Futebol ópio do povo (não tanto)

Crianças jamais desgostarão a Copa, a atração é imensa.

Mosaico da ONG Interferência
Mosaico da ONG Interferência (Foto: ONG Interferência)


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O imagético de uma partida de futebol é impressionante, seja presenciado em campo, ao calor da emoção de uma torcida, seja, principalmente, quando exibido em amplas imagens televisivas de alta definição. Torcida, interessante a provável etimologia, seria vinda de mulheres que iam aos estádios e nas arquibancadas rodavam seus lenços ao ar em apelo aos times de futebol preferidos, então torciam panos, seus lenços particulares de mulheres recatadas, faziam uma torcida. É o que se diz, ou se supõe.

É bonito ver na tevê a imagem de um campo de futebol todo homogêneo e simétrico, belas cores, belos ângulos de filmagem, algo bem diferente ao rachadão que você costuma assistir aos gritos ou participar aos domingões na periferia de sua cidade.

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Rachadão fabuloso, de ampla camaradagem, também às vezes de brigas insanas, socos na cara até. Campo de terra com irregularidades, sem grama em muitos pontos, ou sem nenhuma grama. Rachadão um nome simpático, o futebol de várzea histórico, e várzeas eram, áreas ermas e algo planas, se ermas mais provável de baixa especulação imobiliária, portanto áreas de pouco valor proprietário oficial. Pouco valor pois sujeitas ao encharcamento, água enlameada, seja devido ao córrego bem ao lado, seja devido às chuvas que sempre se acumulam em topografias mais baixas.

Rachadão de muita cerveja e churrasco posterior, linguiça assada que a ninguém assusta por seu mau colesterol, o apetite aberto pós-esforço físico, aos domingos e feriados. Chega a proximidade de horário do almoço, que nestes dias é lá pras duas e meia, após você muito suar e muito levar bordoada, a coxa e a panturrilha vermelhas e doloridas, com riscas temporárias, de barro e de hematomas.

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Uma festa popular. Não, não neguem este direito ao povo preto, pobre, das periferias. A eles, falar que futebol seria uma espécie de ópio do povo os ofende, e com razão ofende, quem critique o futebol que ofereça então melhores oportunidades de lazer aos habitantes agitados das periferias.

Ainda muito a se avançar, ainda parca a presença feminina, tanto as espectadoras, e mais raras e ousadas ainda as corajosas jovens mulheres praticantes de futebol neste contexto amplo, mas felizmente elas há.

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Então agora o pessoal todo está lá no distante Catar, que em português é com a letra C mesmo, não com Q ou K. Catar grafado igual ao verbo catar mesmo, já a pronúncia deles, os cataris, diferenciada da nossa.

Dizem não sabermos apontar no mapa o país, de fato, eu e você não soubemos. O Catar mais parece o apêndice inútil do intestino grosso Arábia Saudita. Menos. Injusto taxar o Catar de inútil, não é, mas nosso apêndice intestinal sim, ele é, só serve para nos matar.

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Pão e circo, panem et circenses, que tem grafias distintas junto às maravilhosas artes de Tropicália e Os Mutantes. Lá nos anos 70 já se ligavam quanto ao enfático conceito da expressão e seu enfoque político e social, bem antes outros também. Então para nós, brasileiros, o conceito de pão e circo é bem familiar.

Também o simbólico pão e circo é mais condizente. Rachadão de domingos na periferia, o circo, entretenimento, divagação, bem saudável pensar em coisas outras além do cotidiano sofrido de labuta e busca pela sobrevivência, famílias numerosas de baixa renda vivendo em exíguo espaço de poucos cômodos.

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O simbólico ópio soa bem mais apelativo. Taxar o futebol tal qual o ópio do povo, tal expressão histórica, um passo grande além do algo inocente conceito pão e circo. A horrenda, ignóbil Guerra do Ópio, fomentada na China pela incensada, idolatrada família real britânica, inglesa, que seja, um império altamente expansionista e agressivo ao restante do mundo. Através de séculos vindo de tal arquipélago europeu um imenso poderio naval conquistador.

O ópio um fortíssimo relaxante muscular, alucinógeno que induz à passividade e prostração, decorrente de flores papoulas, talvez dentre as plantas mais tentadoras ao ente Satã em todo o planeta Terra. Ele soberbo em êxtase a salivar. Imagine-se o colossal efeito de doses de morfina ao corpo humano, sintético decorrente, daí as papoulas originárias vegetando em belos campos de natureza aprazível.

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Pouco mais de século e meio atrás, populações imensas de chineses que, ainda que de maneira algo involuntária, talvez os chineses de mente menos resoluta, aos milhares se deixaram conquistar pelos invasores interesseiros britânicos vindos de além-mar.

Algo involuntário tal consumo altamente tóxico, o ópio arrebatador de corpos e mentes, uma dependência física e psíquica instantânea. Imagine-se um país invasor do Brasil que distribua à saciedade pequenas pedras de escória da cocaína, o crack, outra droga imensamente viciante. Se distribuam também cachimbos para sua inalação e até um mini-isqueiro, que tudo venha em pequenos sacos plásticos bem leves, caiam eles dos céus, forrem os chãos das cidades brasileiras e de áreas rurais, pequeninos sacos plásticos desenvolvidos com aerodinâmica, caindo dos céus, atirados em abundância por helicópteros militares de tal suposto país invasor do solo brasileiro.

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Por forte curiosidade ou falta de escrúpulos, se porventura você nalgum dia de domingo, desinibido, meio embriagado, parcialmente irracional, se você queimar a pedrinha ofertada vinda dos céus, então já era, pisou no inferno e nele provavelmente permanecerá. 

