Gafanhotos, criminosos ambientais e um poema
"A Vale, criada por Getúlio Vargas em 1942 e que deixou de ser patrimônio nacional em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi privatizada e se tornou uma geradora de lucros. Uma espécie de “gafanhoto-mor”, que vive para saciar o próprio apetite e de colecionar desastres ambientais. Não aprende com nenhum. E, pelo visto, não guarda lições para melhorar o futuro", diz o colunista Gilvandro Filho, da rede de Jornalistas pela Democracia

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Em termos de efeitos nefastos ao meio ambiente, as mineradoras brasileiras equivalem aos gafanhotos do Egito Antigo. São letais e devastadoras. A diferença básica entra as duas hecatombes é que os gafanhotos não pensam, agem (ou agiam, para se prender ao exemplo) por sua natural e instintiva irresponsabilidade.
A praga de hoje tem diretores pagos em dólar, que teoricamente pensam. Gastam milhões de reais em marketing e planejamento para ampliar seus resultados e lucros. Sua irresponsabilidade vem da leniência e do descaso.
A Vale, criada por Getúlio Vargas em 1942 e que deixou de ser patrimônio nacional em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi privatizada e se tornou uma geradora de lucros. Uma espécie de “gafanhoto-mor”, que vive para saciar o próprio apetite e de colecionar desastres ambientais. Não aprende com nenhum. E, pelo visto, não guarda lições para melhorar o futuro.
Há menos de quatro anos, em 2015, um mar de lama marrom e fétida foi jogado em cima do Rio Doce. Na época, um alerta foi dado, em abril, e a empresa não deu a menor importância. Em novembro daquele ano, o rompimento de duas barragens, incluindo a do Fundão, aconteceu. O caso ficou conhecido como “Tragédia de Mariana”. Erroneamente. Houve um crime ambiental causado pelo descaso e pela falta de monitoramento e de fiscalização.
Os mesmos fatores incidem, agora, nessa tragédia criminosa de Brumadinho. Houve alertas, em dezembro passado, quanto à fragilidade da barragem do Córrego do Feijão, que nem operava mais, segundo a própria Vale. Novamente, como dantes, as providências não foram tomadas. Não é difícil imaginar o que poderia acontecer. E aconteceu.
Desta vez, em proporções que se preveem muito maiores que em Mariana. Em mortos, em desaparecidos e em efeitos ambientais. Há informações de que a mina do Feijão obteve sua ampliação autorizada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental, em dezembro de 2018.
São crimes sem castigo. Multas milionárias só atingem o bolso da empresa, quando atingem. Em 2015, como agora, se anuncia a aplicação de multas até bilionárias. Não adianta nada. Recursos jurídicos existem para postergar o pagamentos e anulando efeitos punitivos.
Outra coisa: as mineradoras fazem que levam a sério e o governo faz que fiscaliza. Agora, então, não é difícil imaginar o que virá por aí. O relaxamento da fiscalização e do controle em cima de empresas que cometem crimes contra o meio ambiente já está estabelecido, via decreto, no Brasil de Bolsonaro.
Em 2015, a lama de rejeitos de minério de ferro da Samarco Mineração S.A., operadora da Vale, invadiu o Rio Doce, causou estragos incalculáveis, provocou mortes, destruiu a cidade de Bento Rodrigues. Chegou ao litoral do Espírito Santo e atingiu o mar. Demorou para se dissipar, mas deixou um prejuízo ambiental sem paralelo no País, até então.
Agora em 2019, tudo será maior, pelo que se anuncia. Idêntico mar de lama transforma em destruição a água bendita e clara do Rio Paraopeba. O rio, é sempre bom lembrar, encerra seu curso na Barragem de Três Marias e no Rio Francisco que, antes de chegar à foz, no Oceano Atlântico, banha os estados de Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. O que ocorrerá, ninguém sabe.
Sobre o desastre previsível e criminoso de Brumadinho, o ativista ambiental e poeta Monsyerrá Batista, mineiro da Serra do Cipó, postou este texto/poema em sua página do Facebook. Não tive como não trazer para cá.
CÚMPLICES DE DESASTRES ANUNCIADOS
Autor: Monsyerrá Batista
Lama da cobiça
Os lucros vão
Fica o rejeito
Omissão e cinismo
A céu aberto
Lucros nas bolsas e bolsos industriais
Na terra vermelha venenos tóxicos
Mas o progresso é de todos
Pisca a publicidade na Globo
A campanha é permanente, sigilosa
O Estado endividado de pires na mão
Na banca do pleito em pechincha
Fiscais, prefeitos, senadores deputados
De "gruja" super aumento pro judiciário
Generosas verbas de publicidade
E a lama da cobiça fede
Vai enchendo a nossa paciência
Represada pela cumplicidade
Na última linha de resistência
Ambientalistas, famílias e socorristas
ALERTA mais um laudo técnico
Mas o esquema frauda, omite, posterga
IndiferenteMENTE os barões jogam pôquer
Celebram o negócio bom das licenças
E a barragem estoura no colo da cidade
As vítimas trabalhadoras e inocentes vazam
Rompe a nossa indignação, o jogo sujo
E mais uma vez o lenga-lenga
Vendendo a imprensa carniça e seu peixe
As autoridades (in)responsáveis são cenas
Nos holofotes das siglas, comandantes canalhas
E debaixo de todos os egos inflados
Os corpos sofridos no rejeito enlamaçado
No asco sensacionalista por picos de ibope
O desespero e o pranto dos povos vitimados
Afogados a dor, sem dignidade e esperanças
Lucro acima de tudo, lama em cima de todos
A impunidade acena, o jornal vende
O rio morre, a lama seca, a poeira baixa
O povo esquece e o jogo segue
Manjado, sujo da mesma cumplicidade.
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