IX Cúpula das Américas: Alberto Fernandez rompe o silêncio dos ausentes

Alberto Fernandez
Alberto Fernandez (Foto: Alan Santos/PR)


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É bom dar atenção às palavras do presidente da Argentina, Alberto Fernandez, nos 8 minutos que lhe concederam, na tão polêmica IX Cúpula das Américas. Seu histórico discurso rompeu o silêncio dos presidentes ausentes em protesto à hegemonia dos EUA que excluiu a participação de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua. Somaram-se aos ausentes, os governos democráticos e populares do México (Lopez Obrador), Bolívia (Luís Arce) e Honduras (Xiomara Castro), além da Guatemala e El Salvador. 

Em meio ao fracasso participativo e vazio temático da Cúpula das Américas, o seu discurso ecoou (exceto na mídia hegemônica), e deu um alto tom como representante dos excluídos do continente e como presidente pró-tempore da CELAC (Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos), concentrando o amplo leque de protestos e ideias do chamado “Sul” oposto ao poder do “Norte”. 

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“Porque sofremos tantas dificuldades se nossa terra nos dotou para produzir alimentos e energia como poucas regiões do mundo? A resposta está na ordem global. O mundo central estabeleceu regras financeiras obviamente injustas. Alguns concentram renda enquanto milhões de seres humanos estão presos no poço da pobreza. 

... Da periferia em que estamos inseridos, a América Latina e o Caribe olham com dor para o sofrimento dos povos irmãos. Cuba suporta um bloqueio de mais de seis décadas imposto nos anos da “Guerra Fria” e a Venezuela tolera outro, enquanto uma pandemia que devasta a humanidade arrasta consigo milhões de vidas

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... Com medidas desse tipo, procura-se condicionar os governos, mas na verdade só prejudica os povos.” (A.F.) 

Ao definir o que a CELAC significa, sinalizou a decisão coletiva dos seus membros de que a mesma se reativará fortemente como um instrumento de soberania e de união anti-imperialista dos governos e povos excluídos da América do Sul e Central. O discurso condenou o papel nefasto da OEA oposto à democracia; em sintonia com os protestos paralelos dos movimentos sociais da Cúpula dos Povos e o questionamento valente de um ativista que denunciou Luis Almagro, na Cúpula da Mídia das Américas, pelo apoio dado à ditadura de Jeanine Añez (recém-condenada por golpismo a 10 anos de prisão) contra Evo Moráles na Bolívia. Enquanto Lopez Obrador pede o fim da OEA, Alberto Fernandez, na prática, pede o imediato afastamento de Almagro das suas funções. 

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A OEA foi usada como um gendarme que facilitou um golpe na Bolívia. Eles se apropriaram da direção do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que historicamente esteve nas mãos da América Latina. 

A OEA, se quer ser respeitada e voltar a ser a plataforma política regional para a qual foi criada, deve ser reestruturada, afastando imediatamente aqueles que a dirigem”. (A.F.) 

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Dias antes, o presidente Nicolás Maduro (na entrevista a Atílio Boron, à Radio das Mães da Praça de Maio e à Rádio do Sul da Argentina) impulsionou Alberto Fernandez a participar da reunião da Cúpula das Américas em Los Angeles representando a CELAC e os excluídos. Posteriormente, em visita ao Irã, com quem assinou vários acordos além da cooperação energética, estendendo os laços da Venezuela com o Oriente Médio, Maduro saudou: “Alberto Fernández deu um discurso firme, claro, valente e pôs tudo no seu lugar”. 

Esse discurso demarcou uma esperada definição da política exterior um tanto errática da Argentina; no início do governo (2020) alinhou-se com o Grupo de Lima votando contra a Venezuela, o que gerou as primeiras crises internas e críticas do kirchnerismo na Frente de Todos; política compensada, por outro lado, com as ótimas relações com a Rússia e a China, durante a pandemia, nos encontros com Putin em Moscou e Xi-Jiping em Pequin por ocasião das Olimpíadas de Inverno. Agora, Alberto dá um gol certeiro, após seu governo ter dado um chute fora ao votar contra a Rússia na ONU na questão dos direitos humanos. De toda forma, os votos na diplomacia, não têm o mesmo efeito que nas relações econômicas concretas: como país, a Argentina aprofundou acordos de peso com a China e a Rússia e é um enorme propulsor do BRICS. Neste discurso, Alberto, que apontou também (frente a Biden) a exclusão das Ilhas Malvinas (ocupadas pela Inglaterra) do mapa logotipo da Cúpula das Américas, assume o mesmo protagonismo com que salvou com o exílio a vida de Evo Morales, e visitou Lula da Silva na prisão de Curitiba. 