Ópio, seu efeito ao corpo de plena passividade inibidora de ação. Mentes fortemente entorpecidas, o opiáceo atuante em similitudes à ação da morfina sintética. Poderosíssimo efeito capaz de subjugar populações inteiras, batalhões sem conta.

Futebol ópio do povo soa bem forçado. Bem mais coerente dizer que o futebol, mas não só tal esporte, seja de fato um pão e circo, o verdadeiro conceito da expressão da Roma antiga. Espectadores entretidos no Coliseu romano, hoje em estádios lotados, tomando sua gostosa cerveja, quando permitido, ou se entupindo de tudo o que não possa fazer em dias de semana devido à rotina de árduo trabalho e tempo tomado para a mínima geração de renda familiar.

O garoto de onze anos entristecido, morador de periferia em São Paulo, sob constante risco social, região de altos índices de homicídios, tal garoto por sorte e destino tem a oportunidade de acolhimento em uma ONG de contraturno escolar. Quanta diversão o futebol! Lavará a sua tristeza. Deliciar-se tão somente com a visão de um álbum de figurinhas a preço proibitivo o qual não pode possuir. Almejar com olhos brilhantes tais figurinhas de astros do futebol, um universo mágico aos olhos infantes.

Ânimo, vestir camisetas alternativas que pode comprar próximo de casa, novamente a proibição econômica de comprar uma camiseta de seleção original da Copa do Mundo de futebol masculino. Quanta alegria e entretenimento, disputa saudável até mesmo, a energia e vibração da garotada na ONG onde o menino de onze anos pôde montar entretido e feliz um mosaico com pequenos pedaços de ladrilhos coloridos, montou um belo mosaico representando um campo de futebol, todo colorido e brilhante. Exibirá sua arte orgulhoso à avó, pois pai nunca conheceu e mãe se atirou ao mundo.

Injusto pois afirmar que futebol é um ópio do povo, é talvez um entretenimento parco e vago, um pão e circo para anestesiar corações e mentes que não se encontram interessados em focalizar questões cruciais e complexas de nossa sociedade, ao menos em um momento de domingo ou feriado. Necessária divagação.

Injusto defenestrar o futebol, não só no Brasil que se diz amante do esporte, mundo afora, tanta gente pobre ou vilipendiada que encontra nos esportes, futebol em particular, uma chance real de se ver cidadão, de sair do difícil atoleiro africano, sul-americano, do Sudeste asiático, atoleiro de esgoto a céu aberto mesmo, que combina miséria, criminalidade, assédio, e tanta coisa que, queiramos ou não, grassa em localidades menos favorecidas pelo poder público.

Que venha o circo. A economia local gira, muita gente vendendo bandeirinha, cornetas de plástico, decorações, também os atletas buscando altos salários, bares e restaurantes que em tal época aumentam sua renda com a exibição pública das partidas em telas de alta definição, contratam funcionários temporários.

Mas, às vezes, há de fato uma gritante extrapolação. Catar e outros países, um custo de vida em nada popular, ademais a segregação social religiosa, fundamentalista. Mais uma Copa, a cada quatro anos, em todas as Copas do mundo ocorre, quem as presencia ao vivo em países de alto custo de vida, por óbvio, é majoritariamente gente endinheirada, que viaja cruzeiros marítimos, faz cirurgias plásticas, exibem sorrisos ultrabrancos, tratamentos faciais inovadores de harmonização da alva pele inclusos.

Quem vai às Copas não é o povo da periferia, dificilmente o menino de onze anos assistido por ONG de periferia aqui, ou que seja lá na África, Sudeste Asiático, América Latina, onde for, dificilmente tal menino carente sonhador, de olhos brilhantes, terá acesso a entrar em um estádio na Copa, sequer acesso a uma camiseta oficial da seleção de coração, de fino e impressionante brilho, de tecido tecnológico, ou acesso sequer a um álbum de figurinhas oficial da empresa megacapitalista multinacional chamada FIFA.

Mas não, que não se negue jamais o direito das pessoas de se contentar e mesmo se extasiar com o futebol. Qual outra opção? Que venha um esporte mais versátil, de baixo custo, de maior apelo imagético, que venham mais mulheres praticantes, outro esporte mais popular ainda não há.

Mulheres no futebol. Em muitas partidas delas o que se vê são guerreiras que bem pouco simulam, se machucam de fato, sangram, suam, e são exemplos aos astros masculinos já endinheirados e metrossexuais do esporte mundo afora.

Eles homens que quase atingem um clímax orgásmico ao se verem imensos transmitidos nos telões de estádios da Copa. Astros na maioria vindos mesmo da carência, da miséria, e, tentados e falíveis tal qual toda a humanidade, se deixam dominar pelo ego. Ego que nós alimentamos.

No entanto, uma mais do que necessária ressalva a ser feita: quem um dia fome passou haverá de se empanturrar quando a oportunidade chegar. Compreende-se.

Se isto animar o garoto carente de periferia aos onze anos, em seu cotidiano de tristezas e violências, então muito vale. Que venha talvez o ego inflado, que tal garoto tenha também o direito de ser um pouco arrogante quando crescido, afinal cultivará a condição física e almejará a justa paga por seu esforço e dedicação, por seu trabalho, ele finalmente um trabalhador e provedor de sua família de histórico miserável. Tudo aquilo que sempre tal garoto preto e pobre em um dia cinzento esperançoso ousou sonhar.

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