“Há dias que são noite” ou quem dá golpes é a direita

Eu não imaginei que viveria um Golpe de Estado, nem o ressurgimento do fascismo que o olavobolsonarismo representa

Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Conselho Nacional de Justiça em Brasília 30/08/2022
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Conselho Nacional de Justiça em Brasília 30/08/2022 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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Pedro Benedito Maciel Neto

Há uma frase que eu ouvi muitas vezes de um freguês do meu pai, o “seo” Jarbas. Quando ele estava profundamente irritado, ele não fazia nenhuma questão de disfarçar o mau humor e dizia repetidamente: “há dias que são noites”.

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Meu pai foi um pequeno comerciante, começou nas feiras livres. 

A palavra “feira” tem origem na palavra em latim feria, que significa "dia santo ou feriado”, tanto que a palavra ‘freguês’, usada para tratamento dos consumidores de feira livre, originou-se também do latim filiu ecclesiae que significa “filhos da igreja”.

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Costumo ir à feira do Cambuí, gosto de observar aqueles fregueses que pechincham apenas pelo prazer de fazê-lo; também me chama a atenção aqueles fregueses e feirantes que criam laços de afetividade, isso sustenta a tradição de ir à feira toda semana; gosto de comer pastel de queijo e tomar caçulinha; além de observar o colorido e a variedade dos produtos ali encontrados; gosto dos aromas e dos sorrisos.

Meu pai começou a trabalhar na feira aos doze anos, mas teve a sorte de ter ao seu lado pessoas generosas, as quais o ajudavam.

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Por isso, antes de falar do “seo” Jarbas, vale a pena nominar alguns dos anjos da guarda do meu pai: tinha o Armandão, marido da Dona Thereza, com “têagá” e “z de zabumba”, como ela dizia; o “seo” Toninho, pai do Carlinhos Artioli, advogado e companheiro nos sonhos de um mundo de iguais; o “seo” Mário, ou Maruyama, pai do Kazuo, meu colega de turma e companheiro no conselho da Ponte Preta. Havia ainda o Massaro, de quem meu pai sempre falava.

A vida é assim, cheia de coincidências, a maioria delas são boas, especialmente quando, libertos do medo, estamos dispostos a aceitar a insignificância da nossa existência frente às infinitas possibilidades que o desconhecido se nos apresenta.

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Aliás, as lembranças da minha infância teimam em não ir embora, ao contrário de Casimiro de Abreu, não tenho saudades porque minha a infância vive em mim. 

Voltando ao “seo” Jarbas. Quando eu ouvi a primeira vez a expressão “há dias que são noites”, ele e meu pai conversavam e ele soltou essa pérola. Eu tinha treze anos e não entendi o que significava, por isso perguntei a eles.Ele estava de fato mal-humorado e disse rispidamente: “o Zé explica para você”. O Zé era o meu pai, cujo nome era Rogério José. E foi embora com a sacola cheia, mas bravo com o mundo.Meu pai me explicou que ele estava profundamente descontente com um tal de “Pacote de Abril” e com o golpe que o general-presidente deu na democracia naquele 1977.

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Geisel criou os chamados “senadores biônicos”, para compensar a derrota acachapante que o regime militar sofreu nas eleições de 1974 e 1976.

O Pacote de Abril estabeleceu: o adiamento das eleições indiretas para governadores para 1982; aumentou o colégio eleitoral dos estados menores, onde o partido da ditadura era predominante; criou a campanha eleitoral cuja regra era a apresentação apenas de uma foto ¾ e um resumo do currículo do candidato na TV; e determinou que 1/3 dos senadores seriam indicados pelo Presidente da República, por isso, esses senadores ficaram conhecidos como “senadores biônicos”.

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Esses fatos, de fato tenebrosos, para democratas como o “seo” Jarbas foi motivo de enorme descontentamento e mau-humor transbordante.

Lembrei dessa história e me dei conta que na História do Brasil quem ‘transforma os nossos dias em noites” é esse pessoal do “Deus – Pátria – Família”, fascistas, hipócritas ou ignorantes, que usa o nome de Deus em vão e se reconhecem orgulhosamente “de direita”.

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Não é pecado ser de direita ou de esquerda, mas essa gente, que ficou órfã de representantes e envergonhada pelos crimes cometidos pela ditadura, encontrou no atual presidente da república alguém que vocaliza os seus defeitos e crimes.

