Guedes espera Pinochet

"Ministro da Economia permanece segue na batalha em defesa do regime de capitalização contra a previdência pública, implantada no Chile sob a ditadura de Pinochet," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Projeto Maia-Moreira não deve provocar ilusões, contudo. Mesmo abandonando a capitalização, segue o mesmo caminho de  eliminar direitos e reduzir benefícios, obrigando a pessoa a trabalhar mais tempo e contribuir com mais dinheiro para receber uma pensão menor do que hoje". 

Guedes espera Pinochet
Guedes espera Pinochet (Foto: Fotos: Reuters)


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Em 25 de maio, quando surgiram os primeiros sinais de que a capitalização individual agonizava nas conversas em torno da reforma da previdência, Paulo Guedes resolveu lançar um ultimato ao país: "pego um avião e vou morar lá fora," disse, numa reação típica de menino mimado, embora complete 70 anos em agosto. "Já tenho idade para me aposentar".

Para decepção dos brasileiros, em 13 de junho, quando Samuel Moreira divulgou o relatório de reforma da Previdência, do qual a capitalização foi excluída, descobriu-se que Paulo Guedes tinha mudado de ideia e pretende permanecer no país para defender a capitalização. 

Em vez de "pegar um avião" para ir "morar lá fora",  acusou a liderança do Congresso de ter cedido "ao lobby dos servidores do Legislativo", num recuo "que pode abortar a Nova Previdência".

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A verdade é que o projeto de reforma lançado por Samuel Moreira-Rodrigo Maia mantém o mesmo objetivo de arrancar benefícios da população mais pobre, em valores na mesma ordem de grandeza. Em dez anos, seriam  986 bilhões de reais , segundo chute de uma década da Câmara,  contra o 1,1  trilhão,  no chute de Guedes.

Não é preciso alimentar ilusões. A proposta que agora será negociada no Congresso apoia-se se no mesmo tripé anti-social da versão original do governo Bolsonaro, assinada pelo ministro da Economia.

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Quer  obrigar a pessoa a trabalhar mais tempo, contribuir com mais dinheiro e, no final, receber uma pensão menor. Com o mesmo efeito de concentrar renda num país onde a pobreza e a miséria crescem de forma escandalosa nas ruas, não irá gerar o menor benefício para os 35 milhões de aposentados de hoje nem aos outros milhões que aguardam uma velhice digna, amanhã.

 Ao recusar o projeto de capitalização, Samuel Moreira-Rodrigo Maia descartaram a proposta que tenta transformar a aposentadoria num papel do mercado financeiro, cujo valor sobe e desce ao sabor de operações especulativas nas quais um país se arruina e os donos do cassino ganham sempre -- como ensinou o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz.

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Criticada  e desmoralizada pelo desastre produzido em vários países pelos primeiros ataques ao Estado de Bem-Estar social, na década de 1980, no mundo político fracionado do Brasil de 2019 a capitalização tornou-se um entrave para a aprovação de uma reforma convencional, que estrutura a proposta Maia-Moreira. Aqui, trata-se de um projeto capaz de empobrecer a população, diminuir pensões e retirar direitos, atuando de forma gradual para desintegrar nosso sistema público de previdência.

 Na verdade, a capitalização não foi retirada do relatório para proteger os desamparados mas em função de um cálculo político. Poderia impedir a construção de uma maioria capaz de obter o mínimo de três quintos dos votos na Câmara e, mais tarde, no Senado.

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O apego dos brasileiros a seus direitos e à defesa da Previdência, confirmado pela mobilização de 45 milhões em 14 de junho --  transformou a capitalização num projeto de risco. Por isso ela saiu do relatório.  

Ao manter-se na defesa de uma proposta que se tornou alvo de uma rejeição tão grande, Paulo Guedes anuncia não só uma visão primitiva e desastrada da economia, mas confirma uma preocupante falta de compromissos com a democracia.

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Num enredo que todos conhecem, a capitalização entrou na vida real das sociedades contemporâneas no Chile de 1980, quando um país sob as baionetas e tanques de Augusto Pinochet tornou-se laboratório dos economistas da Universidade de Chicago, onde Paulo Guedes fez pós-graduação e lapidou sua visão de mundo.

Embora a deposição de Salvador Allende tivesse ocorrido sete anos antes, a capitalização não substituiu o regime convencional de Previdência a partir de um debate democrático no interior da sociedade. Tudo se fez com base num decreto típico de uma ditadura que entrou para a história como a mais sanguinária da América do Sul.

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Embora outras formas de sistema de capitalização individual tenham sido criadas em diferentes países, nos anos seguintes, nenhuma era tão radical nem excludente como o sistema chileno -- e por essa razão, incompatível com instituições democráticas. O mesmo que andou sendo debatido no Brasil e que, não custa lembrar, poderá ser ressuscitado a qualquer momento. 

Ao insistir na capitalização, Guedes deixa claro, como economista, que não abandonou uma opção política – Pinochet.

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