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O enfoque à definição do que é democracia torna-se central nos conflitos globais. “Democracia para quê e para quem”? É um debate divisor de águas entre o bloco dos países hegemônicos (dominados pelo ódio, individualismo e miséria coletiva) e o bloco daqueles em vias de desenvolvimento ou socialistas (alinhados claramente com a justiça e a igualdade social). Biden exalta a “democracia”, mas defende o golpista Guaidó, ignora o voto da maioria do povo venezuelano; impõe a exclusão ditatorial de países na Cúpula das Américas, e convalida a democracia das armas para matar crianças no próprio país, e invadir países alheios. O presidente, Miguel Diaz-Canel, um dos melhores representantes do bloco socialista, não esteve em Los Angeles, mas respondeu com contundência no seu discurso em Cuba, reiterou a denuncia contra os 63 anos de bloqueio por parte do império e, não obstante é “um dos países do hemisfério de melhores níveis de educação, saúde e desenvolvimento científico”: 

“No caso de Cuba, a exclusão não foi só contra o governo, mas também contra os representantes da sociedade civil e os atores sociais, incluídos os nossos jovens. Os Estados Unidos já não se conformam com determinar quem e como deve ser o governo cubano. Agora se propõem a definir quem são os representantes da sociedade civil, e quais atores sociais são legítimos e quais não.”

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“Não é sincero pregar a democracia na região, quando, em numerosos Estados desse país, aumentam as legislações que restringem o direito ao voto e à possibilidade de exercê-lo, principalmente se o eleitor é de baixa renda, pertence a alguma das chamadas minorias étnicas, ou vive em bairros considerados marginais. 

É difícil ser promotor dos direitos humanos em nome de um governo que não é capaz de assegurar o direito a serviços essenciais de saúde no país mais rico e poderoso do planeta; que não conta, nem se propôs a contar com as ferramentas políticas e jurídicas que impeçam as vendas indiscriminadas de armamento de guerra à população, com o custo consequente e crescente de vidas inocentes, entre elas crianças, para as quais se torna um perigo ir à escola” (M. Diaz-Canel). 

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Alberto Fernandez também quando abriu seu discurso desmontou a hipócrita democracia de Biden: “Definitivamente, teríamos desejado outra Cúpula das Américas. O silêncio dos ausentes nos desafia. Para que isso não volte a acontecer, gostaria de deixar claro para o futuro que o fato de ser o país anfitrião da Cúpula não confere a possibilidade de impor um "direito de admissão" aos países membros do continente. O diálogo na diversidade é o melhor instrumento para promover a democracia, a modernização e o combate à desigualdade.” .... E concluiu: “Unidos pela democracia com inclusão social ou dominados pelo individualismo e a miséria coletiva”. 

O discurso abrangeu também temas concretos da Argentina e das economias locais a solucionar. 

A crítica de Alberto Fernández ao FMI na sua principal casa matriz, os EUA, não deixou de constar: “A intervenção do governo Donald Trump junto ao Fundo Monetário Internacional foi decisiva para facilitar o endividamento insustentável em favor de um governo argentino (Macri) em declínio. Ele o fez com o único propósito de impedir o que acabou sendo o triunfo eleitoral de nossa força política. Por tal indecência sofre hoje todo o povo argentino.”

 .... “Diante de tanta desigualdade, devemos levantar a necessidade de políticas tributárias progressivas, mesmo quando as elites domésticas nos apresentam como um perigo à qualidade democrática. A renda inesperada que a guerra deu como presente para grandes corporações de alimentos, petróleo e armas deveria ser tributada para melhorar a distribuição de renda.” 

Nesse mesmo instante, o governo argentino acaba de enviar ao Congresso um projeto de lei para aumentar os impostos das empresas que tiveram lucros inesperados e extraordinários com a subida dos preços no mercado internacional devido a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A medida afetaria somente 350 grandes empresas que arrecadarem mais de 1 bilhão de dólares ao ano. Isso incrementaria um fundo para que o Estado possa suprir as enormes carências internas e desigualdades distributivas. 

Enfim, o pré-anúncio da derrota da política intervencionista dos EUA e aliados da Europa na Ucrânia, com o avanço militar da Rússia – respaldado no apoio social – em territórios ocupados, é o caldo de cultura do fracasso da IX Cúpula das Américas. A unidade China-Rússia, atua como novo polo decisivo de respaldo à CELAC, ao BRICS, Unasul, Alba e Mercosul como reação opositora ao poder hegemônico global das corporações. O ensaio orquestral dado no toque coordenado entre os pronunciamentos da Venezuela, Cuba, Argentina, México e os ausentes, e os movimentos sociais da Cúpula dos Povos, marca um novo rumo. Nesse rumo onde a CELAC aguarda o reforço do Lula Presidente recuperando a integração latino-americana com políticas de Estado forte e mobilização popular. 

A altura do discurso de Alberto frente aos abutres que dirigem a Cúpula das Américas, é produto do alto nível das forças sociais e populares que estão empurrando a América Latina para retomar a luta contra as políticas neoliberais, do império, da ALCA, e suas ditaduras. Sintonizado com o ato conjunto realizado com Cristina Kirchner nos 100 anos de YPF, este discurso abre grandes expectativas, permitindo concordar as diferenças internas que hoje existem na Frente de Todos e marcar um antes e depois na Argentina; um depois mais decisivo nas transformações sociais internas.

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