Imperialismo fortalece ofensiva contra a Nicarágua
A esquerda brasileira, ao não defender a Nicarágua e os outros regimes nacionalistas, está dando um tiro no próprio pé, pois o Brasil é central para a dominação política do imperialismo
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Por Juca Simonard
Mal concluíram-se as eleições nicaraguenses, que reelegeram o nacionalismo sandinista, e o imperialismo norte-americano fortaleceu sua ofensiva contra o governo de Daniel Ortega, ex-guerrilheiro da FSLN, e sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo, descendente do general Augusto César Sandino, herói nacional do país.
Revelando a farsa política norte-americana, antes mesmo das eleições, o responsável pela política imperialista dos Estados Unidos, Anthony Blinken (Secretário de Estado), já sabendo da derrota da oposição pró-EUA, havia declarado que não reconheceria as eleições nicaraguenses.
Após o pleito, o governo de Joe Biden, para atacar a soberania da Nicarágua, aumentou as sanções contra o país, da mesma forma que faz com Cuba, Afeganistão (após a tomada do poder pelo Talibã), Irã, Coreia do Norte, Venezuela, entre outros países. O presidente norte-americano também proibiu Ortega, Murillo e diversos ministros e funcionários de Manágua de entrarem nos EUA.
“A OEA é motivo de risos”
Neste sentido, a Organização dos Estados Americanos (OEA) declarou que as eleições não tinham 'legitimidade democrática'. Esta entidade é motivo de chacota entre os países latino-americanos. Em discurso histórico, Fidel Castro chamou o órgão de “Ministério de Colônias” dos Estados Unidos, denominação que foi recentemente repetida pelo vice-chanceler da Bolívia, Freddy Mamani. Na década de 1960, quando a entidade expulsou Cuba, o grande compositor cubano Carlos Puebla escreveu a canção “A OEA é motivo de risos” (Confira abaixo).
Um dos mais recentes feitos do órgão foi estimular os golpistas e fascistas da Bolívia para derrubar o governo de Evo Morales (MAS) através de acusações falsas sobre supostas “fraudes eleitorais” nas eleições bolivianas de 2019, comprovadamente legítimas. O golpe boliviano levou à ascensão da extrema direita ao governo e, como resultado disso, a dezenas de massacres contra a população indígena e camponesa no país.
Por isso, as instituições nicaraguenses, como o Parlamento, a bancada do país no Parlamento Centro-americano e a Suprema Corte de Justiça, têm lançado e aprovado notas para denunciar a intervenção dos Estados Unidos e da OEA nos assuntos internos do país. Diante dos abusos cometidos pelos EUA e pela entidade americana, Ortega planeja retirar seu país da OEA.
Entre a esquerda nacionalistas latino-americana existe um grande esforço - contraditoriamente liderado pelo moderado López Obrador (presidente do México) - de formar uma organização alternativa à OEA, como propôs abertamente a Bolívia na Sexta Cúpula de Chefes de Estado da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). México, Nicarágua, Venezuela e Cuba têm se posicionado no mesmo sentido.
A posição das organizações nacionalistas latino-americanas é uma clara reação ao processo golpista promovido pelos EUA nos países da América Latina.
A posição da esquerda brasileira
1 - Fraude eleitoral
No Brasil, no entanto, a esquerda oportunista tem buscado fazer coro com o imperialismo norte-americano. Em vez de apoiar o governo contra a intervenção estrangeira, tendo como princípio a autodeterminação dos povos, setores da esquerda dizem que Ortega é “indefensável” pois teria fraudado as eleições. Esta alegação se baseia simplesmente nas denúncias da imprensa capitalista, que repete as ladainhas da OEA e dos EUA.
De acordo com o imperialismo, Ortega fraudou as eleições ao prender “possíveis candidatos presidenciais” - veja bem: “possíveis” e não efetivos candidatos. Além destes “possíveis candidatos”, outros membros da oposição foram para a cadeia.
No entanto, é essencial lembrar que, em 2018, violentos protestos organizados pelos EUA, que levaram à morte de centenas de pessoas, ocorreram na Nicarágua para derrubar o governo Ortega. Em qualquer país, uma política como esta levaria à prisão dos organizadores e patrocinadores do movimento. Primeiro, pois é uma tentativa de golpe de Estado. Segundo, porque é um golpe patrocinado por um país estrangeiro, contra a soberania da Nicarágua.
