Hipocrisia ajuda Cunha

"É preciso muito fingimento para reclamar das ameaças de chantagem de Eduardo Cunha", afirma Paulo Moreira Leite, colunista do 247; "Tratado como uma criança mimada no momento em que tinha utilidade para executar Dilma Rousseff, ele não fez outra coisa desde dezembro de 2015, quando o Ministério Público apresentou uma primeira denúncia ao STF. Num país onde as garantias democráticas foram abandonadas pela criminalização das disputas políticas, o regime democrático tornou-se terreno fértil para a ação de aventureiros e o lamento dos hipócritas", ressalta o jornalista

Bras�lia - Presidente da C�mara, Eduardo Cunha, fala da decis�o do ministro STF, Marco Aur�lio Mello, de obrigar a instalar comiss�o para impeachment de Michel Temer (Valter Campanato/Ag�ncia Brasil)
Bras�lia - Presidente da C�mara, Eduardo Cunha, fala da decis�o do ministro STF, Marco Aur�lio Mello, de obrigar a instalar comiss�o para impeachment de Michel Temer (Valter Campanato/Ag�ncia Brasil) (Foto: Paulo Moreira Leite)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Convém não exagerar na hipocrisia para se declarar surpreso com a notícia de que Eduardo Cunha decidiu cometer uma chantagem contra Michel Temer para garantir a própria sobrevivência.  

Sempre com apostas altas, Cunha não faz outra coisa desde que se tornou presidente da Câmara, na abertura do ano legislativo de 2015. Em agosto daquele ano, o PGR Rodrigo Janot protocolou a primeira denúncia contra ele no STF.  Na  época, o alvo da chantagem era Dilma. Mesmo pressionado por aliados políticos naturais, como o PSDB, o DEM, a bancada evangélica e a maioria do PMDB,   o então presidente da Câmara caprichou na encenação mas jamais apertou o gatilho. Só mudou de atitude em dezembro de 2015, quando Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores, anunciou que a legenda iria dar seus três votos contra Cunha no Conselho de Ética.

A mesma operação repete-se agora.  Convencido, corretamente, que Michel Temer lhe deve a presidência, Cunha não desistiu de escapar do julgamento em plenário  e ameaça explodir a coalizão que assumiu o Planalto com uma delação ampla, geral e irrestrita.

continua após o anúncio

A má vontade do novo governo e seus aliados para avançar nas investigações contra Cunha é uma dessas evidências óbvias do jogo político brasileiro. Ajuda a confirmar a tese apontada pelo colunista Celso Rocha de Barros, para quem a população que foi a rua pedir o afastamento de Dilma com base em alegações de conteúdo moral  precisa resolver "quem estava entre os bêbados e quem estava entre os cínicos." (Folha de S. Paulo, 15/8/2016).

Levar Cunha para o cadafalso é uma forma de dar credibilidade ao espetáculo  do impeachment de Dilma, com base numa acusação ("pedaladas fiscais") que envolve uma imagem jornalística que nem é caracterizada como crime.

continua após o anúncio

Numa conjuntura em que as denúncias crescem como cogumelos no ministério de Temer, permitir que o ex-presidente da Câmara permaneça à solta, é escandaloso demais, pois confirma aquilo que sempre se soube e sempre se tenta esconder: a seletividade estrutural das denúncias contra corrupção.  

Este é o problema:  não há voto fácil contra Cunha. Será preciso reunir a maioria absoluta – 257 votos – num plenário em que ele próprio admitiu ter sustentado 260 cabeças. Mesmo lembrando que alianças políticas não são eternas, cabe lembrar que traições, nesse terreno, costumam ter efeito venenoso, corrosivo – sem controle e sem limites. "Michel é Cunha," sintetizou Romero Jucá, na memorável conversa gravada pelo senador Sérgio Machado.

continua após o anúncio

Vivemos uma situação em que é preciso distinguir o principal do secundário, o certo do errado. O problema de Cunha é escapar da lei. Como fiador da nova ordem, fará o que estiver a seu alcance, sem remorso nem dor na consciência. Sua experiência é didática como parábolas infantis. Quem teve apoio absoluto para derrubar uma presidente eleita por 54 milhões de eleitores apenas para escapar das autoridades policiais está destinado a se transformar num predador feroz, que sempre terá dificuldade para conhecer os próprios limites.

O problema dos brasileiros é outro. A partir do momento em que as garantias democráticas foram substituídas pela criminalização da vida pública, o  regime nascido após a derrota da ditadura militar  tornou-se alvo de aventureiros e criminosos. Ou bêbados e cínicos. Nenhum destes males, contudo, pode ser combatido com hipocrisia.

continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247