Fome e recessão permeiam o cenário global

“globalmente, os níveis de fome permanecem assustadoramente altos"

Passar fome no Brasil é uma grande mentira.
Passar fome no Brasil é uma grande mentira. (Foto: AGÊNCIA BRASIL)


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Conforme dados reunidos no Relatório Global sobre Crises Alimentares, 2022 (GRFC, na sigla em inglês), publicado sob a direção do Food Security Information Network (FSIN) – rede mundial criada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e para a Agricultura) com o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a União Europeia (EU), em abril de 2022, “globalmente, os níveis de fome permanecem assustadoramente altos. Em 2021, eles superaram todos os registros anteriores com quase 193 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar e precisando de assistência urgente em 53 países/territórios. Isso representa um aumento de quase 40 milhões de pessoas em comparação com o ano anterior, 2020 (relatado no GRFC 2021).”1 O relatório avalia a insegurança alimentar aguda, definida como a falta de alimentos que ameaça imediatamente a vida ou os meios de subsistência de uma pessoa.

 É diferente da fome crônica, que em 2020 afetou cerca de 811 milhões de pessoas,  e é medida por outro levantamento, O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (SOFI, na sigla em inglês), relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura),  que aponta, também, que cerca de 2 bilhões de pessoas são afetadas, de maneira moderada, pela fome atualmente no mundo.2No período recente, os preços globais dos alimentos cresceram em tono de 61% entre 2021 e 2022, agravando a situação dos mais pobres e, consequentemente, da fome em escala mundial, como resultado de uma combinação de fatores como aponta o relatório do PMA: (i) uma recuperação econômica global desigual da pandemia do Covid-19. Nos emergentes e de baixa renda, a falta de vacinas ameaça a recuperação. Na China, a política de “Covid zero”, baseada em rigorosos lockdowns, provocou quedas muito fortes nos indicadores de atividade econômica em abril. Em maio, alguns indicadores já mostram recuperação. 

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Nos Estados Unidos, a economia tem estado bastante aquecida, de acordo com diversos indicadores, com destaque para os do mercado de trabalho, mas a inflação está crescendo; (ii) interrupções na cadeia de suprimentos de produtos agropecuários e em muitas outras cadeias, quase de forma generalizada. Já faltam muitas sementes; (iii) eventos climáticos extremos associados ao aquecimento do planeta. O impacto dos desastres relacionados ao clima, na insegurança alimentar aguda, se intensificou desde 2020, quando foi considerado o principal fator para 15,7 milhões de pessoas, em 15 países. Choques climáticos – na forma de seca, déficits de chuva, inundações e ciclones – foram, particularmente prejudiciais, na África Oriental, Central e Austral e na Eurásia e (iv) inúmeros conflitos, dentre eles a guerra da OTAN/UE/Ucrânia e a Rússia.  A guerra foi determinante para o disparada de preços da energia, combustíveis, fertilizantes e de commodities como trigo, milho, cevada, óleo vegetal, sementes etc., o que está impulsionando um aumento na inflação dos alimentos em diversos países do mundo, dependentes das importações provenientes da Rússia e da Ucrânia. 

A guerra ameaça levar outros milhões de pessoas ao redor do mundo à fome. A Rússia e a Ucrânia fornecem 28% do trigo comercializado globalmente, 29% da cevada, 15% do milho e 75% do óleo de girassol. As sanções à Rússia e o bloqueio dos portos da Ucrânia compromete o abastecimento mundial.  

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O conjunto desses fatores contribuiu para reduzir, de forma, substancial, a produção e a disponibilidade de alimentos no Mundo.3Países em desenvolvimento com moedas fracas, alta dependência das importações de alimentos e aqueles em que o fechamento de fronteiras e conflitos interromperam os fluxos comerciais, tiveram um grande impacto no poder de compra das famílias mais pobres, muitas das quais ainda estão sofrendo perdas de emprego e renda devido às restrições relacionadas à pandemia e agora associadas, também, à alta dos preços dos alimentos. 

