Golpe quer dia do “Pós-Trabalho”
"Neste 1º de maio, os trabalhadores do Brasil não têm o que comemorar", escreve o colunista Marcelo Zero; "Os trabalhadores do Brasil estão entrando no mundo tenebroso do 'pós-emprego' e do 'pós-trabalho'. Estão dando adeus ao trabalho regular, decente e protegido e entrando numa era de trabalho precário, irregular, desprotegido, perigoso e mal pago. Estão se despedindo da CLT e voltando aos tempos da República Velha, quando a 'flexibilidade' e a falta total de proteção eram a regra. Como sempre, a destruição selvagem de direitos é apresentada como algo "moderno" e 'civilizado', que vai 'beneficiar a todos', principalmente os trabalhadores. Trata-se de uma moderna 'pós-verdade'. Ou de uma mentira arcaica", avalia
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Neste 1º de maio, os trabalhadores do Brasil não têm o que comemorar.
Em primeiro lugar, porque o desemprego promovido pelo austericídio golpista já bateu seu recorde histórico, 14, 2 milhões de desempregados, e não para de crescer. Em segundo lugar, porque os direitos dos trabalhadores brasileiros a um emprego decente estão sendo destruídos pela Reforma Trabalhista do governo ilegítimo.
Com efeito, os trabalhadores do Brasil estão entrando no mundo tenebroso do “pós-emprego” e do “pós-trabalho”. Estão dando adeus ao trabalho regular, decente e protegido e entrando numa era de trabalho precário, irregular, desprotegido, perigoso e mal pago. Estão se despedindo da CLT e voltando aos tempos da República Velha, quando a “flexibilidade” e a falta total de proteção eram a regra.
Como sempre, a destruição selvagem de direitos é apresentada como algo "moderno" e "civilizado", que vai "beneficiar a todos", principalmente os trabalhadores. Trata-se de uma moderna “pós-verdade”. Ou de uma mentira arcaica.
Na realidade, as revisões das legislações trabalhistas destinadas a “flexibilizar” o mercado de trabalho e instituir novas formas de contratação já são antigas. Elas começaram na década de 1970, em alguns países anglo-saxônicos, e se intensificaram nas décadas de 1980 e 1990, com o predomínio do neoliberalismo, em nível mundial. É, portanto, algo arcaico e que não produziu, de um modo geral, os resultados esperados, em termos de geração de empregos, principalmente empregos decentes e de qualidade.
No final do ano passado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um extenso relatório sobre o assunto intitulado “NON-STANDARD EMPLOYMENT AROUND THE WORLD” (Emprego Não Normalizado no Mundo). A OIT define esse tipo de emprego (NSE) como o trabalho que não se enquadra em contratos por tempo indefinido, em jornadas integrais e numa clara relação de subordinação entre patrão e empregado. Em outras palavras, NSE é todo trabalho que não se enquadra nos padrões clássicos do emprego formal e plenamente protegido, com jornadas regulares. Por isso, ele também é definido, às vezes, como trabalho precário.
Pois bem, nesse relatório da OIT, embora se reconheça que, em certas circunstâncias, o NSE pode beneficiar segmentos específicos, são feitas extensas advertências sobre os perigos desse tipo de emprego para trabalhadores, empresas, mercados de trabalho, economias e sociedades.
Os efeitos nocivos sobre os trabalhadores são bem conhecidos, no mundo inteiro. Os trabalhadores inseridos no NSE em geral ganham menos que os demais trabalhadores (em média 30% menos, podendo chegar a 60% menos, pelo mesmo trabalho), têm proteção social inferior ou muito inferior, suas jornadas são muito inferiores ou muito superiores (sem direito a horas extras) às jornadas regulares, recebem pouco ou nenhum treinamento, estão mais sujeitos a acidentes e a trabalhos insalubres e perigosos, e vivem numa situação de imprevisibilidade e insegurança. Seus padrões de consumo são inferiores aos dos trabalhadores regulares. Têm também dificuldade em acessar crédito, especialmente crédito de longo prazo para comprar imóveis. Por isso, em muitos países europeus é comum encontrar jovens e até pessoas de meia idade que coabitam com seus pais, mesmo trabalhando.
