Golpe bolsonarista tinha tudo para não dar certo

No caso de dar um golpe, o ditador seria um general de 4 estrelas, jamais o ex-capitão. Por isso ele amarelou, como está nas mensagens do celular de Mauro Cid

Jair Bolsoanro e ato golpista em Brasília
Jair Bolsoanro e ato golpista em Brasília (Foto: REUTERS/Carla Carniel | Joédson Alves/Agencia Brasil)


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No primeiro dia de outubro de 1937, a manchete do Correio da Manhã acordou os cariocas com uma informação assustadora:

   “As instruções do Komintern para a ação de seus agentes contra o Brasil”.

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   “O Estado Maior do Exército”, diz a matéria, “apreendeu os planos de ação, dentre os quais constam, no capítulo Instruções e Programa de Ação do Partido Comunista para o Brasil,  saques e depredações na capital do país”.

    Apesar da falta de maiores detalhes - onde foi apreendido o plano? Quem são seus autores? Foram presos? - todo mundo, ou quase todo mundo, acreditou que o Brasil estava a um milímetro de ser invadido pela União Soviética! Se é que já não tinha sido invadido e ninguém avisou.

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   Pais de família ordenaram que as crianças e as mulheres não saíssem de casa até segunda ordem. (Comunista come criancinha, já se sabia e quanto às mulheres, vai saber…) Políticos alinharam-se, em uníssono, ao presidente Getúlio Vargas, cujo governo os vermelhos pretendiam usurpar. 

   O Congresso implorou a Getúlio, quase de joelhos, decretar o estado de guerra, que era tudo o que ele queria, pois o tal plano, depois apelidado Plano Cohen era um documento falso que ele encomendou à cúpula do Exército Brasileiro e que foi produzido pelo integralista capitão Olímpio Mourão Filho.

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   Em razão do clima de ameaça de invasão do país, Getúlio mandou tropas para o Sul com a missão de federalizar as forças gaúchas comandadas pelo governador Flores da Cunha, seu opositor, que entendeu o recado e partiu para o exílio, pois apoiava o candidato da oposição na eleição presidencial marcada para 3 de março de 1938.

   Claro, as eleições “tiveram” de ser canceladas, uma decisão providencial, já que o candidato do governo, o escritor José Américo de Almeida não empolgava, nem com todo o apoio da máquina do Catete.

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   E foi então que, com todo o apoio do Congresso, das Forças Armadas, dos governadores, da imprensa e da população, e com a missão de impedir a invasão do país pelos comunistas, Getúlio decretou, a 10 de novembro de 1937, o fim do regime democrático, proclamando-se a única força política do país, dando o pontapé inicial naquilo que depois ficou conhecido como Estado Novo.

   Foi um golpe sem banho de sangue. Getúlio simplesmente cercou os prédios da Câmara e do Senado com a cavalaria antes de destituir todos os parlamentares e fechar todos os partidos.

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   O golpe de 64 não foi tão bem organizado, começou de forma atabalhoada, sob comando daquele capitão que assinou o Plano Cohen, agora general-de-Exército, mas havia clima para ele e muitas semelhanças com o golpe de Getúlio: apoio da classe média, apavorada com a ameaça comunista cinco anos depois da revolução cubana; apoio do governo dos Estados Unidos, temendo uma nova Cuba; apoio da imprensa tremendo de medo de ser fechada se o comunismo triunfasse; apoio dos governadores de São Paulo, Rio e Minas e o mesmo pretexto: a ameaça externa do comunismo. 

   O presidente João Goulart, embora não fosse, era pintado pelo embaixador ianque no Brasil, Lincoln Gordon, como o novo Fidel.

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   Pelo que se conhece até agora do golpe bolsonarista, seus líderes agiram de forma a tudo dar errado. Não consultaram as cartilhas de 37 e 64. Colocaram a carroça na frente dos bois. Não tinham apoio dos governadores, nem da imprensa, nem dos Estados Unidos.

   Preocuparam-se, em primeiro lugar, em redigir minutas de atos institucionais, sem antes combinar com os russos. O plano original, ao que tudo indica, era criar uma situação de caos incontrolável em Brasília ainda no mandato de Bolsonaro, que dessa forma teria pretexto para decretar o estado de sítio e impedir a posse de Lula.

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   Com Lula no poder, qualquer distúrbio seria controlado por ele, como foi.

   Embora haja militares graduados na conspiração, não houve adesão do Estado Maior do Exército, por um simples e singelo motivo: os militares só intervêm em caso de ameaça externa - real ou inventada - e no caso atual essa ameaça não existe. Pois a proteção da nação é dever das Forças Armadas. Na ausência dessa ameaça não há pretexto para golpe sem que seja crime de Estado. E ninguém dá um golpe militar sem o Estado Maior.

  Também não houve adesão do Estado Maior porque seria o fim do mundo se concordasse em cometer o maior crime previsto na constituição para entregar o poder ditatorial a um ex-capitão expurgado do Exército que já o confrontava só com o poder presidencial. 

   Bolsonaro ditador não seria bom nem para o Exército. Se fosse o caso de dar um golpe, o ditador seria um general de quatro estrelas, jamais o ex-capitão. Por isso ele amarelou, como está nas mensagens do celular de Mauro Cid. 

   Se tivesse dado a ordem de golpe à revelia do Estado Maior, estava arriscado a ser preso pelos generais.      

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