Florestan Fernandes e Celso Furtado

Furtado conhecia como poucos as mazelas da região Nordeste, desde sua Paraíba. Foi expedicionário da FEB e, além de atuar na vida universitária, ajudou a organizar a Sudene, foi ministro do Planejamento do presidente João Goulart, e posteriormente da Cultura, na redemocratização pós-ditadura militar.

Florestan Fernandes e Celso Furtado
Florestan Fernandes e Celso Furtado (Foto: Reprodução)


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Neste mês de julho, celebramos o centenário de dois dos maiores pensadores do povo brasileiro, Florestan Fernandes (22/07/1920) e Celso Furtado (26/07/1920). Certamente, haverão de se repetir homenagens nas escolas, universidades e nos movimentos populares.

Ambos analisaram com profundidade a realidade brasileira, cada um na sua área. Furtado foi o principal pesquisador da questão da formação econômica do Brasil. Florestan analisou como ninguém o as classes sociais, os problemas da desigualdade, das mazelas do racismo em uma sociedade de origens escravocratas. Furtado olhou o Brasil pelo viés da economia política. Florestan pela ótica da educação e da sociedade de classes. São análises complementares que tornaram suas obras imprescindíveis na formação dos educadores e militantes do povo e na compreensão do Brasil. Pesquisadores e analistas criteriosos, foram mais que cientistas sociais, foram indivíduos comprometidos com nosso povo, atuando nas mais diferentes trincheiras da luta social para mudar a sociedade brasileira, uma estrutura injusta que se caracteriza como uma das mais desiguais do planeta.

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Furtado conhecia como poucos as mazelas da região Nordeste, desde sua Paraíba. Foi expedicionário da FEB e, além de atuar na vida universitária, ajudou a organizar a Sudene, foi ministro do Planejamento do presidente João Goulart, e posteriormente da Cultura, na redemocratização pós-ditadura militar.

Como ministro de Jango, foi o autor intelectual da principal proposta de reforma agrária que tivemos até hoje. Partindo das experiências históricas clássicas dos países que se industrializaram, propôs que a reforma agrária constituísse também um instrumento para o desenvolvimento da indústria nacional. Para tanto, propôs a desapropriação de todos os latifúndios com mais de 500 hectares, priorizando os localizados próximo às cidades e ao longo de 10 quilômetros de cada lado das rodovias federais, ferrovias, lagos e açudes. Na sua visão, seria necessário transformar o camponês num partícipe da economia de mercado para produzir alimentos para a cidade e consumir os bens produzidos pela indústria.

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Para isso, precisava estar próximo às cidades, com transporte rápido e acesso à luz elétrica. Somente assim sairíamos da crise econômica da época, podendo desenvolver a indústria, com mercado interno e distribuição de renda, melhorando as condições de vida de todo o povo. O projeto foi apresentado ao Congresso em 16 de março de 1964. A resposta da burguesia brasileira, subordinada aos interesses dos Estados Unidos, foi o golpe empresarial-militar.

Florestan nunca esqueceu suas origens de garoto pobre, filho de empregada doméstica migrante de Portugal, que lutou durante toda a sua vida para poder estudar. Ele acreditava que pela via da democratização da educação poderíamos redimir nosso povo, democratizar a sociedade e obter mudanças estruturais. Tampouco conseguiu. Passou por todos os bancos das escolas públicas até ser professor da elitizada USP, de onde foi expurgado pela ditadura militar.

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Ambos amargaram o exílio, mas seguiram na luta, até o final dos seus dias. Furtado, ministro da Cultura do governo Sarney, manteve a defesa da necessidade de um projeto para o Brasil, registrando suas propostas em diversos livros. Florestan fez militância partidária na esquerda e se elegeu deputado constituinte, defendendo como ninguém o direito à escola pública e gratuita, em todos os níveis, para todos os brasileiros. Educação, não só como conhecimento, mas como direito universal e instrumento de libertação das pessoas.

Tive o privilégio de cultivar uma amizade de discípulo com ambos, em seus últimos anos de vida. Apreendi muito. Procuramos compartilhar seus ensinamentos, livros, palestras e conselhos com toda a militância do movimento popular e do MST. Seremos sempre gratos.

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Procuramos perenizar esse legado, homenageando-os batizando nossas escolas e nossos assentamentos com seus nomes, além de divulgar suas obras e seus exemplos de vida coerente. Todo militante social e todo brasileiro comprometido com o país deve ter acesso ao conhecimento de suas trajetórias de vida e de suas obras. Estudá-los, apreender com eles. Certamente, se a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) adotasse estes autores em seus cursos, não teríamos um governo tão despreparado e irresponsável, no momento em que já contabilizamos mais de 78 mil brasileiros mortos.

Salve salve Celso Furtado e Florestan Fernandes, patrimônios cívicos, culturais e intelectuais do nosso povo!

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*João Pedro Stedile é membro da equipe de coordenação do MST

Publicado originalmente no site Poder 360

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