Imbrocháveis são os poderes do povo
O verbo “brochar”, excetuando-se sua conotação sexual, também pode ser compreendido como o ato de perder o entusiasmo, desanimar
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No dia em que o Brasil comemorava os 200 anos da sua Independência, a República testemunhou um dos acontecimentos mais grotescos de toda sua história. Do alto dos palanques bancados com dinheiro público, o mandatário da nação incentivou seus seguidores a gritar: “imbrochável”, “imbrochável”. Se mais atentos estivéssemos, poderíamos até ter escutado o Brasil dizer baixinho, quase num sussurro: “isso nunca me aconteceu antes”. Dizem, inclusive, que o coração de Dom Pedro I estremeceu no formol que o abriga.
Como bizarrice pouca é bobagem, o Presidente de Portugal foi escanteado, e no lugar que deveria ocupar no palanque em Brasília havia uma conhecida figura abjeta que também “representava” os demais poderes da República e, parafraseando Jamelão, demonstrava estar mais feliz que papagaio no lixo. Em conversa com meus surrados botões, pergunto se vendo aquele show de horrores, aqueles que defenderam e impulsionaram a falácia da “escolha difícil” e que ainda se debatem em favor da natimorta terceira via, enquanto os corvos que criaram lhes roem os olhos, estão satisfeitos com o que fizeram a esse país. E meus velhos botões, cansados que estão, recorrem ao seu direito constitucional de permanecerem em silêncio.
Em Copacabana, diferentemente dos meus botões, as pessoas pretas e periféricas que passaram no ônibus que cruzou com a motociata do candidato, o vaiaram a plenos pulmões. Menos de dez minutos depois, o ônibus é parado. Os jovens que vaiaram são retirados do veículo e revistados pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, sempre atenta ao cumprimento da ordem e ao bem-estar da população carioca. Indiferente a tudo isso, o Presidente seguiu para mais um comício bancado com o dinheiro suado de muitas das pessoas que estavam naquele ônibus, sendo que dessa vez o comício estava disfarçado de comemoração alusiva aos 200 anos de uma independência que nunca veio, haja vista os meninos pobres e negros postos de cara na parede para revista policial. Mais simbólico impossível.
Na seara do simbólico, também se faz necessário questionar qual é a necessidade que um homem branco, poderoso, rico e autoritário tem de gritar aos quatro ventos que é “imbrochável”. A afirmação de tamanha asneira diz muito do que esse tipo de homem é na realidade. Provavelmente diga o contrário, tendo em vista que naquela idade “brochar” é uma das coisas mais comuns na vida de qualquer homem. Às vezes, o autoengano, para determinadas pessoas, é o único fio que as mantém em consonância com o real. É o que faz com que consigam suportar o vazio de suas existências.
O verbo “brochar”, excetuando-se sua conotação sexual, também pode ser compreendido como o ato de perder o entusiasmo, desanimar. Assim sendo, se há alguém que pode ser considerado “imbrochável” nesse país são o senhor Antonio e a dona Marilac, por exemplo. São pessoas como eles, que acordam às quatro, cinco horas da manhã e bebem um café ralo, que os manterá de pé durante boa parte do dia. O sol ainda nem saiu e pessoas como eles tomam uma condução lotada e trabalham como “burros de carga”, para que uma minoria privilegiada esbanje o dinheiro que pagam em impostos, com comícios, motociatas e um apanhado de inutilidades. E se exteriorizam sua insatisfação vão para o muro, para a revista policial, como se bandidos fossem.
São esses homens e essas mulheres que são “imbrocháveis”, pois não esmorecem, nunca desanimam e jamais perdem o tesão pelo país que lhes cospe na cara e lhes vira as costas. Imbrocháveis mesmo são os poderes do povo. E dentre tantos poderes, o mais forte talvez seja o direito de votar e escolher líderes que os enxerguem como gente, cidadãos, sujeitos indispensáveis na reconstrução de um país que segue sem rumo. Iluda-se quem quiser, mas imbrochável mesmo é o povo brasileiro.
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