Fato é que a nossa república é fruto de um golpe militar patrocinado pela elite agrária vingativa e ressentida, está no DNA dessa gente dar golpes, sempre usando as forças armadas.

Em 1889 Marechal Deodoro, que dizem era um Monarquista, se prestou ao papel de protagonista de um golpe militar que expulsou do país o imperador, sem nenhuma participação popular. 

O golpe ocorreu porque o pessoal do agronegócio da época queria ser indenizado pela coroa em razão da abolição da escravatura. Um absurdo ao qual Dom Pedro não se rendeu. 

Os então ex-proprietários de escravos aderiram à causa republicana, não por causa de algum ideal republicano, mas como "vingança" contra D. Pedro (mais ou menos a mesma motivação que Eduardo Cunha teve ao receber e dar seguimento ao pedido de impeachment de Dilma).

Como de valores democráticos e republicanos não nasceu a nossa república ocorreram muitos outros golpes.

Há o “Golpe de Três de Novembro”, quando Marechal Deodoro, o presidente monarquista, dissolveu congresso e instaurou um estado de sítio; tudo muito “legal”, afinal ele assinou decretos; Deodoro suspendeu a constituição, direitos individuais e políticos; o exército cercou o senado e garantiu ampla e “espontânea” adesão ao golpe... Os “subversivos” foram presos como de praxe, na época não eram chamados de comunistas, petralhas etc. 

Mas não é só.

Vinte dias após o golpe de 3 de novembro, Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo de presidente, diante da reação da marinha brasileira, que ameaçou bombardear a cidade do Rio de Janeiro caso o presidente continuasse no cargo. Essa reação da marinha ficou conhecida como Primeira Revolta da Armada. 

Assumiu o vice, Floriano Peixoto. Como não havia um ano ainda de mandato de Deodoro, a Constituição previa a convocação de novas eleições presidenciais. No entanto, Floriano não convocou as novas eleições e, golpeando a constituição manteve-se presidente, sem votos e sem povo como a elite gosta. 

Mas o golpe de Floriano teve como consequência e ocorreu a Segunda Revolta da Armada e uma série de outros levantes contra o seu governo. Floriano mantendo-se no cargo e assumiu um perfil ditatorial incontestável.

Veio a chamada “Revolução de 1930”, na realidade foi um golpe de caráter civil-militar encabeçado por lideranças dos estados da Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.  Caiu a Primeira República ou República Velha. Assumiu o ditador Vargas.

Veio o “Estado Novo” em 1937, através de mais um golpe de Estado.

Sob um fantasioso risco de uma revolução comunista, oportunistas do Exército e Getúlio, ditador confesso, aprovaram no Congresso Nacional, em setembro de 1937, o Estado de Guerra, suspendendo os direitos constitucionais, fechando o Congresso Nacional e cancelando as eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938. 

Mesmo a deposição de Getúlio Vargas em 1945 deve ser qualificada como golpe, pois os mesmos militares que apoiaram o golpe de 1937 o tiraram o poder, tudo sem participação popular. É verdade que Vargas renunciou, mas o mais correto seria dizer que ele “foi renunciado”. 

Observe-se que o povo e o voto popular é ausente e um inconveniente nesses intermináveis dias que são noites.

De triste memória o Golpe civil-militar de 1964, nasceu em 1950 com a vitória indesejada de Getúlio Vargas nas urnas - indesejada pelas oligarquias de então. E só não aconteceu em 1954 porque Vargas suicidou-se e, transformado em mártir.

O suicídio de Vargas adiou a sanha de poder da direita entreguista e sem voto, mas por apenas dez anos.

Chegamos ao golpe de 2016, muito sofisticado, pois foi revestido de ares de legalidade e de constitucionalidade, legitimado por um acovardado pelo STF. O golpe de 2016, por estar envolvido num véu de legalidade, pode enganar os contemporâneos, mas não iludirá a História. 

Um processo eleitoral de 2018 fraudado por Moro e sua quadrilha, possibilitou a eleição de um fascista até então irrelevante.

Eu não imaginei que viveria um Golpe de Estado, nem o ressurgimento do fascismo que o olavobolsonarismo representa.

Por essas e outras o “seo” Jarbas tem razão: “há dias que são noites”.

Essas são as reflexões. 

 

 

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