Sobre isso, à época Guilherme Boulos (PSOL) condenou “de maneira clara” a “repressão feita pelo governo” ─ embora a maioria das mortes tenha sido causada por grupos armados de oposição (Diário Causa Operária).
2 - Direitos Humanos
Um segundo argumento apresentado pelos oportunistas é a defesa do “humanismo”, através da suposta defesa dos “direitos humanos”. A justificativa é, efetivamente, um pretexto criado pelos norte-americanos para intervir no país em defesa da “Democracia”. Ao repetir este argumento contra Ortega, os “humanistas” de esquerda, na verdade estão apoiando os EUA, um dos países menos democráticos do mundo. Como se sabe, o governo norte-americano é totalmente controlado pelos monopólios privados e o povo é desprovido de controle político.
Os “democráticos” norte-americanos impuseram ditaduras fascistas no mundo inteiro, provocaram centenas de golpes ao redor do mundo e reduziram a pó diversos países, matando milhões de cidadãos inocentes através de suas guerras intermináveis. Os EUA, antes de olharem para os “direitos humanos” nos outros países, deveriam explicar a brutal repressão aos ativistas no próprio país, a política de encarceramento em massa, o uso comprovado de tortura contra presos políticos e de guerra, e assim adiante.
3 - Identitarismo
A esquerda também atacou o governo Ortega para supostamente defender os direitos das mulheres. Primeiro, ressaltando uma denúncia sobre suposto estupro cometido pelo líder sandinista contra sua enteada, Zoilamérica Narváez Murillo. Para a esquerda identitária, não precisa provar nada numa acusação, basta alguém denunciar (mesmo que seja por motivos políticos, como é claro no caso Julian Assange), que automaticamente começa a inquisição.
Segundo, aproveitando-se das contradições do governo nicaraguense. O sandinismo, após a derrota da Revolução de 1979 nas eleições de 1990, voltou ao poder em 2007 e fez uma série de acordos com um setor da burguesia e grupos conservadores, como a Igreja Católica. Ortega passou a usar o slogan de “Cristão, Socialista e Solidário”, fez as pazes com políticos ligados à contrarrevolução no país e proibiu todo tipo de aborto.
Oportunamente, a imprensa imperialista aproveita tal contradição para fazer campanha contra o governo e, assim, aliciar setores da esquerda. Por sua vez, a esquerda, em vez de defender que estas contradições devam ser resolvidas pelas mulheres nicaraguenses, pelas sandinistas que estão ativas no movimento popular, faz coro com a campanha da direita. Buscam apresentar Ortega como o pior inimigo das mulheres. Ele seria pior que a dominação estrangeira pelos EUA, que vão impor um regime de miséria e repressão total.
4 - Alternância de poder
Apesar de Ortega ter sido eleito, o imperialismo tem buscado apresentá-lo como ditador por, entre outros motivos, falta de “alternância de poder”. As eleições deste ano deram ao nicaraguense seu quarto mandato consecutivo. Por isso, o sandinismo estaria buscando se perpetuar no poder eternamente. O mesmo argumento é usado para taxar Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, como “ditador” - apesar do país ser o que mais realiza eleições no mundo.
A política pela “alternância de poder” foi usada para promover golpes no Brasil, quando, em meio à campanha golpista, a direita e a esquerda pró-imperialista defendiam que a manutenção do PT no governo por quatro mandatos seguidos prejudicava a “democracia”; na Bolívia, o mesmo argumento foi usado contra Evo Morales; contra Rafael Correa, no Equador; contra os governos de Cuba, Venezuela, etc. É uma velha tática da direita. Como em muitos casos não conseguem a vitória pela via eleitoral, usam a cartada da “alternância de poder” para justificar a campanha golpista.
5 - Golpismo de esquerda
Uma tendência na América Latina revela que o imperialismo patrocina uma esquerda golpista como foco central de desestabilização. Os casos de Lenin Moreno e Yaku Perez deixaram isso muito em evidência. A National Endowment for Democracy (NED), organização fachada da CIA, por exemplo, patrocinou Pérez, conforme reportagem do jornalista Ben Norton no The Grayzone, um dos principais portais progressistas dos EUA.
