Haddad, Ciro, Boulos e os rumos dos progressistas
"Haddad, Ciro e Boulos estão politicamente encrencados. Como candidatos presidenciais, projetaram liderança e poder no plano nacional e se tornaram os políticos mais relevantes de suas respectivas agremiações. Mas, nos próximos anos, poderão ver essa liderança e esse poder erodirem aos poucos por não deterem as condições e os meios adequados para alimentar e ampliar poder e liderança", diz o professor Aldo Fornazieri
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Haddad, Ciro e Boulos estão politicamente encrencados. Como candidatos presidenciais, projetaram liderança e poder no plano nacional e se tornaram os políticos mais relevantes de suas respectivas agremiações. Mas, nos próximos anos, poderão ver essa liderança e esse poder erodirem aos poucos por não deterem as condições e os meios adequados para alimentar e ampliar poder e liderança.
Liderança, poder e até mesmo votos não são ativos estocáveis que de quando em quando se pode retirá-los dos depósitos. Eles dependem de uma relação permanente dos líderes para com os liderados firmando os vínculos de fidelidade mútua, atualizando as pautas, as propostas e os programas e renovando as esperanças. Somente líderes que já realizaram feitos extraordinários podem correr o risco de ausentar-se temporariamente para depois ressurgirem triunfantes.
Se o PT, o PDT e o PSol fossem partidos sensatos, que projetassem o futuro em perspectiva, olhando para o todo e para os desafios que o campo progressista tem pela frente, convocariam congressos partidários, renovariam os seus programas e suas direções, estabeleceriam metas de reorganização e renovação e entregariam a presidência para Haddad, Ciro e Boulos. Se estes últimos forem prudentes, corajosos e virtuosos devem construir caminhos que os levem à presidência de seus partidos, tanto para ampliar suas lideranças e introduzirem as inovações necessárias nas organizações partidárias, quanto para exercer uma oposição qualificada e dura ao governo Bolsonaro.
Não se trata apenas disso, evidentemente. Um político que aspira ao poder do Estado não pode negligenciar as questões centrais da liderança. Ou seja, ele precisa constituir o máximo de força organizada possível sob seu comando. Isto quer dizer que ele precisa tornar-se chefe, líder maior do seu partido ou do seu movimento. Quem não alcança esta condição enfrentará eternas dificuldades pelo caminho. A condição absoluta do êxito político de um líder consiste em dispor de força organizada fiel, capaz de garantir-lhe autonomia nas decisões políticas ou de Estado. No caso do Brasil, esta exigência é duplamente necessária: 1) pelo caráter frágil e gelatinoso dos partidos; 2) pela fragmentação partidária que dificulta a constituição de centros de poder decisório nas mãos de um líder ou de um partido.
Falando praticamente: se Haddad, Ciro e Boulos não se tornarem chefes supremos de seus partidos, com o apoio majoritário das forças internas, não terão autonomia decisória e dependerão da vontade de outros. Quanto mais um líder depender da vontade de terceiros, mais fraca será sua liderança. Admitindo-se a hipótese de que os três possam resolver o problema da liderança interna, terão que resolver o problema da liderança externa, em dupla direção: a) agregando um conjunto de outras forças políticas e sociais organizadas em torno de si e do partido; b) expandir liderança e reputação na sociedade, ganhando a confiança e a fidelidade de amplos setores sociais.
Para alcançar estas condições, os líderes precisam dispor de poderosos meios de poder. No caso, o principal meio de poder é o partido político. Mas devem articular grupos, sindicatos, movimentos sociais etc. O exercício do poder do líder deve contar com um estado-maior dirigente, competente e eficaz, constituído pelas pessoas mais capazes de que o líder pode dispor. Neste ponto, os políticos brasileiros, incluindo os partidos de esquerda e progressistas, são extremamente negligentes: se cercam de pessoas medíocres, burocratas e serviçais, que criam uma redoma em torno do líder, gerando um poder travado, fechado em si mesmo. Poderes fechados por burocratas tornam medíocres os próprios líderes, banalizando a sua liderança, apequenando-a. Os partidos e os líderes contemporâneos, na era da internet e das redes sociais, precisam modernizar-se, abrir-se, tornar-se acessíveis às pessoas é à sociedade.
