Hidroelétricas, Política, enchente do Madeira e problemas

Dando sinais esperançosos de uma possível tranquilidade, o Rio Madeira começa a recolher suas fortes e fartas águas, mas não de maneira impune e nem sem infligir sequelas dolorosas aos nativos



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1. Política, energia e vergonha

O Rio Madeira, perdido em curvas sinuosas lá pelas remotas bandas da Amazônia Ocidental, mudou de humor. Depois de demonstrar ao mundo parte de sua fúria e de seu descontentamento com a forma pouco elegante com que tem sido tratado por sucessivos governantes, tende a recolher suas águas de forma lenta e progressiva. Isso não quer dizer haver sido expedido um perdão tácito, pelo majestoso Madeira, aos agressores bípedes de todos os escalões. Alguns números dessa ira, é bom reconhecer, assustam. No dia 3 de fevereiro, por exemplo, a vazão de água chegou a 38.315,68m³/s, em uma coluna de água barrenta e pesada superior a 19m de altura... acima do seu leito dito "normal". Alguém consegue ter noção do que isso significa de força, de estrago e de capacidade de erosão de margens?? Toda essa massa aquífera em andamento empurrando tudo pela frente???

2. Culpa é culpa

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De cima de minha ignorância, e devo admitir não ser pouca, estou convencido de que o volume de água a deslizar pelo Madeira em frente aos meus olhos nada tem a ver com as hidroelétricas em construção. Desgelo andino, desmatamento, chuvas na bacia boliviana e amazônica ficam com a culpa do pequeno dilúvio em marcha. No entanto, não há como negar a mudança do perfil do Rio com essas obras gigantescas. Simplesmente, mudou! Entre outros, salta aos olhos o aumento forte da velocidade das águas e isso, caso eu não esteja profundamente enganado, provoca uma forte erosão nas margens. Trata-se de um rio novo e em formação, mas a erosão "incentivada" dos últimos 3 anos adiantou um lento e paciente trabalho de 100 anos do Madeira.

3. Reconstrução estratégica

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Dando sinais esperançosos de uma possível tranquilidade, o Rio começa a recolher suas fortes e fartas águas. No entanto, não o fará de maneira impune e nem sem infligir sequelas dolorosas aos nativos. Ao partir, as águas deixarão um legado de carências a ser carregado por, pelo menos, três anos. Estradas destruídas, casas arrasadas, plantações varridas, prejuízos fartamente espalhados entre aqueles que pouco têm. A lama criará um cenário de caos, e os vetores de doenças, como mosquitos, ratos, aranhas, escorpiões, cobras e demais animais nada sociáveis, multiplicar-se-ão aos quilos. A pouca educação e formação de nossa gente mais simples agrava o quadro, pois a ingestão de água contaminada, ou apenas o contato com ela, é suficiente para o deflagrar desses processos insalubres.

4. Erro grosseiro ou irresponsabilidade?

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As perguntas inconvenientes não param de zanzar pela mente dos mortais locais. Quem irá pagar pelos prejuízos? Quando irá pagar? De que forma serão feitas as ações e quem será envolvido nesse processo? Os recursos destinados à compensação e mitigação foram adequados? Por exemplo, a contenção da margem direita do Rio Madeira é um exemplo claro de serviço porco e de baixíssima qualidade. Uma contenção de pedras ridícula com a presunção de domar um gigante. Afinal, que dito-cujo engenheiro aprova esse tipo de obra preventiva?? Era necessário fazer uma proteção de margens muito mais alta, muito mais forte e por muitos quilômetros após as duas hidroelétricas. A quantidade de rochas retiradas para as fundações dos empreendimentos, em número suficiente para encher vários Maracanãs, deveriam ser todas usadas para a contenção das margens. Se não suprissem a demanda, deveriam buscar mais e assim fazerem algo de acordo com o merecimento deste povo local.

5. Indo para um contexto nacional

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Nada é por acaso. Assim, ao olharmos o quadro nacional, há que se ter em mente um crescimento médio de consumo de energia para os próximos dez anos de 4,3% (dados da EPE - Empresa de Pesquisa Energética). Conforme relatório da ANEEL, datado de dezembro de 2013, o Brasil possui hoje um parque gerador de energia instalada de 126.754.659 KW. Desse total, 67,9% é de produção hídrica; a produção térmica é 28,8%; termonuclear, 1,6%; eólica, 1,7%; solar é residual. É bom lembrar que "fabricar" energia produz despesa e implica diretamente no custo do desenvolvimento do país. A energia produzida no Brasil é 25% mais cara do que aquela produzida na França, por exemplo, onde o modelo é, majoritariamente, termonuclear (entendeu os desdobramentos?). Se a opção não for o retorno ao lampião, teremos que achar alternativas para a produção de energia. O Brasil, é fato, ainda tem espaço para a exploração hídrica. Não obstante, surge a pergunta: aprofundamos esse modelo e aperfeiçoamos gargalos ou partimos para a nuclear? Explorar a energia das águas da Amazônia pode ser uma solução (mas não é a única), porém não dá para fazer isso seguindo outros modelos, sem compensações compatíveis e respeito pelo que aqui está. A energia verde tem servido, ao longo de décadas, para desenvolver o Brasil distante. Somos, cada vez mais, parte das macro soluções e, a meu ver, devemos entrar no processo de forma mais integrada. A Amazônia não é quintal das grandes empreiteiras ou reserva estratégica do Sul/ Sudeste. A relação deve e necessita ser outra. Nessa direção e dentro de tal ótica, o peso político da Região Norte em Brasília, e a sua credibilidade moral, é que construirão e consolidarão o futuro dos estados amazônicos.

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