Guerra, soberania energética e Amazônia

Os países adiantados estão forçando os atrasados para que cumpram ‘metas ambientais’ que eles próprios não cumprem. Da Amazônia querem apenas as riquezas

(Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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Com a redução dramática do fornecimento de gás russo que, antes da guerra da Ucrânia, abastecia 40% do consumo do produto para o restante do continente europeu, a História apressou o passo. Os governos europeus que estão apoiando o boicote econômico à Rússia têm reclamado que Moscou está utilizando a dependência energética da Europa como arma de guerra. A redução do fornecimento de gás e petróleo seria uma retaliação e forma de pressão, para compensar as sanções que o país vem sofrendo. Mas se trata de uma guerra, na qual a maioria dos países europeus decidiu apoiar o boicote que prejudica fundamentalmente a população russa. Por que a Rússia, que está sofrendo um severo boicote econômico, não usaria o comércio de petróleo e seus derivados, como forma de pressão numa guerra?

Nesse quadro, a Alemanha, cuja dependência do fornecimento de gás da Rússia chega a 49%, anunciou no dia 21.09 a nacionalização da empresa importadora de gás Uniper, a um custo de 8 bilhões de euros. A Uniper, que começou a perder dinheiro comprando energia alternativa para compensar a redução do fluxo do gás russo, já tinha sido socorrida pelo Estado alemão em julho, através de um pacote estatal de 15 bilhões de euros. Mas a medida não resolveu o problema, o que levou o governo a comprar a participação da Fortum (empresa finlandesa) na Uniper. A Fortum teve, no primeiro semestre do ano, um prejuízo de 9,1 bilhões de euros em função das perdas da Uniper. A decisão do governo alemão foi acelerada pelo anúncio da estatal russa de energia Gazprom, no início de setembro, de interrupção do fornecimento total de gás à Alemanha, por tempo indeterminado.

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O caso da Alemanha talvez seja o mais visível, por se tratar da maior economia e o que tem a segunda maior população do continente (81 milhões). Mas a dependência da Europa do fornecimento de gás russo é geral, chegando no caso de alguns países a 100%. A Finlândia, por exemplo, tem 94% de seu abastecimento de gás natural dependente da Rússia, Itália, quarto PIB da Europa, depende em 46% do gás da Rússia. Alguns países menores, como Macedônia do Norte, dependem em 100% do fornecimento da Rússia. E assim por diante.

Com a aproximação do inverno no hemisfério norte, crescem as preocupações com o aquecimento das casas, que dependem muito do fornecimento de gás da Rússia. Em muitos países as temperaturas caem frequentemente para menos de zero grau. O boicote econômico à Rússia, em função de uma guerra que é de interesse, principalmente, dos EUA, obviamente não entusiasma as populações da maior parte dos países da Europa. E os governos nacionais, ao aderirem ao boicote, mostram subserviência aos EUA, na medida em que o frio, somado à crise econômica, tende a gerar um período de grande instabilidade política na região. Conforme informações públicas, se o fornecimento de gás russo fosse totalmente interrompido para a Europa, mesmo que os reservatórios de gás estivessem preenchidos completamente, durariam apenas 40 dias. O mais grave é que os estoques estão com 10% ou 20% da capacidade máxima, nos países do continente.

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As cotações do gás natural nas bolsas de valores, chegaram a aumentar 1.600% neste ano. É impossível que uma explosão de preços neste montante não seja repassada ao consumidor. Em países como Itália e Alemanha, as famílias já estão pagando 400% a mais nas contas de luz e gás, em relação a um ano atrás. No Reino Unido, os preços desses produtos dobraram em 12 meses. A direita fascista ganhou as eleições parlamentares realizadas na Itália no domingo (25), fruto da insatisfação da população com o cenário de inflação, desemprego e crise energética. Os governos vêm tentando compensar os aumentos com redução de impostos ou contenção de preços essenciais, o que tem levado a déficits públicos crescentes. A Alemanha, país tido como rigoroso em termos fiscais, deve fechar este ano com um elevado déficit público decorrente da concessão de subsídios ao setor.

A crise energética ameaça fortemente a indústria europeia. Fábricas estão fechando em grande quantidade, pela ausência de alternativas à energia proveniente da Rússia. Setores intensivos em energia (químicos, fertilizantes, aço, alumínio etc.) já se encontravam em crise antes da guerra, quando aumentaram as tensões na região, com aumento dos preços dos insumos. As empresas da Europa não conseguem competir com outras regiões onde os custos de energia são menores. O preço do gás na Europa atualmente é o triplo dos verificados nos EUA, o que implica perdas de fatias do mercado internacional. Esse processo está levando a déficits comerciais crescentes nas economias da Europa.

