Greenwald e a dialética da democracia

Glenn Greenwald
Glenn Greenwald (Foto: Lula Marques)


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Atualmente o jornalista Glenn Greenwald tem militado contra os excessivos poderes que um juíz da Suprema Corte possui no Brasil, ”canetando” sem dó os golpistas e os disseminadores de fakenews. Argumenta o jornalista americano que em nenhum país democrático do mundo um juíz possui tantos poderes e chamou de censura o cerceamento do campo da direita. 

Em resposta, os setores progressistas o acusam de complacência com o golpismo e de não querer compreender - possivelmente por má fé - a excepcionalidade do período que nosso país atravessa. 

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 Como resposta Greenwald lembra que excepcionalidades como a que vivemos já fez a esquerda ser vitimada com a prisão sem provas de Lula e o massacre da grande mídia que teve como resultante o surgimento de Bolsonaro. 

Obviamente que esse argumento é refutado pelos momentos conjunturais distintos embora próximos temporalmente. A discussão parece não ter fim… Por que? Porque a visão e vivência de democracia de Greenwald é bem distinta do que a brasileira, pelo bem e pelo mal. 

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Comecemos a análise desse profícuo debate considerando um axioma, qual seja, que o regime democrático nunca foi desejo da burguesia, sendo assim, produto da conquista da classe trabalhadora no clássico universo da luta de classes. 

 Os EUA passaram por um processo de construção da democracia burguesa muito distinto do processo brasileiro. Ali os diversos Estados se uniram por uma breve constituição que nada mais é que uma carta de princípios de duas páginas. A liberdade legislativa de cada unidade da federação determinava (e até hoje determina) a vida de cada cidadão norte-americano. Decisões sobre a legalidade da escravidão ou não ou até a existência da pena capital sempre coube a cada Estado decidir. A federalização que impôs, por exemplo, o fim à escravidão a todos os Estados reverteu-se em uma sangrenta guerra civil que marcou para sempre aquela sociedade. 

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O sufrágio feminino lá obteve maior precocidade do que no Brasil, mas os direitos civis dos negros continuou vilipendiados até a década de 60. Porém, seja como for, os EUA nunca conseguiu impor o princípio democrático de “um homem, um voto”, estabelecendo um sistema de travas contra forças anti-estabilishiment progressistas que poderiam romper o sistema oligárquico daquele país. 

 Lembremos que nos EUA o poder judiciário, em regra, se encerra no universo estadual, cabendo raras demandas para a decisão da Suprema Corte. Assim, ver um juíz dessa instância assumir tamanho protagonismo é de causar estranheza para qualquer norte-americano, e é quase tão singular como o sistema de Colégio Eleitoral aos olhos das demais democracias. Na nossa carta de 1988 instituiu-se de fato um protagonismo forte ao STF por duas razões: pelo fato de a mesma possuir grande amplitude de alcance no cotidiano dos cidadãos, que faz do nosso país uma democracia demasiadamente federalista e, por fim, pelo fato de termos o princípio do “transitado e julgado” em diversas matérias que passam costumeiramente pelo STF. 

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No fim, diferentes processos dialéticos de formação do sistema democrático faz o jornalista americano ver estranhezas na atual conjuntura e está correto em afirmar que esse mesmo sistema poderá voltar-se contra a esquerda dependendo de forças conjunturais como bem temos impresso no golpe contra Dilma, “com Supremo e tudo”. 

Repensar nosso modelo de representação judicial deveria e deve ser um feito para aprimorar a nossa democracia, mas isso passa por reformas de base, ou seja, em primeiro lugar retirar das elites o quase exclusivo poder decisório das primeiras instâncias. 

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Nesse momento, entretanto, ainda que sobre o correto alerta de Greenwald, jogamos com as peças que temos no princípio de “se o fogo está na sala, o que importa o celeiro nesse momento”. O jornalista americano deve já saber bem das limitações da democracia de seu país, não devendo aqui valer-se de argumentos falaciosos como “vai criticar o seu país e sua democracia fajuta, que mais serve para impor ditaduras pelo mundo do que se auto aperfeiçoar”. 

O que temos agora é a conjunção rara onde o poder excessivo do STF e um governo progressista convergem para um mesmo fim: salvaguardar a democracia e as instituições republicanas. Não entender a oportunidade desse momento é ingenuidade de Greenwald, tão quanto é ingenuidade de quem quer que seja, não compreender que há muito o que se reformar em nossa democracia.

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