Gasodutistão: uma fábula para o nosso tempo

Esperava-se que a Ucrânia impedisse que a Rússia viesse a aprofundar seus laços com a Alemanha no setor de energia. Não foi isso que aconteceu



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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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Houve um tempo, no Gasodutistão, quando histórias de infortúnio eram a norma. Sonhos despedaçados entulhavam o tabuleiro de xadrez – do IPI (Índia-Paquistão-Irã) versus TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão Índia), na região do AfPak (Afeganistão-Paquistão), até a opera que se desenrola no palco da Europa, tão convoluta quanto o Nabuco de Verdi.

Em nítido contraste, sempre que a China entrava em cena, prevaleciam projetos concluídos com sucesso. Pequim financiou um gasoduto ligando o Turcomenistão a Xinjiang, terminado em 2009, e irá obter lucros com dois espetaculares acordos do Poder da Sibéria firmados com a Rússia.

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E então, temos a Ucrânia. O Maidan foi um projeto do governo Obama, no qual estrelava um elenco de primeira grandeza liderado pelo Presidente: Hillary Clinton, Joe Biden, John McCain e, não menos importante, Victoria "Foda-se a União Europeia" Nuland, aquela que distribuía biscoitos em Kiev.

Além disso, esperava-se que a Ucrânia conseguisse impedir que a Rússia viesse a aprofundar seus laços no setor da energia com a Alemanha e outras destinações europeias.  

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Bem, o que aconteceu não foi exatamente isso. A Nord Stream já estava em operação. O South Stream era o projeto da Gazprom para o sudeste europeu. Pressões implacáveis do governo Obama tiraram o projeto dos trilhos. No entanto, isso só serviu para possibilitar uma ressurreição: a já concluída TurkStream, que entrou em funcionamento em janeiro de 2020.
O campo de batalha então se transferiu para o Nord Stream 2. Desta vez, a pressão implacável do governo Donald Trump não a tirou dos trilhos. Ao contrário: a obra será entregue em fins de 2020.

Richard Grennel, embaixador dos Estados Unidos na Alemanha, chamado de "superstar" pelo Presidente Trump, ficou furioso. Como seria de se esperar, ele ameaçou seus parceiros na Nordstream 2 – ENGIE, OMV, Royal Dutch Shell, Uniper e Wintershall – com "novas sanções". 

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E pior ainda: ele enfatizou que a Alemanha "tem que parar de alimentar a besta em um momento em que ela não contribui o bastante para a OTAN". 

"Alimentar a besta" não é um código exatamente sutil para "comércio de energia com a Rússia". 

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Peter Altmaier, ministro alemão para assuntos econômicos e de energia, não gostou muito. Berlim não reconhece a legalidade de sanções extra-territoriais

Grennel, além do mais, não é exatamente popular em Berlim. Diplomatas estouraram champanhe quando souberam que ele estava voltando para casa, para se tornar chefe do serviço nacional de inteligência dos Estados Unidos. 

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As sanções do governo Trump atrasaram o Nordstream 2 cerca de um ano, no máximo. O que realmente importa é que, nesse intervalo, Kiev teve que assinar um acordo de trânsito de gás com a Gazprom. O que ninguém está mencionando é que, por volta de 2025, não haverá mais gás russo passando pela Ucrânia a caminho da Europa. 

Todo o projeto Maidan, portanto, foi de fato inútil. 

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Circula em Bruxelas a piada de que a União Europeia nunca teve e jamais terá uma política de energia unificada com relação à Rússia. A União Europeia criou uma diretriz sobre gás para forçar que a propriedade da Nord Stream 2  seja separada do gás que corre no gasoduto. Os tribunais alemães pronunciaram seu próprio "nein".  

A Nord Stream 2 é um assunto sério de segurança nacional energética para a Alemanha. 

E não se esqueçam da Sibéria 

A moral desta fábula é que, agora, dois dos principais nós do Gasodutistão – o Turk Stream e o Nord Stream 2 – já se encontram estabelecidos como cordões umbilicais de aço ligando a Rússia a dois aliados da OTAN.

E, seguindo a linha dos proverbiais enredos em que todos só têm a ganhar, agora é a vez da China de solidificar suas relações europeias.  

Na semana passada, a chanceler alemã Angela Merkel e o premier chinês Li Keqiang realizaram uma videoconferência para discutir a Covid-19 e a política econômica China-União Europeia. 

Isso ocorreu no dia seguinte à conversa entre Merkel e o Presidente Xi , na qual eles concordaram que a conferência de cúpula China-União Europeia, que ocorreria em Leipzig em 14 de setembro, teria que ser adiada.  

Essa cúpula seria o clímax da presidência alemã da União Europeia, que começa em 1º de julho. Nessa ocasião, a Alemanha poderá apresentar uma política unificada com relação à China, reunindo, em tese, os 27 membros da União Europeia, e não apenas os 17 + 1 da Europa Central e dos Bálcãs - incluindo onze membros da União Europeia - que já têm uma relação privilegiada com Pequim, e que participam da Iniciativa Cinturão e Rota.  

Ao contrário do governo Trump, Merkel privilegia uma parceria clara e ampla com a China – que vai muito além das cúpulas pretexto-para-fotografia. Berlim é muito mais sofisticada, em termos geoeconômicos, que a vaga abordagem "engajamento e exigência" de Paris. 

Merkel, tanto quanto Xi, tem plena consciência da iminente fragmentação da economia mundial no pós-Lockdown. No entanto, por mais que Pequim esteja disposta a abandonar a estratégia de circulação global com a qual ela tanto lucrou nas últimas duas décadas, a ênfase vai também para o refinamento de relações comerciais muito próximas com a Europa.  

Ray McGovern detalhou de forma concisa o estado atual das relações Estados Unidos-Rússia. O cerne de toda a questão, do ponto de vista de Moscou, foi resumido pelo Ministro-Adjunto das Relações Exteriores, Sergei Ryabkov, um diplomata extremamente capaz: 

"Não acreditamos que os Estados Unidos, nas atuais circunstâncias, sejam uma contrapartida confiável e, portanto, não confiamos minimamente, não acreditamos minimamente neles. Nossos cálculos e nossas conclusões, portanto, se pautam menos no que a América vem fazendo... Temos grande apreço por nossas relações próximas e amigáveis com a China. Vemos essas relações como uma parceria estratégia ampla em diferentes setores, e pretendemos levá-la adiante". 

Está tudo aí. A "parceria estratégia ampla" Rússia-China vem avançando de forma sólida, incluindo o Gasodutistão "Poder da Sibéria". E também o Gasodutistão ligando dois dos principais aliados da OTAN. Sanções? Que sanções?

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