Greve, Greve, Greve
A crescente desigualdade está alimentando protestos no mundo. A classe dominante global tem medo da arma que pode derrubá-la: as greves
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Greve, Greve, Greve*
Artigo de Chris Hedges originalmente publicado em seu Substack, em 18/9. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Os oligarcas dominantes estão aterrorizados porque, para dezenas de milhões de pessoas, o deslocamento econômico causado pela inflação, os salários estagnados, a austeridade, a pandemia e a crise energética estão se tornando insuportáveis. Eles advertem , como o fizeram Kristalina Georgieva, Diretora-Gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o secretário-geral da OTAN, General Jens Stoltenberg, sobre o potencial de agitação social – especialmente à medida que nos encaminhamos para o inverno.
A agitação social é uma palavra-código para as greves – a arma singular que os trabalhadores possuem que pode aleijar e destruir o poder da classe econômica bilionária. As greves são o que os oligarcas globais mais temem. Fazendo uso dos tribunais e da intervenção policial, eles buscarão evitar que os trabalhadores paralisem a economia. Esta batalha iminente é crucial. Se nós começarmos a desbastar o poder corporativo através de greves – a maior parte das quais provavelmente serão greves selvagens que desafiarão as lideranças sindicais e as leis anti-sindicatos – poderemos começar a retomar a ação nas nossas vidas.
Os oligarcas passaram décadas abolindo ou domesticando os sindicatos, transformando os poucos sindicatos que restam – apenas 10,7% dos trabalhadores são sindicalizados – em obsequiosos sócios-juniores no sistema capitalista. Desde janeiro de 2022, a sindicalização no setor privado estava no seu ponto mais baixo desde a aprovação do Ato Nacional de Relações de Trabalho de 1935. Mesmo assim, 48% dos trabalhadores estadunidenses dizem que gostariam de pertencer a um sindicato.
Como um resultado das condições esmagadoras às quais os trabalhadores têm sido submetidos durante anos, a nação [os EUA] está enfrentando a sua maior greve ferroviária desde os anos de 1990. A indústria dos transportes – à qual a maioria dos trabalhadores ferroviários faz parte – tem uma densidade maior do que a média de sindicalização, comparada com outras partes do setor privado. Uma greve ferroviária poderia significar uma perda de resultado econômico de US$ 2 bilhões por dia, segundo um grupo comercial que representa as empresas ferroviárias.
A Casa Branca de Biden anunciou que eles esperam evitar de forçar os trabalhadores grevistas a voltarem ao trabalho e que os líderes da Irmandade dos Engenheiros de Locomotivas e Operadores de Trens (BLET – Brotherhood of Locomotive Engineers and Trainmen), a Divisão de Transportes da Associação Internacional de Trabalhadores em Chapas de Metais, e Transportadores Aéreos e Ferroviários (SMART-TD – International Association of Sheet Metal, Air, Rail and Transportation Workers) e a Irmandade dos Sinaleiros Ferroviários (BRS – Brotherhood of Railroad Signalmen), entre outros, cheguem a um acordo contratual com as principais companhias de fretes – incluindo a Burlington Northern and Santa Fe Railway (BNSF) e a Union Pacific, bem como o governo do presidente Joe Biden.
Porém, as autoridades sindicais disseram que não há um acordo finalizado e que os trabalhadores não veriam os detalhes do acordo por três a quatro semanas.
O 'The World Socialist Web Site' (WSWS) e o 'The Real News' fizeram reportagens detalhadas sobre as negociações do contrato.
A BNSF anunciou uma renda líquida de aproximadamente US$ 6 bilhões em 2021, uma alta de 16% em relação ao ano anterior. A Union Pacific reportou uma renda líquida de US$ 6,5 bilhões, também com uma alta de 16% comparando com 2020. A CSX Transportation e a Norfolk Southern Railway também reportaram ganhos elevados.
A desregulamentação econômica da Classe 1 de transportadoras de cargas ferroviárias nos anos de 1980 mostrou uma queda do número de transportadoras de carga de quarenta para sete – um número que se espera que caia para seis. No mesmo período, a força de trabalho encolheu de 500 mil para 130 mil trabalhadores. Os serviços nas linhas ferroviárias da nação, juntamente com as condições de trabalho e os salários, declinaram à medida que Wall Street apertava os grandes conglomerados ferroviários para produzirem lucros.
