sobre ela, temos necessidade de três conceitos: o que nomeia o sujeito no ponto da declaração (Πίστίς, geralmente traduzido por fé, mas seria convicção), o que nomeia o sujeito no ponto de intenção militante de sua convicção (αγαπη, geralmente traduzida por caridade, mas melhor seria amor); o que nomeia o sujeito na força do deslocamento que lhe é conferida pela suposição do caráter acabado do processo de verdade (έλπίζ, geralmente traduzida por esperança, mas melhor seria certeza).

4. Uma verdade é em si mesma indiferente ao estado da situação, por exemplo, ao Estado romano. O que significa que ela é subtraída da organização dos subconjuntos prescritos por esse estado. A subjetividade que corresponde a essa subtração é uma distância necessária em relação ao Estado e ao que lhe corresponde nas mentalidades: a aparelhagem das opiniões. Opiniões, dirá Paulo, não é preciso disputar. Uma verdade é o processo concentrado e sério, que jamais deve entrar em competição com as opiniões estabelecidas.

Para terminamos a análise desta exegese de Badiou, há dois elementos aqui que são cruciais, a ideia de fidelidade a uma verdade, que inclusive está na ideia inicial da fixação do cânon cristão de salvação tanto pela fé, quando pela obra. Ágape, amor, caridade. Não basta a fé, nem as obras, é um conjunto a base da salvação, uma práxis teoria prática. Assim, a boa-nova, a nova fé, é uma verdade militante, por isto existe todo um caminho de sedução duplo, entre o cristianismo e os movimentos revolucionários, mesmos os ateístas, por sua obra de amor à humanidade. Fé sem uma vida militante dedicada a esta fé é nula. A prova, práxis da fé é o cotidiano. Então, fica a pergunta, como alguém pode ser radical e coerentemente cristão, viver uma vida de amor, discriminando homossexuais, pregando o armamento da sociedade, pregando a punição de crianças, jovens e adolescentes excluídos? Numa religião, re-ligação, do amor radical e da entrega da própria vida pela humanidade, sacrificar a humanidade dos outros não encontra nenhuma justificativa plausível.

Este pequeno ensaio não pretende ser uma dissertação ou uma análise minuciosa do livro de Badiou sobre Paulo, ou de suas ideias da importância das Verdades Universais para a busca da humanidade por Justiça, com J maiúsculo. Mas o segundo ponto se depreende dele, no texto acima grifado, Paulo de forma bem grega faz a distinção entre doxa (opinião) e dike (verdade), no que se baseava a disputa sobre a teoria do conhecimento entre Sócrates e os sofistas. O Cristianismo, desde suas origens se constrói como uma doutrina de Verdade Universal, baseada no Amor (ágape), caridade e perdão. Uma doutrina que se baseia na mitologia do Deus homem, que amou tantos os homens e as mulheres, que se fez carne para sofrer todos os seus horrores, a dor, a fome, a sede, a angústia, e até a morte. O que tem que ver esta doutrina radical de “vos ameis uns aos outros” e “amai ao próximo como a ti mesmo”, com a doutrina pragmática e absurda do enriquecimento sem fim através de bens materiais, e da perseguição aos diferentes?

A radicalidade e a penetração da Doutrina Cristã só aconteceu porque Jesus viveu no meio dos pecadores, leprosos (os absolutamente proscritos na antiguidade), adúlteras e prostitutas, não para os julgar e condenar, mas para os defender das pedras e os redimir. Hoje, baseados numa absurda teologia de Manonn, o deus do dinheiro e da propriedade, numa construção de ódio e revanchismo, alguns pretendem forçar que o Cristianismo possa servir ao genocídio da jovem população negra e pobre das favelas e ainda a sua culpabilização, pretendo condenar ao horror permanente do cárcere àqueles que a sociedade preferiu privar de oportunidades e discriminar.

Espero que este esforço, cujo objetivo é mostrar a incoerência desta tentativa, retomando a radicalidade dos Evangelhos e da Boa Nova do perdão e da Salvação, pregada pelo próprio Cristo, da mensagem radical do dar a outra face e vender tudo que se tem e dar aos pobres, faça àqueles que se pretendem Cristãos, ao menos recobrar um pouco de lucidez e ver que é completamente incompatível o Estado perseguidor e punidor implacável, com a Doutrina Cristã.

O Estado injusto, perseguidor e punidor implacável é o mesmo que crucificou Jesus e seus ideais. Vivemos uma distopia tão absurda que um ateu tem que defender Jesus Cristo de seus  detratores. Sim, a igreja e o cristianismo como religião oficial tem as mãos sujas de sangue do colonialismo, da escravidão e o racismo estrutural criado por eles, da inquisição e, inclusive da ascensão no nazismo e do fascismo, do apoio aos golpes militares em toda a América Latina (embora parte da igreja católica tenha lutado contra eles depois); mais recentemente tivemos Carol Wojtila participando ativamente da luta anticomunista e do caso absurdo do financiamento de grupos terroristas nicaraguenses através do Banco do Vaticano. Não, não pretendo passar pano nem apagar fatos históricos. Mas o evangelho filosoficamente falando não tem ligação direta com a utilização da Igreja, poder de Estado, para os objetivos mais vis, muito menos pode ser rebaixado a este misto de curandeirismo de quinto com fascismo radical protagonizado pelas igrejas neopentecostais, fundadas no Brasil, diretamente trazidas do cooton belt estadounidense.

Não há exegese que explique o fundamentalismo, a homofobia, o racismo como eixos de doutrina, ou a criação de uma bancada da bíblia que se confunde com a bancada da bala e promove pautas anticristãos como a redução da menoridade penal e a pena de morte. Certamente Jesus não faria parte desta bancada da bala.

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