A situação é muito preocupante. Estima-se que o preço dos alimentos atingiu a maior alta em 10 anos. Segundo o PMA já são 45 milhões de pessoas famintas, em 43 países do mundo, um novo pico de alta. A agência da ONU estimou que antes da pandemia da Covid -19, em 2019,  eram cerca de 27 milhões.

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  O diretor-executivo da agência, David Beasley, alertou  que “já  são milhões de pessoas à ‘beira do abismo’...A insegurança alimentar tem feito muitas pessoas comerem menos, pular completamente algumas refeições, ou optar por alimentar as crianças ao invés dos adultos. O PMA cita ainda casos extremos, onde as famílias acabam tendo que comer gafanhotos, folhas selvagens ou até cactos para sobreviver, como é o caso em Madagascar. Em outras áreas, as famílias acabam retirando as crianças da escola, vendem o gado que têm ou se veem forçadas a casar as crianças. O PMA que ajuda a combater a insegurança alimentar no mundo, compra cerca de metade do seu trigo da Ucrânia, anualmente, e avisou sobre as consequências se os portos ucranianos não forem abertos.”

4O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, explicou que o aumento da fome no mundo não é um problema isolado, e que os altos custos dos alimentos, associados a níveis persistentemente elevados de pobreza e desigualdade de renda, continuam a manter dietas saudáveis fora do alcance de cerca de três bilhões de pessoas, em todas as regiões do mundo. “Hoje, somos lembrados de que estamos tremendamente fora do caminho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. 

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Dados novos e trágicos nos informam que entre 720 milhões e 811 milhões de pessoas, no mundo, passaram fome em 2020, 161 milhões a mais do que em 2019”, disse Guterres. Os dados mais recentes da FAO, publicados em abril de 2021, apontam que cerca de 927 milhões de pessoas se encontram em estado de insegurança alimentar grave no planeta. 


Os números, calculados por uma ou outra instituição, são todos alarmantes. A fome nos envergonha. Não é por falta de produção. Somente o Brasil tem condição de produzir grãos e proteínas animais para alimentar mais de 800 milhões de pessoas sugere estudo da Embrapa.5 É claro que se trata de uma figura de linguagem, porque colocar no mercado o equivalente a alimentação para 800 milhões de pessoas, não significa que as todos vão ter acesso a esses alimentos. A distribuição e o consumo são extremamente desiguais.  No Brasil, enquanto o agronegócio avança, a fome também aumenta.

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 O mundo deve agir agora ou vai assistir aos determinantes da fome e da má nutrição se manifestarem com intensidade crescente, nos próximos anos, muito depois de passado o choque da pandemia. O direito humano à alimentação adequada — também chamado pela sigla DHAA — está ameaçado. Dele depende o direito à vida.6Parece que a recuperação da economia global, da pandemia de COVID-19, será mais lenta do que era esperado. A guerra na Ucrânia deve desencadear uma desaceleração econômica global em 2022-2023. O FMI rebaixou suas previsões e estima uma alta de 3,6% no PIB de 2022 e 2023, o que é insuficiente para voltarmos aos níveis pré-crise sanitária. O Banco Mundial, também, reduziu sua previsão de crescimento global para 2022 de 4,1% para 3,2%, antecipando uma forte desaceleração em relação ao crescimento estimado de 5,5% em 2021.7

 Economistas do mundo inteiro estão tentando realizar prognósticos em resposta à questão: qual será a dimensão da recessão da economia global?  Haverá uma estaglacão? De que proporção? Os dois maiores países do mundo desacelerando, toda a economia mundial perde folego. E a disposição de colaborarem é cada vez menor, na medida em que os Estados Unidos encaram o crescimento e desenvolvimento da China como uma ameaça ao seu poder hegemônico.8
Ao menos sete problemas diferentes, mas muito interligados, afetam negativamente a economia mundial: i) as perspectivas de crescimento da China foram prejudicadas pelos rígidos “lockdowns” para conter um surto da variante ômicron do coronavírus;  ii) a inflação global de commodities e alimentos;   iii) o aumento e a persistência da inflação levando ao aperto da política monetária em diversos países; iv) a guerra v) a escassez de oferta de alguns produtos e crises alimentares e fome em muitos países emergentes e na Europa, também; vi) a degradação ambiental e os eventos climáticos extremos decorrentes do aquecimento do planeta e seus impactos sobre a produção de alimentos; vii) a competição dos Estados Unidos com a China pela hegemonia mundial, embora sejam fortemente interdependentes.