Parece que o contrato proposto atenderá algumas das demandas centrais dos trabalhadores ferroviários, incluindo compensações para anos de salários declinantes, a necessidade de ajustes de custo de vida para lidar com a inflação, o fim das políticas de comparecimento oneroso, garantias de tempo fora do trabalho e dias para tratamentos de saúde e fim das demissões em massa que fizeram uma pressão tremenda sobre os trabalhadores ferroviários restantes e da prática de usar tripulações de uma única pessoa.
As ferrovias transportam aproximadamente dois-quintos das cargas de longa-distância nos EUA e um terço das exportações. Elas estão no centro de uma complexa cadeia global de suprimento que inclui navios de carga, trens e caminhões. É quase certo que a Casa Branca de Biden interviria para evitar uma greve ferroviária nacional - o que seria um golpe pesado para a cambaleante cadeia de suprimentos da nação e para a sua débil economia.
Os oligarcas tinham os sindicatos na sua mira após a Segunda Guerra Mundial. Através de uma série de greves nos anos de 1930, os sindicatos pressionaram o presidente Franklin Delano Roosevelt a aprovar a legislação do New Deal. Os sindicatos deram aos trabalhadores folgas nos fins de semana, o direito de se organizarem e de fazer greves, o dia de trabalho de oito horas, os benefícios de saúde e aposentadoria, condições de trabalho seguras, pagamento por horas adicionais e a segurança social.
A perseguição aos militantes de esquerda nos anos de 1930 e 1950 foi dirigida basicamente aos organizadores de trabalhadores e aos sindicatos radicais – como o 'Industrial Workers of the World' (IWW), conhecidos como os 'Wobblies', ou o ‘Congress of Industrial Organizations’ (CIO). Na cruzada contra os “vermelhos”, os sindicatos mais militantes e os líderes sindicais – alguns dos quais eram comunistas – foram tornados em párias.
Quando foi aprovado o Ato Taft-Hartley, cerca de um terço dos trabalhadores estavam sindicalizados, chegando ao seu máximo em 1954, com 34,8%, segundo o Serviço de Pesquisa do Congresso. O Ato foi um ataque frontal aos sindicatos. Ele proibiu greves jurisdicionais, greves selvagens, greves políticas ou de solidariedade e boicotes secundários – nos quais os sindicatos entram em greve contra empregadores que continuam a fazer negócios com uma empresa que está em greve. Ele proíbe piquetes secundários ou em locais comuns, em empresas fechadas e doações monetárias feitas pelos sindicatos para campanhas políticas a nível federal. Os dirigentes sindicais são forçados pelo Ato a assinar certificados de não pertencerem a organizações comunistas, sob pena de perderem os seus cargos. Segundo o Ato, é permitido que as empresas exijam que seus empregados participem em reuniões de propaganda anti-sindicatos. O governo federal tem o poder de obter injunções legais para romper greves, caso uma greve iminente ou em curso coloque em perigo “a saúde ou a segurança nacional”.
O Ato tira o poder dos trabalhadores. Ele legaliza a suspensão das liberdades civis – incluindo a liberdade de expressão e o direito de reunião. Os tribunais dos EUA, incluindo a Suprema Corte, com juízes oriundos de empresas jurídicas corporativas, desde então têm emitido um grande número de novas decisões anti-sindicatos para manter os trabalhadores em sujeição legal. O direito de greve mal existe nos EUA.
Greves espalhadas por todo o país, que são uma necessidade para prevalecerem, serão declaradas como ilegais – não importando qual partido esteja na Casa Branca. Aqueles que lideram greves serão visados para prisão e as corporações tentarão substituir os trabalhadores com fura-greves. Esta será uma luta muito, muito feia. Porém, esta é a nossa única esperança.
Uma entrevista com a vereadora socialista da cidade de Seattle (no estado de Washington, EUA) Kshama Sawant sobre táticas de organização e a importância da militância sindical pode ser assistida aqui.
A geração anterior de organizadores dos trabalhadores entendeu que organizar sindicatos era uma questão de guerra de classes. “Big” Bill Haywood disse o seguinte aos delegados na convenção de fundação do IWW em 1950:
Companheiros Trabalhadores, este é o Congresso Continental da classe trabalhadora. Nós estamos aqui para confederar os trabalhadores deste país num movimento das classes trabalhadoras que deverá ter como seu propósito a emancipação da classe trabalhadora da escravidão do capitalismo. As metas e objetivos desta organização serão de colocar a classe trabalhadora de posse do poder econômico, dos meios de vida, em controle da maquinaria de produção e distribuição, sem considerar os mestres capitalistas.
