Globo boicota as mulheres: cava sua cova?
"Diante dos descalabros protagonizados pelo (des)governo de Jair Bolsonaro, a sociedade começa a se mexer. Bem ou mal, retoma o caminho das ruas", escreve Marcelo Auler, do Jornalistas pela Democracia, em referência a manifestações de mulheres contra o ocupante do Planalto. Mas, para o jornal O Globo, os atos "só ocorreram no exterior", critica ele
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Por Marcelo Auler, em seu blog e para o Jornalistas pela Democracia
Na tarde/noite de segunda-feira (09/03), milhares de mulheres, mas não apenas elas, lotaram a Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro. Foi uma manifestação tardia pelo Dia Internacional das Mulheres, comemorado oficialmente na véspera, 8 de março. Na data certa, no Rio também ocorreram pequenas manifestações, em especial na praia de Copacabana, zona Sul da cidade, em na Praça Mauá, no centro.
Para os leitores do jornal O Globo, o maior do Estado do Rio, porém, as comemorações do Dia Internacional das Mulheres só ocorreram no exterior. Nada teria acontecido, nem no Rio, nem no Brasil. Isto, apesar de mulheres paulistas, no domingo, terem ocupado a Avenida Paulista em São Paulo, assim como em outras capitais e cidades. Tal como mostraram, por exemplo, a Folha de S. Paulo e o portal UOL.
Foram manifestações pacíficas. Algumas com mais, outra com menos gente. Delas participaram, inclusive, mulheres Evangélicas, como noticiou a Folha. No Rio, na segunda-feira, além de mulheres Evangélicas, uma ala foi criada com as “Mães e suas crias, na Luta!”. Repleta de mulheres – alguns homens, também – carregando seus filhos. De todas as idades, gêneros e raça. Democraticamente.
Mas isso, para os leitores de O Globo – e provavelmente os telespectadores da TV Globo (não conferi) – simplesmente não existiu. O que houve, segundo as edições de segunda-feira (09/03) e de terça-feira (10/03) foram manifestações no Chile e na Argentina, respectivamente. Nada sobre o que ocorreu a alguns quarteirões de sua sede.
O que as Organizações Globo fizeram, queiram ou não seus diretores e editores, chama-se censura. Pura e simplesmente. Seja pelos motivos que forem. Deixaram de informar aos seus leitores manifestações legítimas, ordeiras, De mo crá ti cas. Repetiram o que fizeram em 1984, quando do início da Campanha das Diretas Já, que tentaram esconder. Como se isso fosse possível.
Provavelmente pensam que aquilo que não noticiam, não acontece. As Diretas Já acabaram acontecendo e marcando definitivamente o papel antidemocrático destas organizações. Mas, ao que parece, elas não aprenderam. Caem no mesmo erro.
A censura dos grandes órgãos de comunicação é algo antigo. Eles, em seus editoriais, vira e mexe, desfraldam as bandeiras da Liberdade de Expressão e da Liberdade de Imprensa. Nem sempre a exercitam. Normalmente esquecem quando não coincide com seus interesses ideológicos e/ou econômicos. Principalmente, os econômicos. Nem mesmo para criticar. Preferem esquecer determinados fatos, mesmo que isso se choque com a realidade e esconda dos seus leitores e ouvintes os conflitos/movimentações surgidas na sociedade.
Verdade que o papel de O Globo, com relação ao Dia Internacional das Mulheres, no Brasil, diferenciou-se dos demais grandes jornais. A Folha cumpriu seu papel. Mostrou o que aconteceu em diversas cidades, focando sempre em São Paulo, onde está a sua maior circulação. Mas falou de Campinas (SP), de Brasília, do Rio, de Salvador, Belo Horizonte, Curitiba.
O Estadão também se censurou. Mas na sua edição de segunda-feira (09/03), limitou-se a registrar a manifestação em São Paulo através de uma foto legenda. Sem maiores detalhes ou qualquer chamada a respeito.
Os dois jornais paulistas, por sua vez, na edição de terça-feira ignoraram o que ocorreu no Rio de Janeiro, no final da tarde de segunda-feira. Esconderam fatos concretos de seus leitores.
Foi uma manifestação como há muito não se via na cidade. Comparável à manifestação dos estudantes em 2019, embora aquela possa até ter sido maior. Mas a das mulheres não deixou nada a desejar, ainda mais em se tratando do momento político que estamos vivenciando.
Nisso reside o problema da grande imprensa. Ao ignorarem as movimentações, deixam de mostrar aos leitores que, diante dos descalabros protagonizados pelo (des)governo de Jair Bolsonaro, a sociedade começa a se mexer. Bem ou mal, retoma o caminho das ruas.