Na Nicarágua, isto não é diferente:
“Durante a tentativa de golpe na Nicarágua em 2018, o Movimento de Renovação Sandinista (MRS) foi a face de esquerda da oposição a Ortega. Apoiou sua derrubada, que era promovida pelo imperialismo. E o MRS também é vinculado a ONGs financiadas por Washington”. (Diário Causa Operária)
Em recente artigo (Felicitação à esquerda que enfrenta Daniel Ortega) contra o governo nicaraguense, a Revista Movimento, do MES, corrente do PSOL da lavajatista Luciana Genro (que também defendeu Pérez no Equador), defendeu o MRS (atual Unamos) para dizer que “o que ocorre na Nicarágua é o fortalecimento de uma autocracia familiar que se perdura na estrutura do poder do Estado, na economia e nas comunicações”. Em outras palavras, defendeu a esquerda financiada pelo imperialismo contra a esquerda nacionalista.
Vale lembrar, no caso do PSOL, que o instituto que emprega o Guilherme Boulos, o IREE, também é parceiro da Global Americans, que é financiada pela NED*. A mesma NED patrocinou a tentativa de golpe contra Ortega, segundo reportagem de Max Blumenthal no The Grayzone. Boulos e PSOL foram os principais representantes da ala esquerda do golpismo no Brasil, junto com PCB e PSTU.
PSOL e PSTU apoiaram quase todos os golpes promovidos pelo imperialismo. O caso da Ucrânia e do Egito chamaram atenção por terem colocado às claras o problema, mas representantes dos dois partidos têm feito declarações abertas contra os governos de Cuba e Venezuela, buscando apresentar uma face esquerdista ao golpismo. Trata-se da mesma esquerda que apoiou o golpe no Brasil, alegando que o governo Dilma Rousseff (PT) era “indefensável” ou chamando abertamente o “Fora Dilma”.
6 - O nacionalismo
Por outro lado, a esquerda nacionalista latino-americana tem buscado reagir diante das agressões imperialistas. Como já foi mencionado, os governos de Cuba, México, Venezuela, Bolívia e Nicarágua deram um passo adiante contra a OEA em busca de fortalecer a Celac. Assim, os governos de Cuba, Venezuela e Bolívia parabenizaram Ortega pela vitória eleitoral, alegando que “venceu a soberania”.
Já os elementos mais moderados do nacionalismo, como os governos da Argentina e do México, assim como o PT no Brasil, adotaram uma política mais conciliadora. Os presidentes da Argentina e do México, Alberto Fernández e López Obrador, respectivamente, se negaram a assinar resolução da OEA contra o governo da Nicarágua, e por isso foram alvos de críticas pela imprensa capitalista.
No Brasil, o secretário de Relações Internacionais do PT publicou nota em defesa das eleições e da soberania da Nicarágua, mas foi duramente atacado pela imprensa golpista. Após forte repercussão negativa da direita e da esquerda pró-imperialista, a presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, desautorizou a nota, mas reforçou o apoio do PT à “autodeterminação dos povos”.
O governo sandinista e a esquerda
Tirando a posição da esquerda nacionalista, mais ou menos a favor da Nicarágua, as posições da esquerda brasileira sobre o país são vergonhosas, pois são embasadas apenas na propaganda imperialista. Por mais que o governo nicaraguense tenha fortes contradições, sua política seria amplamente de agrado para uma esquerda moderadamente reformista e identitária, como o PSOL.
O governo reduziu a pobreza de 48% para 24%, a extrema pobreza de 17% para 7%; é o 5º colocado mundial em equidade de gênero (1º na América); expandiu as redes públicas de saúde e educação; reduziu a mortalidade materna em 70% e a infantil em 60%; ampliou o programa de merendas escolares, de eletrização (com 70% de energia renovável), de saneamento, de moradias populares e de reforma agrária e urbana; atingiu 92% de soberania alimentar; financiou o esporte; realizou políticas a favor das culturas indígena e negra; entre outras coisas. (La Voz del Sandinismo)
Os defensores do “empoderamento” da mulher, que dizem ser “progresso” o aumento de mulheres como Joice Hasselmann e Janaína Paschoal na política, atacam o governo com mais equidade de gênero do continente americano; os identitários, que suspostamente defendem os indígenas e negros, atacam um governo que realmente promove políticas a favor destes grupos; os ecologistas atacam o governo que eletrificou o país com 70% de energia renovável.