No que tange às empresas, a OIT adverte que aquelas que privilegiam o NSE tendem a ver diminuída a sua produtividade, devido à falta de comprometimento dos trabalhadores com a empresa e ao baixo investimento em qualificação e treinamento da força de trabalho.
Mas as advertências mais graves dizem respeito aos mercados de trabalho e às sociedades.
A OIT adverte que não há uma relação empírica consistente entre NSE e geração de empregos, principal justificativa para a revisão dos direitos trabalhistas. A bem da verdade, tudo depende mais das condições macroeconômicas do que das legislações. Quando há demanda e crescimento, o emprego tende a crescer. Quando vem a recessão, os empregos mínguam.
Entretanto, nos países em que há número significativo de NSE, os mercados de trabalho se tornam mais sensíveis às oscilações do ciclo econômico, especialmente às recessões. Nesses países, esse tipo de emprego tende a crescer mais que o emprego plenamente protegido, quando há crescimento. Foi que aconteceu, por exemplo, na Espanha e na Itália, que fizeram modificações em suas legislações trabalhistas na década de 1980 (Espanha) e final da década de 1990 (Itália). Na Espanha, por exemplo, o trabalho temporário e a tempo parcial cresceu, como proporção dos ocupados, de cerca de 15%, em meados da década de 1980, para 35%, em 1995, sem que ocorresse, porém, uma expansão significativa do emprego total. A OIT denomina esse efeito de “efeito lua de mel”, justamente porque é de curta duração.
Já na crise, esses trabalhadores mais desprotegidos são demitidos em massa, pois o custo das demissões é muito baixo. Com isso, o desemprego sobe muito e rapidamente. Por tal razão, a Espanha combina, atualmente, legislação trabalhista flexível e índices elevados de NSE com altos índices de desemprego. O mesmo aconteceu no Japão, após a crise dos anos 1990. Assim, não há evidências consistentes de que o NSE aumente, de forma significativa, a geração de empregos na expansão, mas há evidências de que elevados índices de NSE aumentem o desemprego nas recessões.
Outra advertência que a OIT faz se relaciona à segmentação do mercado de trabalho pelo NSE. O NSE foi introduzido, em muitos países, para gerar empregos em segmentos específicos, em especial jovens e mulheres que tinham dificuldade em conciliar estudos e cuidados parentais com jornadas regulares de trabalho. A expectativa era de que o NSE, particularmente o trabalho temporário e o parcial, servisse como escada para o acesso ao trabalho protegido. Mas não foi isso o que aconteceu. Com o tempo, o mercado de trabalho foi segmentado. Assim, em muitos países há um mercado de trabalho precário, no qual estão sobrerrepresentados os jovens, as mulheres e os migrantes e um mercado de trabalho protegido, mas não há um fluxo de trabalhadores substancial do primeiro para o segundo. O fluxo do mercado de trabalho regido pelo NSE é em direção ao desemprego, não ao emprego decente. O trabalho precário não conduz ao trabalho protegido, mas conduz ao desemprego.
Nos casos dos países em desenvolvimento, que já têm um mercado de trabalho tradicionalmente segmentado entre formalidade e informalidade, o NSE acaba por agregar uma segmentação no mercado de trabalho formal, criando, desse modo, uma dupla segmentação. Foi o que aconteceu no Peru, por exemplo, que fez reformas trabalhistas ao final da década de 1990. Como resultado, entre 2003 e 2012, houve apenas leve redução na informalidade no mercado de trabalho não agrícola, que passou de 75% para 69%. Porém, tal redução esteve muito associada às boas taxas de crescimento daquele país (7,2% ao ano, entre 2006 e 2012), não à reforma. E, mais grave, os empregos gerados no mercado formal, foram, em sua imensa maioria, de trabalhos temporários. Assim, hoje em dia 63% dos trabalhos com contrato assinado no Peru são trabalhos temporários. Ou seja, além de não resolver o problema da informalidade, que continua extremamente elevada, a reforma trabalhista peruana gerou precariedade no mercado formal. Coisa semelhante aconteceu no Chile no Equador.
