Golpe? Que golpe?

"Desespero e paranóia não ajudam a esvaziar a farsa de Bolsonaro", escreve o jornalista Mario Vitor Santos

Bolsonaro, fachada do STF e urna eletrônica
Bolsonaro, fachada do STF e urna eletrônica (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino | STF | TRE)


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Por Mario Vitor Santos

O país vem sendo abastecido de notícias e análises segundo as quais o presidente Jair Bolsonaro prepara um golpe. Ao emitir, desde o primeiro dia de mandato, seguidas declarações de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudado, o presidente na verdade já teria tomado um caminho sem volta. Quem diz que Bolsonaro dará um golpe tende a exagerar na dose e a descartar as dificuldades que essa opção traz e a fazer o jogo, que é o de ganhar no grito.

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A conferir:

1) A ideia do golpe prejudica a candidatura Bolsonaro. Aceitar participar de uma eleição em que o próprio candidato diz não confiar é, além de contraditório, um tiro no pé em termos eleitorais. São duas campanhas excludentes, uma para convencer o eleitor a votar em você e outra para levá-lo a duvidar do sistema da eleição. Além de estimular a abstenção, há uma incoerência, que só seria resolvida se o candidato se retirasse da disputa, que diz ser  viciada, em lugar de legitimá-la com sua participação.Sempre se poderá dizer que Bolsonaro aceitou assumir o poder com o resultado das urnas de 2018 em que foi sagrado vencedor. Agora, quando está em desvantagem, vai virar a mesa? O momento ótimo dessa providência já passou por falta de condições. Agora, Bolsonaro só perde eleitores moderados ao questionar a votação.

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2) a candidatura Bolsonaro dificulta o golpe. Participar no vértice de todas as etapas de eleições tão gerais como as brasileiras implica mobilizar milhares de candidatos em todos os níveis. Envolve compromissos federais e com governadores em todos os 27 estados, o Distrito Federal e com outros candidatos aos governos estaduais, também com aqueles que concorrem ao terço do Senado ou às 513 vagas da Câmara Federal. O mesmo vale para as milhares de candidaturas às assembleias estaduais, sem falar dos partidos aliados, federados e coligados em todos os níveis. Cada uma dessas candidaturas é uma máquina social voltada para o resultado que depende das urnas eletrônicas. Vale perguntar: na existência de um golpe antifraude, vão ser anuladas ou interditadas as eleições e seus vencedores, inclusive os aliados do bolsonarismo, em todos os estados e níveis atestados pelas urnas eletrônicas? Ou só serão vetados os vencedores da oposição?

3) a efetivação do golpe não tem apoio institucional interno e muito menos internacional. Também pelo que foi dito acima, um golpe em ano eleitoral, na proximidade do pleito, não terá apoio da Câmara (nem mesmo de Arthur Lira, o presidente da Casa, a julgar por suas declarações), do Senado (Rodrigo Pacheco já deixou claro) e menos ainda das instâncias da Justiça, a começar pelo Supremo Tribunal Federal e o próprio organizador da disputa, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não que estes tribunais sejam defensores incondicionais da pureza eleitoral. Só não há interesse agora.

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Os meios de comunicação conservadores, como os do grupo Globo, diferentemente do que aconteceu em 1964 e 2016, manifestam-se agora unanimemente, com uma ou outra exceção, favoráveis ao sistema de votação e consideram que Bolsonaro mente e desestabiliza a democracia ao investir contra ele. 

No plano internacional, não há qualquer indício de que um eventual golpe encontraria senão distância, frieza e até rejeição das potências e blocos, a começar pelos Estados Unidos. Envolvidos no passado nas conspirações contra João Goulart e Dilma Rousseff, os EUA agora, por conveniências eleitorais internas e geopolíticas, fazem questão de alardear seu respeito às urnas brasileiras e assim se afastar de Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro é adversário, quase inimigo, do seu correspondente da Casa Branca, o democrata Joe Biden.  O brasileiro fez campanha pelo republicano Donald Trump, que se prepara para disputar de novo a presidência estadunidense. Há um certo paralelismo nos processos americano e brasileiro, sendo Bolsonaro um caudatário de Trump. Bolsonaro vai pressionar, mas se derrotado vai considerar a hipótese de repetir Trump e aguardar nova eleição.

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Imagina-se que o golpe aqui ocorreria por alguma fagulha na forma de conflito, rebelião ou uma provocação no processo de votação, ou mesmo por uma insurgência contra o resultado inaceitável das urnas para os bolsonaristas, maquiado na fantasiosa "sala secreta" que Bolsonaro diz existir no TSE.

Nessa linha, o golpe tupiniquim poderia ser moldado na suposta tentativa de adeptos do trumpismo no episódio da invasão ao Capitólio. Mas aquela não foi uma tentativa séria de golpe, como os democratas e a mídia ocidental, totalmente alinhada a eles, procuram fazer crer. A invasão do Parlamento estadunidense foi uma aventura desarticulada e um protesto desastroso sem qualquer ambição de tomada do poder. Acusa-se Trump de engendrar esse assalto, mas nem ele seria capaz de tanta improvisação. Nem mesmo a suposta recusa dos militares americanos àquele "golpe" é digna de crédito. Nem lhes foi pedido o golpe, nem eles heroicamente negaram. 

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Fica a dúvida sobre a atitude dos militares brasileiros diante de um eventual chamado a um golpe de natureza continuísta contra as eleições, estes militares que já foram lançados atrapalhadamente no questionamento do sistema eleitoral. A resposta a essa questão é não. Apesar de sua índole golpista, o estamento militar não pode agir politicamente alheio e à margem das "regras da política".

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