Irã e Arábia Saudita: um ganha-ganha chinês
Marca um território que antes era considerado impensável e que, sem dúvida, causou sofrimento à máquina corporativa de guerra
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Pepe Escobar – 7 de abril de 2023 – [Originalmente publicado no The Cradle e amplamente compartilhado. Traduzido e publicado pela Comunidad Saker Latinoamérica com a permissão do autor]
A ideia de que a história tem um ponto final, como promovida por neoconservadores ignorantes na década unipolar de 1990, é falha, pois a história está em um processo interminável de renovação. A recente reunião oficial entre o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan al-Saud, e o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian, em Pequim, marca um território que antes era considerado impensável e que, sem dúvida, causou sofrimento à máquina corporativa de guerra.
Este único aperto de mão significa o enterro de trilhões de dólares que foram gastos para dividir e governar a Ásia Ocidental por mais de quatro décadas. Além disso, a Guerra Global ao Terror (GWOT), a realidade fabricada do novo milênio, apresentou-se como principal dano colateral em Pequim.
A imagem de Pequim como a capital da paz foi impressa em todo o Sul Global, como evidenciado por um show secundário subsequente, onde alguns líderes europeus, um presidente e um eurocrata chegaram suplicantes a Xi Jinping, pedindo-lhe que se juntasse à linha da OTAN na guerra na Ucrânia. Eles foram educadamente dispensados.
Ainda assim, a ótica estava fechada: Pequim apresentou um plano de paz de 12 pontos para a Ucrânia que foi rotulado de “irracional” pelos neoconservadores de Washington. Os europeus – reféns de uma guerra por procuração imposta por Washington – pelo menos entenderam que qualquer pessoa remotamente interessada na paz precisa passar pelo ritual de reverência ao novo chefe em Pequim.
A irrelevância do JCPOA
As relações Teerã-Riyadh, é claro, terão um caminho longo e difícil pela frente – desde ativar acordos de cooperação anteriores assinados em 1998 e 2001 até respeitar, na prática, sua soberania mútua e não interferência nos assuntos internos um do outro.
Tudo está longe de ser resolvido – desde a guerra liderada pelos sauditas no Iêmen até o confronto frontal das monarquias árabes do Golfo Pérsico com o Hezbollah e outros movimentos de resistência no Levante. No entanto, esse aperto de mão é o primeiro passo que leva, por exemplo, à próxima viagem do ministro das Relações Exteriores saudita a Damasco para convidar formalmente o presidente Bashar al-Assad à cúpula da Liga Árabe em Riad no próximo mês.
É crucial enfatizar que esse golpe diplomático chinês começou com Moscou liderando negociações em Bagdá e Omã; esse era um desenvolvimento natural da Rússia intervir para ajudar o Irã a salvar a Síria de uma coalizão cruzada de abutres OTAN-Conselho de Cooperação do Golfo (GCC).
Em seguida, o bastão foi passado para Pequim, em total sincronia diplomática. O impulso para enterrar permanentemente o GWOT e as inúmeras e desagradáveis ramificações da guerra de terror dos EUA foi uma parte essencial do cálculo; mas ainda mais premente era a necessidade de demonstrar como o Plano de Ação Abrangente Conjunto (JCPOA), ou acordo nuclear com o Irã, havia se tornado irrelevante.
Tanto a Rússia quanto a China experimentaram, por dentro e por fora, como os EUA sempre conseguem torpedear um retorno ao JCPOA, como foi concebido e assinado em 2015. A tarefa deles passou a ser convencer Riad e os estados do GCC de que Teerã não tem interesse em armas nucleares – e permanecerá signatário do Tratado de Não-Proliferação (TNP).
Então coube à sutileza diplomática chinesa deixar bem claro que o medo das monarquias do Golfo Pérsico de xiismo revolucionário agora é tão contraproducente quanto o medo de Teerã de ser assediado e/ou cercado por jihadistas salafistas. É como se Pequim tivesse cunhado um lema: abandone essas ideologias nebulosas e vamos fazer negócios.