E é o que provavelmente vai acontecer no Brasil, caso essa infame Reforma Trabalhista seja aprovada.
Outras consequências negativas do NSE podem ser, em nível geral, a fragilização da representação sindical, com repercussões óbvias sobre a defesa dos interesses dos trabalhadores, e a redução da competitividade e produtividade globais da economia, face ao baixo investimento que as firmas que usam muito NSE fazem em educação dos trabalhadores e em inovação tecnológica. Ademais, o NSE pode ter efeito negativo na seguridade social, face à diminuição das arrecadações previdenciárias.
Nada disso, no entanto, é necessário. No Brasil, o mercado de trabalho já é bastante flexível e a maioria dos contratos tem duração de apenas um ou dois anos. A rotatividade é muito alta, notadamente entre os trabalhadores menos qualificados. A ideia de que os trabalhadores brasileiros têm proteção demasiada, o que dificultaria a geração de empregos, é simplesmente ridícula.
Nosso país demonstrou que se podem gerar muitos empregos e se reduzir a informalidade, com a atual legislação laboral que protege minimamente os trabalhadores. Entre 2004 e 2014, foram gerados 23 milhões de empregos formais e o salário mínimo cresceu cerca de 75%. A formalização do mercado de trabalho, nesse período, subiu de 45,7% para 57,7%, fazendo crescer as receitas previdenciárias. Em dezembro daquele último ano, a taxa de desemprego atingiu seu mínimo histórico: 4,3%. A CLT atrapalhou? Não, a CLT ajudou, pois a demanda permaneceu aquecida não só devido à quantidade dos empregos, mas à qualidade dos postos de trabalho formais, cuja remuneração cresceu acompanhando o salário mínimo.
Ademais, a qualidade dos empregos, formais e protegidos, é de fundamental importância para os processos de distribuição de renda e o combate à pobreza. A própria OCDE publicou, em 2009, o relatório “O Papel do Emprego e da Proteção Social- Tornando o crescimento econômico mais pró-pobre”, no qual se afirma que o emprego decente é o principal caminho para a eliminação da pobreza e que a proteção social reduz a pobreza e a desigualdade transferindo renda para os pobres.
O relatório da OIT mostra que há duas estratégias opostas para a implantação do NSE. A primeira é a “estratégia da integração”, pela qual o NSE é introduzido como forma de atrair profissionais que não desejam ou não podem cumprir a jornada integral de trabalhos. Nesse caso, a flexibilização das regras trabalhistas resulta em trabalhos de boa qualidade. Foi o que aconteceu em alguns países do norte da Europa, com benefícios para alguns grupos específicos, como estudantes e mães com filhos pequenos.
Contudo, há também a “estratégia da marginalização”, na qual a reforma trabalhista é usada simplesmente para burlar a legislação em vigor e diminuir os custos do trabalho de um modo geral. Essa é a estratégia da Reforma Trabalhista do golpe.
O que se quer não é se revolver o problema de grupos e ou segmentos específicos. O que se quer não é adaptar a CLT a novas atividades econômicas. O que se quer é reduzir substancialmente os custos trabalhistas e aumentar as taxas de lucros, numa conjuntura recessiva. O que se quer é colocar os custos da crise nas costas do trabalhador. Além disso, há o desejo evidente de se fragilizar os sindicatos.
No Brasil, voltaram os massacres de trabalhadores. Os metafóricos (reforma trabalhista, reforma da previdência) e os literais (Colniza). Como na República Velha, a questão social voltou a ser caso de polícia.
O governo golpista, que declarou guerra aos trabalhadores e aos pobres, quer comemorar, neste 1º de maio, o pós-trabalho regular, o pós-emprego decente. Quer comemorar o fim da CLT.
Contudo, o êxito da greve geral do último dia 28 mostra que os trabalhadores do Brasil não aceitam as pós-verdades do governo ilegítimo e da mídia golpista e insiste em comemorar o trabalho decente. Insiste em manter seus direitos.
O dia do “pós-trabalho” golpista fracassará. O 1º de maio será sempre o Dia do Trabalho. Protegido e decente.
O que nunca foi decente é o golpe.
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