Governo de farsa e tragédia

O ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido por discordar do Presidente da República quanto à condução das ações na crise da pandemia de coronavírus



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O ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido por discordar do Presidente da República quanto à condução das ações na crise da pandemia de coronavírus. Foram determinantes para sua permanência até então, mesmo discordante do chefe, as ações dos militares e dos parlamentares.

A caserna ficou insatisfeita com a situação devido ao critério basilar do respeito à hierarquia e não sair de seus próprios meios a roupa suja a ser lavada. Na verdade, esse foi o motivo da condenação à prisão por duas semanas do capitão Jair Bolsonaro em 1986, quando escreveu artigo na revista Veja reclamando do baixo soldo que seus companheiros de farda recebiam. O capitão Bolsonaro somente pôde publicar tal libelo devido à abertura democrática, impossível de fazê-lo durante a ditadura militar. Seus superiores não admitiam que assuntos internos saíssem dos quartéis, daí a punição. A expulsão negociada de Bolsonaro se deu um ano depois, mas o motivo – também recorrente – foi o de ter mentido sobre a entrevista que concedera à mesma revista, revelando planos de elaboração de bombas e explosões em outros quartéis e no sistema Guandu de abastecimento de água do Rio de Janeiro. O julgamento inicial o afastou e, depois, foi estranhamente absolvido, mesmo com provas e depoimentos abundantes de suas intenções terroristas. Ato contínuo, filiou-se ao PSC e concorreu a uma vaga de Vereador no Rio de Janeiro (vindo a ser eleito), como forma negociada para não ser oficialmente expulso das Forças Armadas. Ou seja, ser falastrão e mentiroso são características de Jair Bolsonaro de longa data.

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Foi revelado que mais da metade das mensagens de apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais de hoje são enviadas por robôs. Mesmo assim, seus correligionários creem que o coronavírus é um artefato elaborado pelos chineses para dominar a economia mundial ou que tal vírus nem existe, sendo obra da imaginação de ‘comunistas’ que querem a retomado do poder! O professor Roberto Romano nos brindou recentemente com sua erudição no espaço do jornal O Estado de S. Paulo (5/4) para discorrer sobre a história desse assunto tão atual, intitulando seu artigo de "Política e falsificação". No entanto, a tecnologia de hoje permite ao presidente comandar esse conjunto de robôs nas redes sociais que fazem proliferar suas mentiras e falsificações, que, pregadas à exaustão, se transformam em verdades para os incautos. Basta ver o número de brasileiros que ainda apoiam o mandatário. Nem Joseph Goebbels imaginava que se pudesse chegar tão longe.

Pesquisa Datafolha feita por telefone revelou que 59% dos entrevistados não querem a renúncia do presidente Jair Bolsonaro. Eu também sou contra, pois quero que ele seja devidamente afastado por impeachment, processado, julgado, condenado e preso pelos gravíssimos crimes que cometeu e continua cometendo. Há, portanto, uma discrepância e um ruído não medidos pela forma como a pesquisa foi conduzida, haja vista a limitação por seguir outra metodologia, não a usual de abordagem de pessoas nas ruas.

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A própria pesquisa aponta parte dessa discrepância, pois 7 pontos porcentuais é a diferença entre os que são contra a renúncia (59%) e os que acham que o presidente tem condições de liderar o país na crise do coronavírus (52%). Outro aspecto não avaliado é que parte significativa desse apoio se dá pela presença e atuação até então do Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Ele sendo demitido (o que foi confirmado, até em resposta à corrente que prega que devia sair por estar em alta, em contraponto à posição do presidente, que está em visível em baixa), esse patamar deve decrescer – e muito –, haja vista que apenas 33% da população considera o governo bom ou ótimo. Na verdade, os 52% de aprovação carregam forte influência da conduta do Ministro da Saúde e não do Presidente da República. Ou seja, o gap, a diferença, de quase 20 pontos porcentuais é a transferência de aprovação do ex-ministro para o presidente, caso único nesse tipo de avaliação. Normalmente, o governo é considerado bom ou ruim pelo seu conjunto. Vivemos, portanto, uma distopia mensurada.

Surpreende que apenas 17% dos eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 tenham se arrependido agora. Mas são números que estão em ascensão e, em função das certeiras patacoadas a acontecer, poderão resultar em um processo de impeachment quase natural, sem traumas ou crises, caminhando em paralelo ao combate da covid-19. Isso explica por que boa parte dos ataques de bolsonaristas já não é mais direcionada a petistas, esquerdistas ou ao coletivo rotulado de ‘comunistas’. O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do mesmo partido de Henrique Mandetta, tem sido o alvo preferido porque é dele a prerrogativa de colocar em discussão os vários pedidos de impeachment do Presidente da República que já foram protocolados. O balizador não é o da lógica, da economia ou da saúde pública. Rodrigo Maia pondera politicamente suas ações em momento de crise, mas que também é um ano eleitoral. Havendo diminuição naqueles porcentuais de aceitação da conduta do governo frente à pandemia do coronavírus – que é esperada e provável –, as posições mudarão.

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Winston Churchill esperou até o limite das agressões para declarar guerra à Alemanha nazista, pois até então estava engolindo a tese da necessidade de ‘espaço vital’ do povo ariano, propalada por Adolf Hitler. Os Estados Unidos, mesmo com o posterior clamor dos ingleses, somente se decidiram sobre qual lado apoiar após o ataque dos japoneses a Pear Harbor. A guerra contra o coronavírus parece seguir os mesmos ditames, nos quais a política futura – e não a lógica – determina as ações presentes. Na Segunda Guerra Mundial era o embate de líderes; no Brasil, assistimos à pantomima de um presidente fantoche.

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