Fundamentalismo cristão de mercado
Precisamos defender como unhas e dentes a laicidade do estado brasileiro e não permitir que concepções religiosas ou éticas tão obscurantistas e antiquadas queiram influenciar as políticas públicas relativas às questões de gênero e orientação sexual
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Em sua copiosa e extensa trilogia, "A sociedade em rede", o sociólogo espanhol Manuel Castels classificou os movimentos ambientalista e feminista como "identidades de projeto", querendo dizer que se tratavam de movimentos que apontavam para o futuro da sociedade humana. Particularmente, o segundo foi visto por ele como uma luta que antecipava sociabilidades, valores e atitudes mais generosas e tolerantes. Naturalmente, a novidade deste pensamento ia muito além das formas de relacionamento familiar e sexual até então existentes. Famílias monoparentais, homoeróticas, comunitárias etc. Bem longe do modelo nuclear e patriarcal que conhecemos.
A infeliz decisão do governo brasileiro, em recente encontro de cúpula da ONU, em acompanhar os países islâmicos no tocante à educação das mulheres, seus direitos reprodutivos, à sua sexualidade e o direito ao próprio corpo é um retrocesso paradoxal, quando se tem em conta que nem os judeus têm uma posição tão antiquada e conservadora como essa. Pode se entender a influência religiosa (pentecostal e neopentecostal) sobre a decisão do governo nesse item. Mas é impensável que uma sociedade multicultural, multiétnica e religiosa como a nossa possa ser regida por uma ética e um pensamento tão estreito, sectário e fundamentalista, como este.
Nós já avançamos muito em relação ao patriarcalismo e a misoginia (e também à homofobia) no âmbito da cultura brasileira. Persegue-se os homossexuais, as lésbicas e transformistas, mas isso já está tipificado como crime de ódio pelo Supremo Tribunal Federal. As mulheres são sujeitos de direito e têm a capacidade civil e jurídica de disporem do seu corpo, como quiserem. Não é mais possível voltar à época colonial (ou à idade das cavernas), no que respeito aos direitos de gênero e orientação sexual no Brasil. A despeito de todas as restrições ao ensino dessa matéria nas escolas públicas brasileiras, não é dado a ninguém perseguir, discriminar ou incitar a violência contra as minorias sexuais e as mulheres(como aliás, contra ninguém).
Foi uma grande luta social e sexista superar a herança "sadomasoquista" da nossa civilização luso-tropical, trazida com a escravidão africana no Brasil. Essa nefasta herança contaminou os lares, as cabeças e as práticas familiares e sexuais das pessoas, originando uma doente e perigosa misoginia entre nós. Ou seja, a ideia de que a mulher é inferior e serva da luxúria masculina. E seu papel social é procriar e atender aos apetites sexuais dos machos. Ainda bem, que esse papel mudou. A mulher é, hoje, prefeita, governadora, senadora, ministra e presidente da República. Não há mais porque manter essa ideia atrasada de que Deus fez a mulher de uma costela de Adão e que ela o desviou do bom caminho.
Precisamos defender como unhas e dentes a laicidade do estado brasileiro e não permitir que concepções religiosas ou éticas tão obscurantistas e antiquadas queiram influenciar as políticas públicas relativas às questões de gênero e orientação sexual.
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