Que as palavras dele sejam o nosso credo.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, duas gerações de trabalhadores estadunidenses foram abençoadas com um período sem precedentes de prosperidade. Os salários para a classe trabalhadora foram altos. Os empregos eram estáveis e vinham com benefícios e seguro de saúde. Os sindicatos protegiam os trabalhadores dos abusos dos empregadores. Os impostos sobre os indivíduos e corporações mais ricas eram tão elevados quanto 91%. O sistema público de escolas provia uma educação de qualidade para os pobres e os ricos. A infraestrutura e a tecnologia da nação eram de ponta. Os metalúrgicos, trabalhadores da indústria automobilística, trabalhadores de usinas, trabalhadores da construção e motoristas de caminhões faziam parte da classe média.
Em 1928, os 10% com renda mais alta possuíam 23,9% da riqueza da nação – uma porcentagem que declinou continuamente até 1973. No início dos anos de 1070, o assalto dos oligarcas sobre os trabalhadores se expandiu. Os salários estagnaram. A desigualdade de renda cresceu até proporções monstruosas. As alíquotas de impostos para as corporações e os ricos foram reduzidas.
Atualmente, os 10% do topo, as pessoas mais ricas dos EUA, são proprietários de quase 70% do total da riqueza do país. O 1% do topo controla 31% da riqueza. Os 50% dos estadunidenses com renda mais baixa detém 2% de toda a riqueza dos EUA. A infraestrutura está desatualizada e em mau estado. As instituições públicas – incluindo as escolas, a radiodifusão pública, a justiça e o serviço postal – estão subfinanciados e degradados.
Você pode assistir uma entrevista que eu fiz com Louis Hyman, professor de história econômica da Universidade de Cornell (NY) e autor do livro 'Temp: The Real Story of What Happened to Your Salary, Benefits and Job Security', sobre o assalto de décadas aos trabalhadores, aqui.
Assim como eles fizeram no século XIX, os oligarcas exploram os trabalhadores em oficinas Dikensonianas em países como a China, o Vietnã e Bangladesh.
Você pode ver a minha entrevista com Jeny Chang, coautora com Mark Selden e Pun Ngai do livro 'Dying for an iPhone: Apple, Foxconn and the Lives of China's Workers' aqui.
Desprovidos de proteção sindical e na falta de trabalhos industriais, os trabalhadores foram forçados a entrar na economia “gig” - na qual eles têm poucos direitos, nenhuma proteção no trabalho e frequentemente ganham menos que o salário-mínimo.
A elevação dos preços globais dos alimentos e da energia, conjugados com o enfraquecimento das instituições democráticas e o empobrecimento dos trabalhadores, se tornaram uma receita potente para revoltas.
Os ganhos semanais, ajustados pela inflação, diminuíram em 3,4% entre agosto de 2021 e agosto de 2022; os ganhos reais por hora trabalhada caíram em 2,8% no mesmo período. Os ganhos por hora, ajustados à inflação, caíram nos últimos 17 meses. As prioridades assimétricas – bilhões de dólares de “ajuda de segurança” sendo enviados para a Ucrânia pelo governo Biden e outros membros da OTAN -, como previsto, levaram a Rússia a cortar os suprimentos de gás à Europa. A Rússia não retomará o fluxo de gás até que as sanções impostas ao seu país sejam canceladas. A Rússia provê 9% das importações de gás da União Europeia, reduzidos dos 40% de antes da invasão. Neste ínterim, as grandes petroleiras estão tendo lucros obscenos enquanto enganam o público.
Os países mais vulneráveis – Haiti, Myanmar e Sudão – mergulharam no caos sob o ataque econômico violento. Os gastos sociais em países como o Egito, as Filipinas e Zimbabwe foram eliminados. Tampouco as nações industrializadas ficaram imunes. Em Praga, cerca de 70 mil pessoas foram para as ruas em 4 de setembro para protestar contra os crescentes preços de energia e clamar pela saída da União Europeia e da OTAN. As indústrias da Alemanha – um dos três maiores exportadores do mundo – estão aleijadas, pagando tanto após a invasão russa por eletricidade e gás num único mês quanto pagaram no ano passado inteiro. Manifestantes de protestos em todo o espectro político da Alemanha convocaram manifestações regulares em todas as segundas-feiras contra o crescente custo de vida. No Reino Unido – já assolado por uma inflação de 10% - se prevê que as empresas de energia aumentem os seus preços em 80% em outubro. Nos EUA, as contas de eletricidade aumentaram em 15,8% no ano passado. As contas de gás subiram 33% nos EUA no ano passado. O total dos custos de energia nos EUA subiu 24% nos últimos 12 meses. Necessidades básicas, os alimentos e outros itens necessários para a sobrevivência diária, aumentaram 13,5% em média nos EUA. Isto é só o começo.