Haddad, Ciro e Boulos precisam decidir se querem dar um passo em frente ou dois passos atrás. Em tese, Haddad teria mais facilidade em tornar-se presidente do PT. Para isto, teria que convencer-se e convencer o partido. As correntes internas do PT teriam que ter a compreensão de que o partido só teria a ganhar com a presidência de Haddad.
Já, Ciro Gomes, precisa mudar de rumo em sua carreira política. Precisa parar de trocar de partido, assumir o PDT como seu partido, presidi-lo, reorganizá-lo, abri-lo à sociedade e aos jovens e às mulheres, enfim, modernizá-lo. Sob o comando de Carlos Lupi, o PDT apresenta uma estrutura anacrônica, enferrujada, bloqueadora das próprias potências e possibilidades expressas pela campanha de Ciro.
Depois de lançar-se candidato a presidente, Guilherme Boulos dará mais do que dois passos atrás se voltar a ser líder do MTST e não líder e presidente do PSol. A candidatura de Boulos só terá um sentido futuro se ele se construir enquanto um líder político-partidário. Caso contrário, terá sido um desperdício.
Os partidos progressistas e de esquerda apresentam um momento de desorientação ante a vitória de Bolsonaro. Não conseguem perceber que sua tarefa urgente é a de sua reorganização, de sua renovação e de sua conexão com os setores que podem garantir-lhe força organizada - as periferias, as mulheres, os jovens, os negros, os trabalhadores, os pobres e os desempregados. A rigor, as esquerdas perderam as periferias das grandes cidades do centro-sul do Brasil.
Os progressistas e as esquerdas precisam fazer um diagnóstico e uma caracterização corretos do governo Bolsonaro. Não se trata de um governo fascista ou neofascista. Se virá a ser isto ou aquilo é uma questão de futuro. Trata-se de um governo de extrema-direita. Nem Bolsonaro e nem o PSL se autodefinem como fascistas. Um governo fascista requer, além de um líder fascista, um partido ou movimento fascista e uma ideologia coerente e claramente fascista. Ademais, os movimentos e partidos fascistas tendem a constituir, manter ou ampliar poder através do uso da violência sistemática. São agrupamentos de enfrentamento. Abordar o governo Bolsonaro nas periferias ou junto aos trabalhadores como um governo fascista consistiria em falar para as pedras das calçadas, pois seria algo incompreensível.
O governo Bolsonaro precisa ser combatido no conteúdo concreto de suas propostas, de seu programa e de suas medidas. Precisa ser enfrentado e contido sempre que violar direitos e liberdades. Propor a formação de uma frente antifascista é algo estéril. As bancadas progressistas e de esquerda podem e devem formar uma frente democrática no Congresso para defender as liberdades, os direitos e um programa condizente com aquilo que as candidaturas defenderam na campanha. A mesma frente democrática pode e deve ter uma expressão social, nos movimentos, nos sindicatos, nas ruas.
Chega a ser infantil, para não dizer imbecil, querer fazer um terceiro turno das eleições com uma frente antifascista. A frente antifascista tem cheiro de "não passarão", "fora Temer", "nenhum direito a menos", "Lula livre", palavras de ordem pretensamente combativas, que escondiam a incapacidade de ir para as ruas, e se que traduziram em dolorosas derrotas. O enfrentamento precisa ser feito, sem dúvida. Mas é preciso reorganizar e renovar, preparar força para as eleições municipais de 2020.
As esquerdas e os progressistas têm uma presença débil nas prefeituras e nas câmaras municipais. Ou se reorganizam e se preparam ou colherão novas derrotas. As eleições municipais serão o momento de testar uma maior unidade progressista, pois uma frente eleitoral progressista e de esquerda ou surgirá das bases ou não surgirá, pois as direções partidárias se orientam pela lógica particularista de seus interesses.
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