Intelectuais e o fascínio do poder: o caso de FHC
Em uma análise sobre a vida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Emir Sader afirma que a vaidade do tucano "sempre o fez se aproximar do poder, para tentar encontrar um espaço"; para ele, quando o tucano deixou o governo, "desgastado", "sabia que não elegeria seu sucessor", mas "no fundo gostou do fracasso de Serra", pois "seria o único presidente tucano"; a revelação da verdade de Mírian Dutra, porém, "afetou o âmago do orgulho pessoal de FHC", que "caiu do pedestal de homem acima das picuinhas, para cair na boca do povo, da pior maneira possível"
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Diz-se que os intelectuais não resistem a qualquer nomeação para cargos de governo. Existem, na verdade, vários casos que poderiam exemplificar isso. Em geral as consequências são desastrosas, para os intelectuais, nem sempre para os governos que se valem do seu prestígio.
O caso de Sergio Rouanet é típico. Surpreendentemente, pelo prestígio intelectual que tinha, aceitou ser ministro da Cultura do governo de nada menos que Collor. E, se já não fosse um dano suficiente a seu nome como intelectual, este ficou perenizado no nome de uma lei que privatiza a cultura no Brasil, deixando nas mãos dos financiadores privados os destinos de viabilizar ou não iniciativas culturais no país.
FHC é um caso a mais, porém muito significativo. Sua vaidade sempre o fez se aproximar do poder, para tentar encontrar um espaço. Esteve próximo de Darcy Ribeiro, no final do governo Jango, seu nome foi veiculado como possível reitor de uma universidade federal no ABC, nos moldes da Universidade de Brasília. Por precaução, FHC saiu do Brasil logo depois do golpe. No Chile, em seminários semanais, foi sendo elaborada a teoria da dependência, mas eis que um dia FHC aparece com um livro com seu nome como autor. Diante do protesto geral, ele colocou como co-autor o verdadeiro criador daquela versão da teoria da dependência, Enzo Faletto, conforme testemunha do mais importante intelectual centro-americano, Edelberto Torres Rivas, em longa entrevista que eu lhe fiz e publiquei na revista de Clacso – Crítica e Emancipação.
FHC atuava sempre no MDB, buscando se projetar, até que foi candidato a suplente de Montoro e assumiu como senador. Veio a candidatura a prefeito de São Paulo, com o desastrado resultado e a foto respectiva na Folha. Foi marginalizado do Plano econômico do governo Sarney, tendo criticado a situação econômica do país na véspera do lançamento do plano. Ulysses o tinha lançado como candidato a ministro da Educação no governo Sarney, mas também não vingou.
FHC capitaneou a entrada dos tucanos no governo Collor, de que Rouanet e Celso Lafer foram o primeiro grupo a ingressar. A resistência de Covas salvou os tucanos de naufragarem junto com Collor. Se aproximaram então do Itamar, de quem FHC foi ministro de Relações Exteriores antes de ser chamado para colocar em prática a retomada do projeto neoliberal do Collor em outros termos. FHC viu aí a possibilidade de voos mais altos, o que conseguiu com a candidatura à presidência.
FHC nunca vinculou sua obra teórica à sua atividade política. Mas sua visão do corporativismo da burguesia brasileira apontava já para a necessidade de que se aliasse de maneira subordinada ao capitalismo internacional. E sua teoria do autoritarismo continha explicitamente uma visão neoliberal da ditadura e da democratização.
Mas sua vaidade característica estava acima de qualquer teoria ou objetivo político. Era o poder o que o fascinava e dele fez uso da forma mais abusiva. Chamando a direita para governar com ele, tendo a ACM como seu interlocutor e a Luis Eduardo Magalhães como seu sucessor. Fustigou a esquerda – o PT, Lula, a CUT, o MST - com ironia e sarcasmo, o mesmo que utilizou contra os servidores púbicos, os professores e os aposentados.
Cultivou o charme em relação à mídia – especialmente a jornalistas – e à intelectualidade e políticos paulistas, cujo encanto atraiu a ex-comunistas e a donos da mídia, tanto da Folha, como da Veja, do Estadão que o tinham como seu ídolo e tábua de salvação contra a esquerda.
Cultuava o desprezo com os outros políticos tucanos, especialmente com Serra, que sempre teve um complexo de inferioridade e rancor com FHC. Intelectuais de São Paulo, que achavam que ocupariam cargos importantes no governo de FHC, foram totalmente desconhecidos. Assim, FHC foi cultuando rancores contra ele, que mais tarde fariam dele o político mais odiado do Brasil.
FHC saiu muito desgastado do governo, sabia que não elegeria seu sucessor, no fundo gostou do fracasso de Serra. Ele seria o único presidente tucano, como resultado do fracasso do seu governo. Mas gozaria desse privilégio, colocando-se sempre por cima de todos os outros tucanos. Mario Covas sofre uma derrota vergonhosa em 1989, mas seria o candidato dos tucanos, não fosse sua doença e morte. FHC se aproximou de Itamar para se propor como seu ministro e a partir daí conseguiu chegar ao que sempre ambicionou: a presidência.
A partir daí não tinha mais o que ambicionar, dedicou sua vida a tentar evitar que Lula tivesse o sucesso, dentro e fora do Brasil, que ele não teve. Daí a dedicação dele a políticas golpistas, quando foram perdendo sucessivamente as eleições contra o PT. Essa a maior amargura dele.
Até que o caso da sua relação com Mirian Dutra veio à luz, depois de escondido da Ruth Cardoso, com a conivência da mídia. Ele esperou a morte de Ruth para assumir publicamente o filho, em meio a conflitos com seus filhos, que o obrigaram a fazer os dois DNAs.
Mas no plano pessoal tudo parecia sob controle para FHC, casado com sua secretária, com propriedades pessoais que lhe permitem vida luxuosa, até que Mirian resolveu contar a verdadeira versão do caso com ele. Afetou o âmago do orgulho pessoal de FHC. Caiu do pedestal de homem acima das picuinhas, para cair na boca do povo, da pior maneira possível. Entre envio escondido de pagamentos ao exterior, empresa nas Ilhas Cayman, referências depreciativas a sua esposa, Ruth, entre tantas outras coisas, sua imagem desmorona como uma estátua que se estatela no solo e se parte irremediavelmente em mil pedaços.
O intelectual que ambicionou o poder, que o conquistou, que o usou da forma mais discricionária possível, que jogou no lixo sua carreira acadêmica para tentar se projetar como estadista, mas terminou derrotado politicamente por Lula, impotente para promover golpes e, finalmente, ferido de morte na sua vaidade, pela revelação do homem hipócrita que ele sempre foi. Se fecha assim sua biografia pública e privada, da pior maneira possível para ele.
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