Golpe fracassado do capitão deixa generais na chapa quente

"Generais cumpriram seu dever ao não aderir a acenos golpistas, mas preferiram calar quando subordinados brincavam de tiro na democracia", diz Helena Chagas

“Segurança e desenvolvimento”, lema da ditadura, não foi abandonado por governo Bolsonaro
“Segurança e desenvolvimento”, lema da ditadura, não foi abandonado por governo Bolsonaro


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O que choca no material extraído do celular do coronel Cid, que se junta ao lixo golpista achado no armário de Anderson Torres e em outros escaninhos, não é apenas seu teor — minutas de normas (i)legais ensaiando modalidades diversas de atentado ao Estado democrático de direito. Tão ou mais grave é a comprovação de que havia bastante gente envolvida na conspiração, ao  menos entre os militares. Dezenas? Dúzias? Os prints de grupos do WhatsApp de Cid mostram uma diversidade de tenentes hidrófobos e coronéis alucinados, que mencionam generais simpáticos à armação. Sugerem que os subversivos verde-oliva não eram um pequeno grupo de gatos pingados, e que o golpe era um segredo de Polichinelo no entorno de Jair Bolsonaro. O pior de tudo é que, em sua vasta maioria, eles continuam soltos por aí.

Parece claro que o golpe só não deu certo porque não teve o apoio do Alto Comando. Tivesse o respaldo desses generais,  Bolsonaro teria investido contra a Constituição, as eleições, a democracia. Não à toa, Cid menciona num diálogo com o coronel  golpista Lawand Jr, que implorava pelo golpe, que seu chefe “não confiava” no Alto Comando do Exército.  

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Essa versão bate com as que nós, civis desinformados, ouvíamos em tom de lenda urbana logo após a eleição — aliás, já entre primeiro e segundo turnos. De acordo com elas, o desesperado Bolsonaro, antevendo a derrota, tentara convencer os comandantes militares a tomar medidas de força ainda dentro de certa legalidade, como a GLO, mas com o objetivo de intimidar e interferir na votação. Teria recebido negativas, e talvez daí a “desconfiança" relatada por Cid. 

Mas o fato de integrantes do Alto Comando não terem topado o golpe naquele momento não os exime de responsabilidade por tudo o que aconteceu — que teve sua ponta mais visível no 8/1 mas que, vai-se descobrindo, movimentou perigosamente as profundezas do estamento militar. Centenas de radicais bolsonaristas acampavam às portas dos quartéis, entoando orações golpistas, e nada nem ninguém os perturbou. Coronéis e tenentes tramavam romper a institucionalidade, e impedir a posse de um presidente eleito, em conversinhas de zap que dificilmente terão passado despercebidas a seus superiores.

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Os generais de quatro estrelas cumpriram seu dever ao não aderir a acenos golpistas, mas preferiram calar quando seus subordinados brincavam de tiro ao alvo na democracia. A omissão os coloca hoje diante de crise muito maior. Sob o risco de desmoralização das Forças Armadas perante o país — que, de direita ou de esquerda, é majoritariamente antigolpista — , terão que punir exemplarmente os que participaram da conspirata.

Não basta revogar nomeações para os Estados Unidos. Dentro das normas do Estado de direito — que eles queriam abolir — os militares que atentaram contra a Constituição devem ter direito de defesa, ser julgados pelo STF e responder criminalmente. Devem ir para a cadeia, como todos os golpistas. O Exército, além de apoiar a legalidade do processo, deve  fazer o  dever de casa: expulsá-los da Força, cassar comendas, cortar soldos e pensões. Seja de quantos forem, e sabemos que não são poucos. 

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Passou da hora de fazer a “limpeza” das Forças Armadas, o expurgo dos inimigos da democracia, o desaparelhamento do bolsonarismo. São  providências duras, que exigem cortar na carne, mas sem elas não será possível resgatar o prestígio duramente conquistado pela instituição no período pós-ditadura. 

Queremos crer que a grande maioria dos militares não é golpista — e, dentro da legalidade, eles têm todo o direito de não gostar de candidatos de esquerda e votar na direita. Mas apenas a punição exemplar dos conspiradores permitirá que seus comandantes apaguem dos uniformes as nódoas  resultantes do triste capítulo de sua participação no governo do capitão.

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