Em que ponto uma população sitiada e vivendo próximo ou abaixo da linha de pobreza se levanta em protesto? Se a história nos servir como guia, isto é desconhecido. Mas é inegável, até para a classe dominante, que o combustível para isso está lá agora.
Os EUA tiveram as guerras trabalhistas mais sangrentas dentre todas as nações industrializadas. Centenas de trabalhadores foram mortos. Milhares foram feridos. Dezenas de milhares foram colocados em listas negras. Organizadores sindicais radicais como Joe Hill foram executados sob indiciamentos forjados de assassinatos, aprisionados como Eugene V. Debs, levados ao exílio, como Haywood. Os sindicatos militantes foram criminalizados. Durante os Ataques de Palmer de 17 de novembro de 1919 – realizados no segundo aniversário da Revolução Russa, mais de 10 mil alegados comunistas, socialistas e anarquistas foram presos. Muitos deles foram mantidos presos por longos períodos, sem julgamento. Milhares de imigrantes nascidos no exterior - como Emma Goldman, Alexander Berkman e Mollie Steimer – foram presos, aprisionados e, ao final de contas, foram deportados. Publicações socialistas – como o 'Appeal to Reason' – foram fechadas.
A Grande Greve Ferroviária de 1922 teve bandidos armados da empresa abrindo fogo e matando grevistas. O presidente da Pennsylvania Railroad, Samuel Rea, pessoalmente, contratou mais de 16 mil homens armados para romper a greve de cerca de 20 mil empregados nas oficinas da companhia, em Altoona, Pennsylvania, a maior do mundo. As ferrovias montaram uma massiva campanha de imprensa para demonizar os grevistas. Eles contrataram milhares de fura-greves, muitos dos quais eram trabalhadores negros que eram barrados pelos dirigentes do sindicato de se tornarem membros. A Suprema Corte manteve os contratos de “cachorro amarelo” que proibiam a sindicalização de trabalhadores. A imprensa corporativa, juntamente com o Partido Democrata, foram, como sempre, parceiros completos na demonização e no desempoderamento dos trabalhadores. No mesmo ano, também ocorreram greves ferroviárias sem precedentes na Alemanha e na Índia.
A fim de evitar as greves ferroviárias que interromperam o comércio em toda a nação em 1877, 1894 e 1922, o governo federal fez aprovar em 1926 o Ato de Trabalho Ferroviário – o qual os ferroviários chamam de “Ato Anti-trabalhadores Ferroviários” – que estabeleceu numerosos requerimentos, incluindo a nomeação do Conselho Presidencial de Emergência, que Biden oficializou, antes que uma greve possa ser declarada.
Os nossos oligarcas atuais são tão cruéis e avarentos quanto aqueles do passado. Eles lutarão com tudo que têm à sua disposição para esmagar as aspirações dos trabalhadores.
Falando a um grupo de anarquistas sobre como derrubar o Czar, Alexander Herzen lembrou aos seus ouvintes que o trabalho deles não era de salvar um sistema moribundo, mas de substituí-lo: “Nós não somos os médicos. Nós somos a doença.”
Todas as resistências devem reconhecer que o golpe de Estado corporativo foi completado. É um desperdício de energia tentar reformar ou fazer apelos aos sistemas de poder. Nós devemos nos organizar e fazer greves. Os oligarcas não têm intenção alguma de compartilhar voluntariamente o poder ou a riqueza. Eles apelarão às táticas cruéis e assassinas dos seus ancestrais capitalistas. Nós devemos contar com a nossa própria militância.
*No original: 'Strike, Strike, Strike'. [Nota do tradutor: o verbo inglês 'to strike' pode ser usado para 'bater' em algo/alguém; ou para 'to go on strike', fazer greve; ou para 'strike a match', acender um fósforo. Na sua ilustração, Mr. Fish faz uma paródia e escreve (na caixa de fósforos, de cima para baixo): Oligarcas, cuidado / 'strike' heroico / os fósforos do povo. Cada palito de fósforo tem um punho cerrado na cabeça.]
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