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A moral da história é que as projeções de inflação global estão sendo revistas para cima, enquanto as expectativas de crescimento estão sendo revistas para baixo. Isso significará uma corrosão nos lucros das empresas e do poder de compra das famílias por mais tempo, com a inflação afetando, principalmente, as famílias de baixa renda. A inflação, alta e persistente, empurra as taxas de desemprego para níveis elevados, em muitas economias em desenvolvimento e, as economias avançadas, estão desacelerando para conter a inflação com políticas ortodoxas de juros altos. Nada nos assegura que não reviveremos os anos 1970 do século passado, associando à estagnação desse segunda década do século XXI, novas crises  de dívidas, de combustíveis e de quedas significativas de emprego e renda. 10 Sem deixar de mencionar o ressurgimento de uma nova guerra fria por conta do conflito que há três meses se desenrola no Leste Europeu, separando a China e a Rússia dos Estados Unidos e dos países membros da OTAN, deixando um rastro de ódio e destruição, sem grandes perspectivas de paz no curto horizonte. 

Em momentos de múltiplas formas de desorganização do aparato politico, social e econômico, ao longo da história, costumam florescer  diferentes formas de  fascismo em resposta a essas crises, e com armas quase sempre semelhantes às já conhecidas pela Humanidade: reflorescimento de um nacionalismo exacerbado, militarismo, desprezo pela democracia, anticomunismo, conservadorismo nos costumes, busca de mitos,  irracionalismo, etc.; oriundas do mesmo caldo cultural e político, constituindo o ambiente propício para ascensão  de certos grupo da sociedade, em geral conservadores e de extrema direita. Um mundo dominado pelo fascismo dificilmente seria um mundo de relações pacíficas entre os Estados Nacionais, haja vista o seu fascínio pela guerra e pelas “fardas”.

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Haja folego para enfrentarmos tantas lutas: contra a fome, contra a concentração de renda e riqueza, contra a degradação ambiental, contra um mundo unipolar, contra a ganância das elites globais, contra ambições neofascistas, contra tentativas de sufocar democracias em favor de regimes autoritários.

Notas:

  1. http://www.fightfoodcrises.net/fileadmin/user_upload/fightfoodcrises/doc/resources/GRFC_2022_FINAl_REPORT.pdf
  2. Idem op. cit.
  3. https://news.un.org/pt/story/2021/11/1769572
  4. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/onu-crise-alimentar-global-pode-piorar-se-porto-ucraniano-de-odessa-nao-for-aberto/
  5. https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/59784047/o-agro-brasileiro-alimenta-800-milhoes-de-pessoas-diz-estudo-da-embrapa
  6. https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2021/O-direito-humano-%C3%A0-alimenta%C3%A7%C3%A3o-no-mundo-e-no-Brasil
  7. https://www.cnnbrasil.com.br/business/revisoes-em-serie-mostram-que-economia-global-esta-mais-perto-de-ver-uma-recessao/
  8. https://valorinveste.globo.com/mercados/internacional-e-commodities/noticia/2022/05/25/a-economia-mundial-entrara-em-recessao-quando-economistas-do-mundo-respondem.ghtml
  9. https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/05/06/a-estagflacao-global-parece-estar-de-volta-mas-quao-ruim-sera.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.
  10. https://www.scielo.br/j/rbpi/a/WRYdFsXNNpLm6kh95tcnhmf/?lang=pt

 

 

 

 

 

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