Terá sido uma mera “bolha” que se repete a cada ano, no Dia Internacional das Mulheres? Teria ocorrido, na mesma intensidade, fosse qualquer outro o governo de plantão? Estariam acontecendo com essas participações, caso Bolsonaro não estivesse convocando seus seguidores para a manifestação do dia 15, quando pretendem pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal?
Pessoalmente, não creio. Os diversos movimentos/segmentos que marcaram presença com faixas, cartazes, botons e adesivos clamavam por democracia, por respeito, por liberdade, inclusive e principalmente para as mulheres. Incluindo também o direito ao aborto. Portanto, contra o governo que aí está. Declaradamente contra Bolsonaro e suas políticas misóginas, homofóbicas, racistas. Enfim, fascistas.
Um detalhe chamava a atenção de quem esteve na manifestação das mulheres na segunda-feira: a variedade de gerações presentes. Estavam desde criancinhas, levadas por suas mães e pais – não apenas na ala citada, “Mães e suas crias, na Luta!”. Espalhavam-se por todo o percurso da avenida Rio Branco, que lotou, como há muito não se via, reprise-se. Jovens também eram muitos. Mais mulheres, porém, muitos adolescentes homens.
Ou seja, mesmo que seja a “bolha” da esquerda, não é mais, como se viu em algumas manifestações mais recentes, uma bolha de idosos, saudosistas das lutas travadas na ditadura militar. A favor da Anistia, do Voto Direto. Contra as prisões, torturas e assassinatos cometidos pelos militares de plantão. Estes também marcaram presença, mas desta vez não formavam a maioria.
Certamente não será possível identificar se naquele grupo estavam eleitores de Bolsonaro insatisfeitos. Pode ser que sim. Provavelmente, não eram muitos.
Mas os sinais que surgem – não necessariamente apenas nestas manifestações – é que os eleitores dele insatisfeitos/arrependidos aumentam.
Tal como relatou na terça-feira (10/03) Mônica Bérgamo na sua coluna na Folha – Governo perde guerra nas redes e Congresso decide deixá-lo falando sozinho. Segundo ela,
“Um estudo da AP Exata distribuído a bancos e empresas e que circulou entre autoridades na segunda (9) dizia que “o governo vem perdendo a guerra da dominância narrativa nas redes. Seus apoiadores fazem muito barulho, mas só têm influenciado uma bolha cada vez mais radicalizada”.
A coluna acrescentou:
“Se antes a capilarização abrangia outras bolhas, como a anti-PT, anti-corrupção ou a moralista, ela agora está “focada apenas no público que o idolatra”, diz Sergio Denicole, da AP Exata.”
Não se está dizendo que o governo Bolsonaro ficou só, isolado. Não. Seus apoiadores ainda são muitos – talvez os 30% que se fala com constância. Aqueles mais radicais. De direita. Muitos tipicamente fascistas que tiveram coragem de sair do armário com estes governantes. Sentiram-se encorajados.
Mas outros eleitores deles se distanciam. Tal como Mônica Bergamo explicou:
“A militância nas redes “já não consegue ultrapassar essa barreira, mesmo com a atuação de perfis de interferência que defendem o bolsonarismo nas redes”, como robôs, perfis fakes e adeptos. De acordo ainda com a análise distribuída pela AP Exata, isso explica o fato de Bolsonaro “ter convocado pessoalmente as pessoas às ruas”.
Algo que se reflete na convocação do ato do dia 15 de março. Como a mesma Folha divulgou nesta quarta-feira (11/03), em matéria de Daniela Arcanjo – Mobilização por dia 15 encolhe em rede social mesmo após fala de Bolsonaro, aponta consultoria.
Há, portanto, o risco de a auto censura da grande imprensa privar seus leitores – que já são poucos, comparados aos que recebem as fakes news dos bolsonaristas -, de informações que permitam avaliar possíveis mudanças no ânimo da sociedade como um todo. Permanecem – por medo ou conveniência – no discurso oficial, no bate-boca entre políticos e partidos, ignorando o que os movimentos sociais estão fazendo e articulando. Deixam de refletir o que acontece na sociedade.
Com isso, correm o risco de aumentarem o descrédito junto aos leitores, em especial aqueles que não seguem pelas redes sociais o bolsonarismo. Mas estes também. Enfim, pouco a pouco, podem estar cavando a própria cova. Que já é enorme, diante do fator “redes sociais”.
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