Intelectuais do Ocidente enlouquecem com o Frankenstein Chinês
"O que pode acabar acontecendo em consequência de um “descolamento” entre China e os EUA é exatamente aquilo no qual Beijing já vem trabalhando com afinco: o país vem formando parcerias comerciais com a UE e com todo o hemisfério sul", escreve o jornalista Pepe Escobar
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Tradução de Ricardo Silveira
Eternamente dedicados a pintar da China o quadro mais horroroso, os economistas e intelectuais do mundo ocidental jamais carecem de subterfúgios que lhes revelem a sua própria ignorância.
A manifestação mais recente é o postulado de que nós – leia-se intelectuais do mundo ocidental – “somos a versão moderna do Frankenstein”, cientista da ficção de Mary Shelley que, com eletrochoques aplicados a um cadáver (China), deu vida a um “monstro assassino”.
Assim sendo, sejam bem-vindos à escola sino-frankensteiniana de relações internacionais. Bom, e agora? Seria um remake em preto e branco com Xi Jinping no papel do monstro? Enfim, nós – leia-se as melhores esperanças da humanidade – deveríamos “largar de vez o papel de Frankenstein”.
O autor, no caso, é professor emérito de economia em Harvard. Ele nem consegue identificar quem criou esse Frankenstein, se foi a China ou o próprio Ocidente. Isso mostra bem às claras quais são os padrões acadêmicos de Harvard.
Mas vamos comparar isto que acaba de se expor com o que estava sendo discutido num simpósio sobre a guerra comercial realizado na Universidade de Renmin em Beijing no último sábado.
Os intelectuais chineses estavam tentando enquadrar o atual deslocamento geopolítico provocado pela guerra comercial do governo Trump – sem lhe dar o nome que lhe cabe: um ardil frankensteiniano.
Li Xiangyang, diretor do Instituto Nacional para Estratégia Internacional, que é um núcleo (think tank) da Academia Chinesa de Ciências Sociais, deixou claro haver “uma grande possibilidade” de a China se descolar economicamente dos EUA, considerando que “a meta maior deles (EUA) é conter a ascensão da China... Trata-se de um jogo de vida ou morte” para os EUA.
Descolamento
Assumindo que de fato aconteça, esse descolamento bem poderia ser percebido como uma “chantagem estratégica” imposta pelo governo Trump. Mas o que o governo Trump quer não é exatamente o que o establishment estadunidense quer – conforme demonstrado pela carta aberta a Trump assinada por vários acadêmicos, especialistas em política externa e líderes empresariais preocupados com a possibilidade de esse “descolamento” entre China e a economia global – como se Washington fosse capaz de disparar esse petardo! – vir a dar um contragolpe descomunal.
O que pode acabar acontecendo em consequência de um “descolamento” entre China e os EUA é exatamente aquilo no qual Beijing já vem trabalhando com afinco: o país vem formando parcerias comerciais com a UE e com todo o hemisfério sul.
Segundo Li, isso vai fazer com que as lideranças chinesas ampliem e aprofundem cada vez mais os acessos comerciais junto aos seus parceiros. Será em breve o caso com a UE, conforme discutido em Bruxelas na última temporada.
Sun Jie, pesquisador do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse que o aprofundamento das parcerias com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) será fundamental no caso de ocorrer mesmo esse descolamento.
Já Liu Qing, professor de economia da Universidade de Renmin, destacou a necessidade de que se faça a melhor gestão possível das relações internacionais, lidando com todos desde a UE até o Sul Global, para evitar que suas empresas substituam as chinesas em certas cadeias de suprimento global.
E Wang Xiaosong, professor de economia da Universidade de Renmin, enfatizou ser de suma importância que a China tenha uma abordagem muito bem orquestrada para lidar com Washington.
Tudo em torno do Cinturão, da Rota
Alguns dos intelectuais mais otimistas no mundo ocidental prefeririam caracterizar o que está acontecendo como um vibrante debate entre os que propõem barreiras e equilíbrio extraterritorial (offshore balance) e os que propõem hegemonia liberal. A bem da verdade, trata-se mesmo de “apagar incêndio”.
Dentre os intelectuais do Ocidente impressionados com a figura frankensteiniana, é praticamente impossível encontrar outra voz da razão que se equipare à de Martin Jacques, atualmente professor titular da Universidade de Cambridge. “Quando a China mandar no mundo” (When China Rules the World), um calhamaço que ele publicou há 10 anos, ainda se destaca em meio a um deserto editorial de obras, quase todas enfadonhas, publicadas no Ocidente pelos ditos “especialistas” em China.
Jacques compreendeu que agora tudo são as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota (também conhecida como BRI, sigla na língua inglesa): “A BRI pode oferecer outro tipo de mundo, outro conjunto de valores, outro conjunto de imperativos, outra forma de organização, outro conjunto de instituições, outro conjunto de relacionamentos.”
E segue dizendo: “A Iniciativa oferece uma alternativa à ordem internacional vigente. Essa ordem que aí está foi elaborada pelo mundo rico e ainda o privilegia, a esse mundo que representa apenas 15% da população sobre a face da terra. Por outro lado, a Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota se volta para ao menos dois terços da população mundial. Trata-se algo de extrema importância para este momento da história.”
A bem da verdade, já estamos adentrando um cenário 2.0 da Iniciativa, definido pelo Ministro de Relações Exteriores Wang Yi como uma esmerada passagem do “traço à mão livre” para “pinceladas delicadas”.
No fórum da Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota na última temporada em Beijing, 131 países estavam representados, engajados em projetos devidamente correlatos. A Iniciativa está se associando a 29 organizações internacionais, desde o Banco Mundial até a APEC, a Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico.
Afora o fato de que a Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota está agora configurada como vasta infraestrutura própria e projeto de desenvolvimento do comércio eurasiano que se estende até a África e a América Latina, Beijing vem enfatizando tratar-se também de uma multifacetada marca que abrange as relações comerciais bilaterais, a cooperação Sul-Sul e as metas da ONU para o desenvolvimento sustentável.
O comércio da China com os países da Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota atingiu 617,5 bilhões no primeiro semestre de 2019, subindo 9,7% a cada ano e ultrapassando a taxa de crescimento do comércio total daquele país.
O estudioso chinês Wang Jisi tinha razão desde o início ao destacar a Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota como “necessidade estratégica” para se contrapor à ora extinta política “Pivô para a Ásia” de Barack Obama.
Então, já é hora de os intelectuais do mundo ocidental entrarem numa: do jeito que está, a Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota é o novo Frankenstein.
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