Homem negro, de 32 anos...
"Robson não tem nome. Nem no post reproduzido pelos deputados", indica
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A imagem de um “homem negro”, preso, amarrado e arrastado por dois policiais militares, comoveu o país. Viralizou nas redes sociais e ganhou as páginas de jornais desde domingo (04/06), quando o fato aconteceu na Vila Mariana, reduto boêmio de São Paulo.
As notícias dão conta de que ele –, preso juntamente com outros dois, que não se pode garantir, estivessem em sua companhia, enquanto roubavam num supermercado produtos avaliados em R$ 500,00 -, é suspeito de furtar duas caixas de bombons.
Sua prisão se deu numa unidade de Pronto-atendimento (UPA). Ao ser detido o “homem negro” gritava de dor, enquanto a cena era filmada pelo celular de uma testemunha.
Tão logo foi postada, mostrando a prisão efetuada sob método semelhante ao dos negros fugidos dos engenhos, na escravidão, provocou protestos justificados. E ao parar nas páginas dos noticiosos, mobilizou internautas, instituições e políticos militantes ou não da causa do povo preto.
Entidades não governamentais anunciaram que vão pedir uma ação civil pública contra o Estado de São Paulo “por ato de tortura contra pessoa em situação de rua, no valor de R$ 500 milhões”.
Desde domingo, no entanto, (hoje já é quinta-feira 08/06), a maior parte das notícias o trata da mesma forma: “um homem negro, de 32 anos” (As exceções ficaram com o 247, e o Metrópoles).
Fosse um branco de classe média já teria o perfil esquadrinhado: o nome do pai, da mãe, a universidade onde estuda, o que fazia, como estava vestido no momento da prisão...
O indivíduo em questão, identificado como Robson Rodrigo Francisco, de 32 anos, teve sua prisão em flagrante convertida em prisão preventiva. A juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que atuou no caso levou em consideração o fato de que o acusado já cumpria pena em regime aberto por roubo, além de não possuir emprego ou residência fixa, concluindo que sua liberdade resultaria em uma alta probabilidade de reincidência.
A magistrada ainda refletiu sobre “a segurança da sociedade diante da soltura de criminosos condenados por delitos graves, muitas vezes com violência contra a pessoa, e que cumprem apenas uma pequena parte de suas penas. Desconsiderou as denúncias de tortura, anotando: “não existem elementos que indiquem a ocorrência de tortura, maus-tratos ou violações dos direitos constitucionais do detido.” A decisão foi proferida durante a audiência de custódia realizada na segunda-feira (5) e obtida pelo portal Metrópoles.
Para a juíza, Robson, um “suspeito”, está pronto para reincidir. Para a mídia, o “homem negro, 32 anos”, é alguém em situação de rua. Para os políticos e entidades não-governamentais, ele é um discurso contundente, necessário, mas que se sobrepõe à sua identidade e à sua condição de indigente. Robson não tem nome. Nem no post reproduzido pelos deputados.
Apesar de apenas suspeito, Robson foi torturado. Preto, sem endereço, apenas a “rua” – como se a rua fosse qualificação ou endereço -, quatro dias depois ele segue sendo o “homem negro, de 32 anos”.
Houve um boletim de ocorrência, onde certamente ele foi identificado, mas Robson continua recebendo o tratamento de: “homem negro de 32 anos”. Toda a parte oficial está devidamente identificada, divulgada e descrita. A Lei tem lá o seu espaço. Robson continua indigente.
É possível que ele tenha, sim, roubado as duas caixas de bombons para aplacar a fome, ou a larica. É possível, também, que nos seus 32 anos de “homem negro” ele jamais tenha tido a chance de receber uma caixa de bombons, abri-la e ter a sensação escolher entre os vários sabores – se for a da Garoto -, ou se maravilhar com a cor entre o rosa e o violeta de um bombom “sonho de valsa”.
É possível, ainda, que Robson nunca tenha tido sonhos, e tampouco tenha escutado uma valsa. Robson dançou. O ritmo da rua não lhe permite ter nem sequer um nome. Quatro dias depois de ser preso e autuado ele segue sendo “homem negro, de 32 anos”.
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