Introdução à financeirização

Prefácio do livro recém-lançado de Ilan Lapyda

(Foto: REUTERS/Aly Song)


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(Publicado no site A Terra é Redonda)

Este livro se propõe a ser uma introdução ao conceito de financeirização e realiza plenamente seu objetivo. O jovem autor, Ilan Lapyda, terminou recentemente seu doutoramento da USP com uma tese sobre a financeirização no Brasil, e para escrevê-la precisou dominar a ampla literatura sobre o tema que se formou desde as contribuições ao mesmo tempo pioneiras e definitivas de François Chesnais. Este livro é dedicado a este grande marxista francês, há pouco falecido. A dedicatória me estimulou a escrever este prefácio porque François Chesnais era um ótimo amigo com quem eu sempre me encontrava em Paris.

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O livro passa por todos os principais autores que discutiram a financeirização e o neoliberalismo – dois aspectos centrais do capitalismo contemporâneo. Eu entendo a financeirização como a captura, pelo setor financeiro, de uma parcela do excedente econômico mundial ocorrida desde 1980 até 2008. Ilan Lapyda, porém, vê a financeirização como um fenômeno que se confunde com o capitalismo neoliberal. Para ele a financeirização consiste na “predominância da lógica financeira nas atividades econômicas (e na sociedade e na política), que leva à intensificação e à diversificação da exploração do trabalho para atender à apropriação rentista da riqueza produzida”.

É uma boa definição, na qual nós vemos um conceito importante – “a apropriação rentista”. De fato, nós podemos pensar o capitalismo neoliberal dessa maneira, porque enquanto o capitalismo social-democrático e desenvolvimentista do após-guerra era dirigido por uma ampla coalizão fordista, a coalizão neoliberal que esteve por trás do processo de financeirização é estreita, formada apenas por uma elite financeiro-rentista. E promoveu um enorme aumento da desigualdade no mundo capitalista. François Chesnais foi novamente pioneiro nesse ponto.

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Como observa Ilan Lapyda, o rentista, voltado à extração de rendas, é mais do que um simples credor; este participa de um “financiamento efetivo” e possui uma relação direta com o empreendimento financiado (inclusive tendo de aguardar o retorno do seu capital com os juros). “O interesse da propriedade patrimonial (rentista) não está voltado para o consumo das famílias, nem para o incremento permanente dos mercados secundários, mas para a garantia de um rendimento regular e liquidez permanente dos mercados secundários”.

Ilan Lapyda trabalha com dois autores principais. Toda a primeira parte do livro tem como referência a contribuição notável de François Chesnais e seu conceito de “mundialização financeira”. O projeto imperialista americano de globalização ou mundialização esteve a serviço não do povo americano, mas de uma elite financeiro-rentista. O objetivo não foi o de apenas abrir o mercado de mercadorias do resto do mundo para a troca desigual de bens e serviços sofisticados com alto valor adicionado per capita por bens e serviços simples que agam baixos salários; foi também abrir o mercado de capitais e incluir todo o mundo no processo de financeirização.

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O imperialismo não está apenas interessado em exportar mercadorias, interessa-se também por exportar capitais e, para isso, a partir da “virada neoliberal” de 1980, promoveu a abertura financeira. Com isso os países que se submeteram – principalmente os da América Latina – perderam capacidade de controlar sua taxa de câmbio e perderam, assim, um instrumento fundamental para o seu desenvolvimento.

Depois de sintetizar o pensamento de François Chesnais, Ilan Lapyda volta-se para outro notável marxista, este inglês, David Harvey, que foi pioneiro na análise e crítica do neoliberalismo. Ainda nos anos 1980 ele percebeu que estava havendo uma transição do fordismo para um sistema de ‘acumulação flexível’, que foi assim um primeiro nome para o neoliberalismo. David Harvey e François Chesnais pensam de maneira semelhante. “Assim como François Chesnais, David Harvey também observa a diminuição da separação das atividades do capital monetário (que tem como objetivo juros e dividendos) e do capital industrial (voltado para a obtenção de lucros)”.

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Aproveito esta afirmação para fazer minha própria crítica a este excelente livro. Ao lê-lo podemos ficar com a impressão de que financeirização, neoliberalismo, e capitalismo são a mesma coisa; que entre as elites capitalistas não há conflitos maiores; que a clássica divergência entre o capital financeiro e o capital industrial deixou de existir. Não creio que seja assim. A financeirização e o neoliberalismo entraram em crise em 2008, essa crise assumiu um caráter também político em 2016 com a reação etnonacionalista e populista representada pela eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, e entrou em colapso com a pandemia da Covid em 2020.

O resultado foi a “virada desenvolvimentista” de 2021, liderada pelo presidente Joe Biden. Desde então o Estado está de volta na economia americana, e o mesmo acontece, ainda que com menos intensidade, na Europa. O governo de Joe Biden está envolvido em um grande projeto de reindustrialização e, para isto, está usando amplamente da política industrial e do aumento do investimento público. Está em curso nos Estados Unidos uma estratégia nacional de desenvolvimento – algo que não existia nos Estados Unidos desde o governo do presidente Franklin D. Roosevelt. Joe Biden está atendendo, dessa maneira, às demandas populares, mas é difícil considerar que o capitalismo produtivo não esteja também envolvido nessa virada maior do capitalismo.

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No Brasil, as elites brasileiras revelam novamente seu atraso e continuam presas ao neoliberalismo, mas aconteceu algo maravilhoso – a derrota do populismo fascista e neoliberal de Jair Bolsonaro e a eleição do presidente Lula. Surge, assim, uma nova esperança para o Brasil. A financeirização e o neoliberalismo estão reagindo duramente ao novo que aqui está surgindo, mas o êxito dos países do Leste da Ásia deixou claro para o Norte Global que o desenvolvimentismo faz mais sentido, e o novo governo brasileiro sabe muito bem disto. Ilan Lapyda não discute esta questão. Escreveu, porém, um livro que eu recomendo vivamente a quem se interessa em compreender o capitalismo contemporâneo.

Referência

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Ilan Lapyda. Introdução à financeirização: David Harvey, François Chesnais e o capitalismo contemporâneo. São Paulo, CEFA Editorial, 2023, 160 págs.

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