Impeachment: a obsessão dos perdedores

Pode-se fazer uma lista das “pedaladas” de Fernando Henrique Cardoso, mas era um momento em que o patrimonialismo brasileiro vivia em harmonia

Pode-se fazer uma lista das “pedaladas” de Fernando Henrique Cardoso, mas era um momento em que o patrimonialismo brasileiro vivia em harmonia
Pode-se fazer uma lista das “pedaladas” de Fernando Henrique Cardoso, mas era um momento em que o patrimonialismo brasileiro vivia em harmonia (Foto: Miguel do Rosário)


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Com esse novo ataque pelo impeachment, baseado nas “pedaladas fiscais” do governo em 2014, vale a pena especularmos um pouco sobre o tema, sobre essa obsessão de setores das elites em burlar o sufrágio universal, tentando obter o poder via subterfúgios que não a vitória eleitoral.

É o que chamamos, popularmente, de golpe, e esse comportamento tem raízes históricas profundas.

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Além disso, há tempos está claro que o golpe, dessa vez, vem do judiciário, onde a direita tem maioria, e onde a mídia de opinião goza de fortíssima influência.

Os juízes não ligam para o que o povo pensa. Mas ficam aterrorizados com o que escreverá um colunista de grande jornal, porque o ambiente que frequentam, as vernissages, os saguões dos aeroportos, os restaurantes finos, são frequentados por gente que acredita nos jornalões.

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Não deveriam se importar, se fossem genuinamente democráticos, ainda mais depois da pesquisa da USP sobre os marchadeiros, que revelou o incrível nível de anafalbetismo da maioria das pessoas que deseja o impeachment da presidenta.

Mas se importam, e não são tão democráticos.

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A redemocratização permitiu a renovação do legislativo e do Executivo.

O Judiciário, não.

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Num primeiro momento, pensamos que a renovação geracional promoveria mudanças no Judiciário. Ingenuidade nossa. Entraram jovens, mas com mentalidade dos velhos. Trouxeram a intrepidez da juventude, que é uma coisa biológica, mas em termos de ideias, vieram com o autoritarismo da geração anterior.

O próprio sistema de seleção de juízes, alguém me explicou, realizado com apoio de entrevistas feitas por magistrados que dão aulas nas universidades, fazem com que eles escolham os jovens com o perfil mais conservador. Há pouquíssima pluralidade política no Judiciário.

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O patrimonialismo se transformou e assumiu a função de força de classe, uma função que sempre teve, mas era disfarçada por interesses mais propriamente oligárquicos e familiares do que de classe.

Querem um exemplo?

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Ontem, o ministro Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) saiu tagarelando na imprensa sobre as tais pedaladas fiscais da Dilma.

É incrível a despreocupação desses juízes com a estabilidade política no país. Questões políticas devem ser discutidas no congresso. E julgamentos devem ser discutidos nos autos. Jamais na imprensa.

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Nardes praticamente ameaçou Dilma.

“Poderá, sim, ser responsabilizada a presidente, se ficar comprovado. Vai depender do relator e dos depoimentos dos 17 ministros e autoridades envolvidos”, declarou o ministro.

Foram duas ameaças.

Nardes também é relator das contas de Dilma em 2014, e afirmou que pretende usar as “pedaladas fiscais” em sua análise, prevista para o dia 17 de junho.

E afirma que os “recursos apresentados pelo TCU” são “manobras para tentar adiar a decisão do tribunal”.

Por aí vemos o autoritarismo do judiciário mesclar-se ao ativismo judicial e se transformar num monstro.

É um mundo onde somente a acusação tem razão.

Recursos, defesa, democracia, presunção da inocência, são sistematicamente atacados e ridicularizados.

Recursos, um instrumento milenar de defesa contra qualquer acusação, com origem no Direito Romando da Antiguidade, vira “manobra”.

E aí Augusto Nardes, um homem formado na ditadura, deputado pela Arena e, em seguida, pelo PDS, substitui os militares insubordinados de 64 e ajuda a alimentar a besta do golpismo.

Dilma foi a presidenta mais bem comportada da nossa história, em termos fiscais.

O que chamam de “pedalada fiscal”? Banco do Brasil e Caixa, bancos públicos, pagaram benefícios fiscais como Bolsa Família antes de receberem os recursos do governo federal. Mas o governo os pagou alguns dias depois, com os devidos juros.

Desde a redemocratização, os presidentes fizeram coisas muito piores, e não era para pagar bolsa família. FHC, então, pintou e bordou. Ao segurar a desvalorização cambial antes da eleição, FHC praticamente secou nossas reservas internacionais.

Pode-se fazer uma lista das “pedaladas” de Fernando Henrique Cardoso, mas era um momento em que o patrimonialismo brasileiro vivia em harmonia. Os ministros do TCU eram companheiros de família e mesa do governo. A mesma coisa vale para a mídia, amiga e irmã de um governo aliado.

O povo? O povo se danava com o pior desemprego em décadas.

As contas públicas nunca estiveram tão arrasadas. Não tínhamos reservas internacionais. Estávamos ajoelhados diante do FMI.

A inflação voltava e os salários, à diferença de hoje, não aumentavam. A Polícia Federal mantinha-se completamente manietada pela falta de recursos e mão-de-obra.

O Ministério Público ainda era o MP de um passado que hoje parece remoto: sem verbas, sem autonomia, onde os processos contra gente no poder eram sistematicamente engavetados.

E agora, Dilma, a bem comportada, que manteve a inflação dentro da meta durante seus quatro anos de governo, que conseguiu realizar as metas fiscais sem comprometer nenhum gasto social (ao contrário, ampliou despesas em saúde, educação e assistência social), que permitiu uma investigação sobre o próprio governo e partidos governistas como nunca tínhamos visto, é ela que vai sofrer impeachment?

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