E os negócios são, e serão: melhor ainda, mediados por Pequim e implicitamente garantidos pelas superpotências nucleares Rússia e China.
Pegue o trem da desdolarização
O príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman (MbS) pode exibir algumas características de Soprano, mas não é tolo: ele viu instantaneamente como essa oferta chinesa se transformou lindamente em seus planos de modernização doméstica. Uma fonte do Golfo em Moscou, familiarizada com a ascensão e consolidação no poder de MbS, detalha o desejo do príncipe herdeiro de apelar para a geração saudita mais jovem que o idolatra. Deixe as meninas dirigirem seus SUVs, dançarem, soltarem os cabelos, trabalharem duro e fazerem parte da “nova” Arábia Saudita da Visão 2030: um centro global de turismo e serviços, uma espécie de Dubai com esteróides.
E, crucialmente, isso também será uma Arábia Saudita integrada à Eurásia; futuro e inevitável membro tanto da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) quanto do BRICS+ – assim como o Irã, que também estará sentado nas mesmas mesas comunais.
Do ponto de vista de Pequim, trata-se de sua ambiciosa e multibilionária Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI). Um importante corredor de conectividade da BRI vai da Ásia Central ao Irã e além, até o Cáucaso e/ou Turquia. Outra – em busca de oportunidades de investimento – passa pelo Mar da Arábia, Mar de Omã e Golfo Pérsico, parte da Rota Marítima da Seda.
Pequim quer desenvolver projetos da BRI em ambos os corredores: chame isto de “modernização pacífica” aplicada ao desenvolvimento sustentável. Os chineses sempre se lembram de como as Antigas Rotas da Seda percorriam a Pérsia e partes da Arábia: nesse caso, temos a História se repetindo.
Uma revolução geopolítica
E então vem o Santo Graal: a energia. O Irã é o principal fornecedor de gás para a China, uma questão de segurança nacional, inextricavelmente ligada ao acordo de parceria estratégica de mais de US$ 400 bilhões. E a Arábia Saudita é o principal fornecedor de petróleo. Relações sino-sauditas mais estreitas e interação em organizações multipolares chave, como SCO e BRICS+, antecipam o dia fatídico em que o Petroyuan será definitivamente consagrado.
China e Emirados Árabes Unidos já conquistaram seu primeiro negócio de gás em yuan. O trem de alta velocidade da desdolarização já saiu da estação. A ASEAN já está discutindo ativamente como ignorar o dólar para privilegiar as liquidações em moedas locais – algo impensável até poucos meses atrás. O dólar americano já foi lançado à morte por mil cortes em espiral.
E esse será o dia em que o jogo atingirá um novo nível imprevisível.
A agenda destrutiva dos líderes neoconservadores encarregados da política externa dos EUA nunca deve ser subestimada. Eles exploraram o pretexto do “novo Pearl Harbor” do 11 de setembro para lançar uma cruzada contra as terras do Islã em 2001, seguida por uma guerra por procuração da OTAN contra a Rússia em 2014. Sua ambição final é travar uma guerra contra a China antes de 2025.
No entanto, eles agora estão enfrentando uma rápida revolta geopolítica e geoeconômica do coração do mundo – da Rússia e China ao oeste da Ásia, e extrapolando para o sul da Ásia, sudeste da Ásia, África e latitudes selecionadas na América Latina.
A virada veio em 26 de fevereiro de 2022, quando os neoconservadores de Washington – em uma demonstração flagrante de seus intelectos rasos – decidiram congelar e/ou roubar as reservas da única nação do planeta equipada com todas as commodities que realmente importam, e com o poder necessário para desencadear uma mudança importante para um sistema monetário não ancorado em dinheiro fiduciário.
Esse foi o dia fatídico em que a cabala, identificada pelo jornalista Seymour Hersh como responsável por explodir os oleodutos Nord Stream, na verdade, apitaram para que o trem de desdolarização de alta velocidade deixasse a estação, liderado pela Rússia, China e agora – bem-vindo a bordo – Irã e Arábia Saudita.
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