Glenn Greenwald

"O passo, que considero criticável, de ter ajudado Trump, o pior presidente norte-americano, mobilizador de milícias de direita, numa reeleição posta a perigo, não apagará nem irá desmerecer a extraordinária trajetória passada de Glenn Greenwald na construção de um jornalismo sério e independente", diz o colunista Flávio Aguiar

Glenn Greenwald
Glenn Greenwald (Foto: Adriano Machado - Reuters)


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Por Flávio Aguiar

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Glenn Greenwald deu uma ajuda para Donald Trump tentar se reeleger: esta constatação é incontornável. Talvez seja uma das únicas certezas que se possa ter dentro deste imbroglio envolvendo o jornalista, o site The Intercept, o presidente e o candidato a substituí-lo. De resto, podemos nos debater sobre muitas coisas, dar voltas e contravoltas sobre o caso, os críticos da atitude do jornalista (entre os quais me incluo), que invocam a oportunidade nefasta de seu artigo contra Joe Biden e a mídia mainstream que o apoia, e os favoráveis a ele, que invocam o princípio de que a verdade deve aparecer, doa a quem doer.

A verdade, porém, é que, fora daquela conclusão incontornável acima descrita, há mais bruma e confusão do que clareza, mais perguntas sem respostas que respostas que esclareçam as perguntas.

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Comecemos por The Intercept. É um veículo inteiramente virtual, criado a partir do fundo gerido por uma organização chamada First Look Media, com dotação inicial de 250 milhões de dólares, feita pelo bilionário norte-americano Pierre Omidyar, nascido em Paris de pais iranianos. Omidyar é dono da rede virtual eBay, se apresenta como patrocinador da mídia independente, e é um dos financiadores assíduos do Partido Democrata. Desde sua criação, a First Look Media é alvo de controvérsias sobre a competência na administração do fundo sob sua guarda. Quais são as controvérsias? Não dá para se saber muito bem; só se sabe que elas existem, e que provocaram adesões e afastamentos dentro do grupo.

Os fundadores do The Intercept foram Jeremy Scahill, Glenn Greenwald e Laura Poitras, sendo que Glenn e Laura foram os entrevistadores de Edward Snowden em Hong Kong antes que este fosse obrigado a se refugiar na Rússia, país onde estava em trânsito para o Equador, quando o governo norte-americano cassou seu passaporte. Posteriormente a jornalista Betsy Reed se juntou ao grupo diretor, além de outros e outras profissionais. Ao que tudo indica, mas pouco se sabe com certeza, as tensões entre Glennwald e alguns membros da direção, em particular com Betsy, já vinham se intensificando desde algum tempo, explodindo agora com o afastamento de Glenn, suas acusações de ter sofrido censura, coisa que a equipe diretora do The Intercept nega.

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Por que Greenwald decidiu escrever seu artigo sobre as denúncias contra Joe Biden, e o que ele vê como a cumplicidade da maior parte da mídia mainstream dos EUA com o candidato democrata, logo agora, às vésperas do que vem sendo descrito como o mais importante pleito eleitoral da história recente do país? É uma boa pergunta, ainda sem uma boa resposta.

O artigo em disputa requenta uma série de acusações contra Joe Biden e seu filho Hunter, envolvendo favorecimentos e intervenções em negócios de uma empresa chamada Burisma na Ucrânia, e possíveis negócios na China.

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As acusações que envolvem a Ucrânia são particularmente graves, pois implicariam em um jogo de influências sobre o governo daquele país e até a promotoria ucraniana, que as investigaria. As acusações datam de 2017, tendo como fiador o depoimento de um empresário de nome Tony Bobulinsky, que também se refere aos supostos negócios na China, depoimento este a que falta a apresentação de provas documentadas e cabais. Além disto, corroboram as acusações pistas deixadas num computador pertencente ao filho de Biden. Este deixou o aparelho para conserto numa loja em Delaware. O dono da loja, constatando que o dono não reclamava o aparelho, violou seu conteúdo, entregando o que encontrou para o FBI, e também para o assessor da campanha de Trump, o ex-prefeito de Nova Iorque, Rudy Giuliani. Embora o caso seja nebuloso, pode-se entender que o dono da loja tenha procurado o FBI. Mas por quê Giuliani? Sem resposta a não ser a de que Giuliani já fora enviado por Trump para a Ucrânia, a fim de investigar por conta própria as acusações contra o filho de Biden. Qual a ligação entre o dono da loja e Giuliani, e o Partido Republicano? Também sem resposta.

