Jesus e o poder
Jesus se colocou no lugar do servo, daquele que se abaixa e não se envergonha de servir ao próximo
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Jesus trata a questão do poder em Lucas 22, versículo 24. Entre
os discípulos discutiu-se quem seria o mais importante. Como a questão
é atual! Nos apegamos a qualquer funçãozinha, a ponto de nos
despersonalizar! Há quem assuma uma função de poder - político,
síndico de prédio, gerente do banco, diretor de ONG - e apenas por
ocupá-la se despersonaliza. Passa a considerar a função que o reveste
mais importante que a própria individualidade. E morre de medo de
perder o cargo.
Disse Jesus aos discípulos: “Os reis das nações têm poder
sobre elas, e os que sobre elas exercem autoridade são chamados
‘benfeitores’. Entre vocês não deverá ser assim; pelo contrário, o
maior seja como o mais novo, e quem governa, como aquele que serve”.
Eis o desafio da ética do poder: fazê-lo serviço. Sentir-se no poder
como o menor, como quem serve.
Em João 13, versículo 4, Jesus lava os pés dos discípulos. Chegou
a vez de Pedro: “Senhor, vai lavar os meus pés?”. Jesus respondeu:
“Agora você não sabe o que faço, ficará sabendo mais tarde”. Pedro
reagiu: “Não permito que lave os meus pés”. Jesus retrucou: “Se eu não
lavar, você não terá parte comigo!”. Simão acedeu: “Então, Senhor,
pode lavar, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”.
Jesus se colocou no lugar do servo, daquele que se abaixa e não
se envergonha de servir ao próximo.
Segundo Mateus 16, versículo 13, em Cesárea de Filipe, Jesus
perguntou aos discípulos: “O que diz o povo sobre o Filho do Homem?”
Quem detém poder – na escola, empresa ou igreja - tem coragem de
perguntar aos parceiros: “O que falam de mim?” Possivelmente não;
imagina que as pessoas falam dela o que gostaria de ouvir. E morre de
medo de saber de fato o que comentam.
Jesus quis saber a opinião das bases sobre ele. Os discípulos
responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros
ainda Jeremias ou algum profeta”. E Jesus replicou: “E para vocês,
quem sou?”
Quem de nós é capaz de perguntar às pessoas com quem
convivemos e trabalhamos: “O que pensam de mim? O que acham do meu
desempenho?” É muito difícil aceitar críticas. Em geral, ao deter
parcela de poder, ficamos arrogantes, prepotentes, e humilhamos os
subalternos.
Na parábola do Bom Samaritano, capítulo 10 de Lucas, o doutor
da lei – portanto, um teólogo - perguntou: “Mestre, o que fazer para
alcançar a vida eterna?” Nos quatro evangelhos nunca esta pergunta sai
da boca de um pobre. Toda vez que se pergunta a Jesus “o que fazer
para ganhar a vida eterna”, com certeza é alguém que já ganhou a vida
terrena e quer saber como investir na poupança celestial... É a
pergunta de Nicodemos, do homem rico e de Zaqueu.
Nunca um pobre pergunta a Jesus “como ganhar a vida eterna”. A
pergunta dele é outra: “Senhor, o que fazer para ter vida nesta vida?
Minha mão está seca e preciso trabalhar; meu olho está cego e anseio
por enxergar; minha filha está doente e desejo vê-la curada; meu irmão
está morto e quero-o vivo”. Os pobres pedem vida nesta vida. Aos
primeiros, os abastados, Jesus responde com ironia e irritação. Aos
pobres, com compaixão e misericórdia.
O doutor da lei perguntou a Jesus: “Quem é o meu próximo?”
Então a conversa mudou de figura. Jesus não raciocinava em categorias
abstratas. O próximo, para ele, era um ser datado, localizado: “Um
homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos
assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram
embora e o deixaram quase morto”. Era tempo de festa em Jerusalém.
Quem vendia produtos em Jerusalém descia para Jericó com o bolso cheio
de moedas. Possivelmente, os ladrões ficaram irritados porque aquele
homem quase não tinha dinheiro. Então deram-lhe uma surra.
Jesus não fez nenhuma crítica aos assaltantes, mas observou
que um sacerdote, que descia pelo mesmo caminho, viu o homem caído e
seguiu em frente. Depois, desceu um levita; também passou indiferente.
Ora, podemos supor que o sacerdote e o levita não acudiram por má
vontade. Tinham que participar da missa das 6 horas em Jericó e, para
não se atrasar, deixaram de socorrer o homem… Mas, na missa, incluíram
a vítima caída na beira da estrada nas Orações dos Fiéis…
Jesus só levou em conta a ética do samaritano. Este não
conhecia o homem, não tinha nada a ver com ele, mas diante de um
oprimido, um caído, um explorado, mudou o rumo do seu caminho para
socorrê-lo.
Ética é isso! Não é fazer o bem apenas a quem encontro em
meu caminho. É ser capaz de mudar o rumo na direção dos mais
necessitados. Conversão não é questão de sentimento, e sim de sentido
- quem caminha pela indiferença tome agora o rumo da solidariedade.
Esta a atitude que o Evangelho exige: fazer do poder, qualquer
forma de poder, serviço, de modo a trazer vida para todos, e vida em
plenitude (João 10, 10).
Estamos trazendo mais vida, ajudamos a reduzir a desigualdade social e
os desequilíbrios ambientais? Não basta eleger, precisamos nos
convencer de que temos o poder. Os políticos são nossos empregados,
pagamos os salários deles e, por isso, temos o dever e o direito de
exigir que prestem contas.
Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão!
Há que fazer os políticos governarem para o povo. Isso significa
reforçar o empoderamento popular, fortalecer os movimentos sociais,
criar uma nova institucionalidade política, na qual o exercício da
democracia seja substancialmente ético. Como afirma Levinas, a
política deve ser sempre controlada e criticada a partir da ética. E
esta deve ter como paradigma os direitos dos pobres.
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