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Em função da inflação e de problemas na cadeia de suprimentos em geral, a previsão dos analistas é a de que a Europa enfrente uma recessão no final de 2022, que tende a se prolongar para o ano que vem. Os níveis de endividamento de empresas e governos com o sistema financeiro internacional, combinado com alta de juros em vários países (visando combater uma inflação que não é de demanda), torna a recessão quase inevitável. Neste quadro mundial extremamente complexo, na semana passada (21.09) o Federal Reserve (Fed), elevou a taxa de juros nos Estados Unidos em 0,75 ponto percentual (p.p.), pela terceira vez seguida. O juro praticado nos EUA, de 3,25%, está no maior patamar desde a crise de 2008. A meta de inflação estabelecida pelo Fed para o próximo período, de 2%, só será alcançada com muita recessão.

Para superar a perda de competitividade de suas indústrias a Europa precisaria reduzir rapidamente a dependência dos combustíveis fósseis fornecidos pela Rússia. Mas é bastante difícil operar isso rapidamente e em meio a uma crise brutal. Não se consegue produzir materiais químicos, ou hidrogênio para geração de aço, sem grandes quantidades de energia. Por outro lado, as chamadas “energias limpas”, como as badaladas eólica e solar, estão muito longe de se tornarem viáveis economicamente, mesmo com os crescentes investimentos em pesquisa e experimentação.

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O gás natural é fonte preciosa de energia. Mas é também matéria-prima essencial na produção industrial. Por isso o preço do gás natural influencia diretamente o custo da energia elétrica. Na Europa, os estoques de gás só têm sido momentaneamente suficientes porque muitas empresas de uso intensivo de energia reduziram a produção, fecharam unidades, ou transferiram fábricas para outros continentes. Nos últimos 12 meses, a Europa já perdeu cerca de 50% da produção de aço e de alumínio, o que revela a gravidade da crise. A situação tem levado as companhias a fechar unidades, aumentar importações e transferir-se para outras regiões. As empresas do setor de produção de aço têm tentado repassar o aumento da energia para os preços, mas essa estratégia tem limites, num processo de baixo crescimento, que tende a virar recessão no curto prazo.

A crise energética já afetou preços dos alimentos em função do encarecimento do aumento de preços dos fertilizantes, que levam a menores colheitas. Não há produção de fertilizantes sem gás natural. No caso de uma escalada da guerra, e uma eventual suspensão total do fluxo de gás russo para a Europa, os países teriam que dar prioridade para residências e serviços essenciais, o que atingiria diretamente a capacidade de produção industrial. O risco de uma desindustrialização acelerada na Europa (que em parte já está ocorrendo), não deve ser desprezado.

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As grandes empresas industriais dispõem de reservas para enfrentar um período de grandes dificuldades. Mas a crise já atinge também pequenas empresas de comércio e serviços, por todo o continente. Os proprietários que tentam superar a elevação dos custos, repassando ao consumidor perdem clientes. Muitos pequenos negócios têm fechado em países como Itália, Espanha, Portugal e outros. Como a guerra é também um meio de ganhar dinheiro, as empresas dos EUA estão aproveitando para engolir mercados na Europa.

A crise econômica, e a guerra na Ucrânia, estão evidenciando a ambiguidade que existe no debate que envolve economia e meio ambiente. Na Alemanha, apontada por alguns como “modelo” na área ambiental, para extrair carvão destruíram uma floresta a menos de 50 km de Bonn, que já foi capital do país. As ONGs Internacionais denunciam a “destruição de uma floresta de 12 mil anos na região, na qual destruíram todas as árvores, algumas com 300 anos de vida. No lugar da floresta e de um vilarejo, instalaram uma usina de carvão para produção de energia.

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Justamente o carvão, produto que muitas ONGs e governo dos países imperialistas exigem que seja abandonado como fonte de energia, em países como o Brasil, China e outros. O carvão produzido nessa região da Alemanha, é o marrom, ou lignite, que é um dos combustíveis fósseis mais poluentes que se conhece. Podemos imaginar o que aconteceria se o fato estivesse ocorrendo na Amazônia brasileira. Podemos calcular as manifestações de grupos internacionais e nacionais em relação ao problema. Alguns grupos, inclusive, que têm defendido como solução do desmatamento a gestão internacional da floresta, por um pool de países “civilizados”, já que o Brasil não teria “competência” para gerir a Amazônia.

Perante uma grave crise de energia os países ricos e desenvolvidos estão a exigir dos países subdesenvolvidos políticas que eles mesmos não praticam. Enquanto queimam suas florestas para produzir energia, pressionam para transformar a Amazônia numa área internacional. Curiosamente, quando defendem um absurdo como esse, estão se referindo aos países imperialistas, os países ricos, e não aos nove países sul-americanos, perpassados pela maior floresta do mundo. Aos “distraídos” é sempre importante lembrar que o bioma da Amazônia, além de se estender pelo território de oito países vizinhos, ocupa 49% do território brasileiro.

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