O caso da China é importante? Deve ser, mas não fica claro o porquê, a não ser pelo fato de que “China” é uma palavra chave na campanha de Trump. Há uma constatação também importante: quem de fato tem negócios na China é Trump, que paga um imposto avolumado naquele país, enquanto paga uma merreca nos Estados Unidos.

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Biden escolheu como estratégia não responder as acusações. Certo ou errado? Sem resposta. Quem cala consente? Quem responde acusações anima o fogo do inimigo? Novas perguntas sem resposta. O certo é que a partir deste silêncio do candidato, Greenwald conclui que a mídia que o apoia decidiu igualmente ignorá-las. As acusações partiram unicamente da mídia que apoia Trump, a Fox News, e do jornal New York Post, um tabloide sensacionalista pertencente ao grupo do famigerado empresário de mídia australiano, Rupert Murdoch, conhecido por suas posições reacionárias e pró-Trump, e repercussões dentro do mesmo círculo. Por isto tiveram sua credibilidade posta em dúvida. Conclusão: para prosperarem, as acusações precisavam encontrar o apoio de alguma outra mídia. Encontraram? Encontraram: o artigo de Greenwald, às vésperas da eleição. O artigo encontrou imediata ressonância na Fox News.

O elo de ligação foi o programa de um jornalista chamado Tucker Carlson, um talkshow chamado “Tucker Carlson Tonight”, reconhecido trumpista e um dos veiculadores das acusações contra Biden, acusações retrabalhadas por Greenwald em seu artigo. Imediatamente após a crise no The Intercept, Tucker chamou Greenwald para entrevista-lo, apresentando-o como um jornalista “Leftwing” – o que, é claro, lança o carimbo das denúncias para fora do círculo Fox News/New York Post e assemelhados.

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É conhecida a animosidade entre jornalistas do porte de Greenwald e o establishment do Partido Democrata, agravada desde o caso Snowden, que Hillary Clinton caracterizou como um fora-da-lei. Greenwald cita outro jornalista do mesmo porte, Matt Taibbi, editor da newsletter Substack, que acolheu o artigo recusado pelo The Intercept. Taibbi assumiu a defesa de Trump quando este foi acusado na mídia de estar forçando a barra na Ucrânia – através, dentre outros meios, de Rudy Giuliani – para obter alguma fundamentação das acusações contra Biden e seu filho.

Em resumo, o caso todo suscita muitas perguntas e dúvidas e poucas respostas. Em seu artigo, Greenwald ainda percorre o caso das denúncias envolvendo uma – suposta? possível? provável? – ação russa sobre as eleições norte-americanas. E tudo deságua na sua análise sobre a cumplicidade de grande parte da mídia com a candidatura de Biden.

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Depois de tudo, a conclusão do próprio Greenwald é taxativa: “Mas o verdadeiro escândalo que foi comprovado não é a má conduta do ex-vice-presidente [Biden], mas a de seus apoiadores na mídia dos Estados Unidos”. Se esta é a conclusão, por que então lançar um artigo-aríete contra Joe Biden às vésperas da eleição? Por que se refugiar na Fox News? Por que não lançar um artigo denunciando toda a mídia mainstream dos EUA? Será a Fox News um poço de virtudes num pantanal de vaidades falaciosas?

Para terminar, apresento outra conclusão insofismável: este passo, que considero criticável, de ter ajudado Trump, o pior presidente norte-americano, mobilizador de milícias de direita, numa reeleição posta a perigo, não apagará nem irá desmerecer a extraordinária trajetória passada de Glenn Greenwald na construção de um jornalismo sério e independente. Prejudicará sua credibilidade no futuro? Tomara que não, mas por ora esta é outra pergunta ainda sem resposta.

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