Jesus é petista ou tucano?

Teria o espírito natalino o condão de fazer com que petistas e tucanos tivessem um gesto de tolerância uns com os outros pelo menos durante as horas de um ou dois dias?



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No Natal, recitar votos de “Boas Festas” ou de “Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade” geralmente soa hipócrita e fútil. Os que rejeitam o festival cristão argumentam que a solidariedade e a tolerância não devem se fazer presentes em um só dia por ano, ou só nos dias que antecedem a comemoração do nascimento de Cristo, há supostos 2014 anos.

Não faltam argumentos para malhar o Natal. Aliás, há quem ridicularize até a comemoração do Ano Novo por decorrer da divisão do tempo em semanas, meses, anos etc., o que, de fato, não passa de uma estratégia criada pelo homem para tornar a vida mais suportável ao nos gerar a expectativa de que algo melhore com a suposta mudança de ciclo.

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De volta ao Natal, quem há de negar que consumismo e demais futilidades que envolvem a comemoração ocidental relegam o sentido estrito dessa comemoração a segundo plano? E, como se sabe, vaidade, cobiça, inveja, rancor são convivas das festas natalinas, de Ano Novo ou de qualquer outra festa de congraçamento.

Ligar essa data sagrada e cultuada no Ocidente à hipocrisia é uma tentação quase irresistível, mas mesmo os que criticam a festa e o “espírito” natalinos, em seguida às críticas saem correndo para comprar presentes para os familiares com os quais dividirão um banquete.

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Aliás, o Natal se desvirtuou tanto de seu sentido original que até agnósticos e ateus comemoram. Já presenciei festas de Natal que tocam pagode, rock etc., antes ou depois da rápida oração que precede a comilança. O nível radicalmente diminuto de religiosidade na média das festas natalinas permite que quem não comungue daquela crença participe da comemoração sem maiores constrangimentos.

Apesar de ser difícil discordar das acusações de hipocrisia e futilidade à festa natalina, já caminhando para a sexta década de vida concluo que, apesar dos pesares, é melhor que tenhamos ao menos alguns dias por ano em que viceje a lógica de que, nesse período, deve-se dar uma segunda chance aos desafetos, deixando crescer a tolerância.

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Esse período de congraçamento, porém, tem um preço: exige relativização de nossas crenças mundanas, sobretudo político-ideológicas. Para entender, façamos uma reflexão.

O primeiro grande socialista da história foi Jesus Cristo. Ele pregava igualdade, fraternidade, piedade, amor ao próximo, dar a outra face, tudo que o capitalismo rejeita em nome de uma lógica, de uma “racionalidade” capaz de contemplar, impassível, a miséria e os demais sofrimentos sociais mais profundos.

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Contudo, deixar de reconhecer que já vi capitalistas empedernidos permitirem-se gestos de generosidade que muitos ditos socialistas não se permitem, seria hipocrisia. Acho que quase todo mundo já conheceu um conservador e entusiasta das teses liberais cuja decência é impossível negar.

Claro que se formos tratar de ideologia, a de esquerda é muito mais compatível com a Daquele que Aniversariará a partir da hora zero da próxima quinta-feira. Contudo, adeptos de uma ideologia nem sempre – para não dizer raramente – agem de acordo com as crenças alegadas.

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Mas devido a ilusões de superioridade moral de lado a lado, o Brasil vive um momento de profunda divisão político-ideológica. Mais do que isso: há ódio gerado pela política. Ódio profundo, visceral, acalentado por facções que chegam a extrair prazer desse ódio.

O que é curioso é que, apesar de o cristianismo ser uma ideologia religiosa muito mais condizente com o socialismo, é mais abraçado pelos conservadores e, por isso, mais rejeitado pela média dos progressistas, geralmente reativos à fé religiosa por manter legiões conformadas com penúria social.

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Se Jesus Cristo caminhasse hoje pelo Brasil, porém, imagino que não seria petista ou tucano – ou de qualquer facção política.

Nenhum socialista brasileiro abre mão do conforto dos bens materiais, assim como nenhum capitalista. E, apesar de os socialistas pelo menos condescenderem com a justiça social, dificilmente alguém os verá abrindo mão de seu próprio conforto em prol dos desvalidos.

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Se Jesus estivesse entre nós, o mais provável é que fundasse um partido político e se candidatasse a presidente, ainda que para ser derrotado. Se a ideologia cristã virasse ideologia política, diriam que quebraria o Brasil ou que seria “demagógica”.

Para este que escreve, portanto, o socialismo ainda é o caminho mais decente para o homem em um mundo em que as injustiças sociais se aprofundam, gerando guerras, crimes, ódios, rancores, invejas, cobiças… Porém, por não ter título de propriedade da “verdade”, posso estar errado. Desse modo, penso que o Natal pode ser útil a uma reflexão pacifista.

Teria o espírito natalino o condão de fazer com que petistas e tucanos tivessem um gesto de tolerância uns com os outros pelo menos durante as horas de um ou dois dias?

Para petistas e tucanos que têm fé religiosa seria mais fácil conceder essa trégua para reflexão, ainda que com dose de sinceridade incerta. Para os de pouca ou nenhuma fé, suponho que seria mais difícil.

Equilibrando-me entre os de muita e os de pouca ou nenhuma fé, prefiro refletir que Jesus não é – nem seria, se aqui estivesse – petista ou tucano. Essa fé residual, pois, instiga-me a propor a você, que concorda comigo ou que diverge, a que reflita sobre uma disputa entre petistas e tucanos que já beira a insanidade.

Por inócuo que possa ser este chamamento, fazê-lo aplaca-me a consciência. E para que não seja de todo hipócrita, tentarei recolher mais tolerância de algum lugar da alma. E meus motivos são menos generosos do que parecem. Penso que o aumento da dose de tolerância à divergência pode melhorar este país e, portanto, a minha própria vida.

Enfim, foram só algumas reflexões antes de ir ajudar a esposa com os preparativos da ceia que iremos oferecer aos nossos filhos, e aos filhos deles, ao fim da noite desta quarta-feira 25 de dezembro, quando estaremos todos reunidos.

Termino esta reflexão com um presente aos amigos do Blog: quero lhes mostrar o futuro, contido na imagem angelical (abaixo) de minha neta Lorena, a Lolô, de um ano e oito meses, a quem desejo legar um Brasil melhor tanto quanto deseja qualquer petista ou tucano a seus filhos e netos, ainda que ambos enxerguem caminhos diferentes para atingir tal objetivo.

Feliz Natal, pois!

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