Gritos e murmúrios
O cenário político brasileiro desde a golpe de 2016 contra Dilma Rousseff colocou em palco dramas que, na verdade, não fogem tanto dos de Bergman. Há doenças, angústias, perseguições, acessos de fúria, ameaças de quarteladas, além de personagens que se revezam sem modificações no perfil do conjunto.
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No filme Gritos e sussurros, de 1972, Ingmar Bergman reúne numa mansão um conjunto de pessoas atingidas por doenças, angústias, decepções etc., debatendo-se nas suas questões como se estivessem no limite. As irmãs e a empregada se igualam, sem salvação nos seus impasses. À primeira vista, temos um universo de problemas individuais, mas, numa segunda leitura, logo notaremos que aquilo apresenta traços mais profundos, como se tocasse na raiz da existência em seu sentido perturbador. Nada mais distante, em princípio, do que os eventos que se passam numa grande nação, mesmo em determinados instantes de sua trajetória. No entanto, há pontos de contato.
O cenário político brasileiro desde a golpe de 2016 contra Dilma Rousseff colocou em palco dramas que, na verdade, não fogem tanto dos de Bergman. Há doenças, angústias, perseguições, acessos de fúria, ameaças de quarteladas, além de personagens que se revezam sem modificações no perfil do conjunto. Como se fossem escolhidos a dedo, abundam os escândalos, quer pela linguagem, quer pela imperícia no trato das coisas do Estado. Cabe assinalar que o dirigente, ele mesmo, se exibe diante das câmeras à beira de um ataque de nervos, cada vez que alguém, um ou uma repórter, ousa questioná-lo sobre informações que o afetam. Há, ainda, os filhos! Um se veste de sheik numa viagem a Dubai; outro entra nos processos de “rachadinha”, um terceiro se inclui em festas esquisitas – e assim por diante – num constrangimento só. Dirão, talvez, que estou diminuindo Bergman.
É verdade que as farsas fazem parte da História, como lembra Marx, com resultados não menos desastrosos. Na família que se movimenta no poder (deixemos por enquanto de lado o Guedes, cada vez mais endinheirado, graças à posição que ocupa, para não falar dos paraísos fiscais), a mais recente faceta, de repercussão internacional, porque ocorrida na Itália, diz respeito ao espancamento de jornalistas.
Enquanto passeava pelas ruas como turista, alguém quis indagar o motivo pelo qual o Presidente se ausentara da reunião do G20. Afinal, encontrava-se no exterior exatamente para integrá-lo. Foi o suficiente para que levasse um soco no estômago e tivesse o celular jogado no chão, por ação dos seguranças. Note-se que o que ocorre no entorno do Presidente é de sua responsabilidade. Entre gritos e murmúrios, na semana passada, retirou-se de uma entrevista na rádio Jovem Pan, porque se sentiu incomodado em função de uma pergunta que pedia esclarecimentos sobre... “rachadinhas”. O que fazer? Atos de desespero, acessos de fúria, desabafos fora de hora e de lugar, têm sido constantes nos últimos dois anos. É como se o mandatário se desse ao luxo de tais expansões pela confiança que nele depositam os banqueiros e representantes da elite econômica. Afinal, desde o golpe contra Dilma, não se fez outra coisa além de fortalecer os dispositivos econômicos que os protegem, mesmo à custa da aceleração dos índices de pobreza. As farsas, a exemplo das tragédias, trazem dissabores que respingam em toda parte. Se não, logo veremos...
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