Se bem que Ortega tenha várias contradições, a posição correta de um partido de esquerda seria defender o governo contra as invasões imperialistas em nome da autodeterminação dos povos e, através da luta contra a direita, pressioná-lo a ser mais radical na sua luta contra o imperialismo, aprofundando as reformas e chamando a mobilização dos trabalhadores.
No entanto, o posicionamento da esquerda oportunista mostra que a luta por princípios foi abandonada. A “defesa” da mulher, do negro, do indígena e da natureza só serve quando esta campanha é levantada pelo o imperialismo. A posição de atacar o Talibã, quando o grupo acabou com uma guerra sangrenta e uma ocupação militar de mais de 20 anos, vai nesse sentido. A campanha contra Ortega também.
Por outro lado, também serve para defender criminosos de guerra, como o atual presidente dos EUA, Joe Biden. Durante as eleições de 2020, a esquerda “esqueceu” todo o histórico assassino do carniceiro, ex-vice de Barack Obama, e passou a defendê-lo como “mal menor” e a elogiá-lo pelas suas políticas identitárias, supostamente a favor da mulher, do negro e dos LGBTs.
A ofensiva norte-americana se aprofunda
No entanto, o governo Biden, tão comemorado por essa esquerda, mostra que não brinca em serviço e se encaminha para ser o governo mais imperialista dos últimos tempos nos EUA.
Em relação à Nicarágua, está tentando fortalecer a oposição golpista para derrubar o governo. Com isso, unificou os partidos Republicano e Democrata no Congresso, que aprovaram (e Biden sancionou), na quarta-feira, 10 de novembro, a “Lei de Fortalecimento da Adesão da Nicarágua às Condições para a Reforma Eleitoral de 2021”. A lei impôs sanções a Ortega e restringe empréstimos bancários ao governo.
Em Cuba, desde que Biden chegou ao poder, dois protestos já foram registrados na Ilha com a tentativa de derrubar o governo de Miguel Díaz-Canel. Na Venezuela, os mercenários colombianos e venezuelanos, organizados pelo governo da Colômbia (títere dos EUA), aumentaram os atentados contra o governo Maduro.
Como parte da política de desestabilização dos regimes de esquerda, às vésperas das eleições nicaraguenses, o Facebook deletou milhares de contas de ativistas e jornalistas pró-sandinistas, segundo reportagem do Mint Press News. A mesma situação ocorreu no Twitter, segundo o jornalista Ben Norton. Nas redes sociais, Norton também denunciou que, no mesmo período, o Twitter suspendeu a conta oficial do programa venezuelano “Con el Mazo Dando”, o mais popular programa chavista do mundo, apresentado pelo segundo homem do chavismo na Venezuela, o deputado Diosdado Cabello (PSUV).
A esquerda foi censurada num momento chave da política latino-americana com base na campanha contra as chamadas “fake news” (notícias falsas). Essa campanha começou atingindo a extrema direita, como o ex-presidente Donald Trump (EUA) e o bolsonarismo, e foi amplamente defendida pela maioria da esquerda, que, sem princípios, passou a apoiar a censura dos inimigos, contra a liberdade de expressão. Os acontecimentos recentes, porém, comprovam que a principal vítima desta política é justamente a esquerda.
Enquanto isso, o chefe da política imperialista norte-americana, Blinken, já sinaliza que os EUA vão começar a interferir com mais força na África, ao mesmo tempo que Washington aumenta o tom contra China, Rússia e seus aliados na Europa e na Ásia. A política de Biden - “grande democrata”, segundo a esquerda - é de aumentar a ofensiva contra as colônias. Por isso, a esquerda brasileira, ao não defender a Nicarágua e os outros regimes nacionalistas, está dando um tiro no próprio pé, pois o Brasil é central para a dominação política do imperialismo.
*Mudança: originalmente estava escrito "[...] o instituto que emprega o Guilherme Boulos, o IREE, também é financiado pela NED e pela Global Americans, outra organização fachada da CIA"
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